Acadêmicos levantam deficiências na formação
do hidrogeólogo no Brasil
Educadores
das regiões Sul, Sudeste e Nordeste afirmam que os recém-formados
em hidrogeologia tem a base do conhecimento para ingressar na vida profissional,
mas não possuem a prática necessária para o mercado
de trabalho
Antigamente
disciplina de Hidrogeologia sequer era obrigatória nas universidades
e faculdades do Brasil. Era apenas uma opção que o aluno
poderia fazer. Atualmente a profissão encontra-se em ascensão,
principalmente pela política de gerenciamento das águas
subterrâneas que obriga as perfuradoras terem o hidrogeólogo
em seu quadro de funcionários. No curso tradicional de geologia,
a matéria hidrogeologia é obrigatória, porém,
também existem escolas com cursos optativos que abordam a disciplina,
o que é muito pouco para a formação profissional
de um hidrogeólogo.
Os cursos de geologia ainda têm um enfoque muito forte nas chamadas
áreas básicas como petrografia, mineralogia, geologia
econômica e por aí vai. O curso estuda de forma geral os
impactos ambientais, prospecção de petróleo, mapeamentos,
a hidrogeologia... A hidrogeologia nos cursos atuais, acaba sendo uma
especialização do curso de geologia. A formação
de geólogo com conhecimentos sobre águas subterrâneas
está, ainda hoje, intrinsicamente associada ao desenvolvimento
no campo profissional ou nos cursos específicos.
Acadêmicos afirmam que existem muitos problemas na formação
desse profissional. A principal é a falta do entendimento do
ambiente físico ou químico onde ocorrem os fenômenos,
aplicando-se instrumentos de levantamento e análise linearmente
sem um bom embasamento crítico. Os recém-formados, até
têm a base do conhecimento para ingressar na vida profissional,
mas falta a prática. E a prática se adquire trabalhando.
Muitos buscam essa formação específica nas especializações,
mestrado ou doutorado.
Diante desses dados, o ABAS INFORMA pesquisou várias faculdades
e universidades avaliando a formação do hidrogeólogo
no Brasil. As regiões Sul, Sudeste e Nordeste estão representadas
nessa reportagem através da UFRGS - Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, UFPR - Universidade Federal do Paraná, USP - Universidade
de São Paulo e UFC - Universidade Federal do Ceará. De
acordo com os entrevistados, a formação do hidrogeólogo
apresenta falhas no curso de graduação, onde há
carência de disciplinas específicas colaborando com a melhor
formação do profissional. A problemática não
é atribuída somente aos aspectos teóricos, mas
principalmente no trato com atividades práticas, tais como perfuração
de poços e ensaios de bombeamento. O ABAS INFORMA foi incisivo
nos questionamentos "Como anda a formação do hidrogeológo
no país?". Quem responde essa pergunta são grandes
profissionais e acadêmicos que se destacaram no cenário
nacional pela formação do hidrogeólogo e pesquisa
com as águas subterrâneas.
"A
hidrogeologia está em franca expansão"
O geólogo com especialização em hidrologia aplicada
e professor titular do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da
Ufrgs, Mario Dame Wrege, atribui que as principais deficiências
na formação do hidrogeólogo é quanto a falta
de entendimento do ambiente físico ou químico onde se
dão os fenômenos. Quanto à atuação
das instituições na formação desse profissional,
Mario diz que as universidades tem um processo de ajuste muito lento,
em função de uma pesada burocracia, enquanto que hoje,
as mudanças são muito rápidas.
"É impossível formar um hidrogeólogo em apenas
um semestre, ainda mais que os cursos estão normalmente nas Escolas
de Geologia ou de Engenharia de Minas. De um lado está a baixa
capacitação matemática e de outro a baixa capacitação
ambiental. Assim, o enfoque da Hidrogeologia depende do que o docente
considera importante, no momento e no ambiente/região que leciona.
Quanto ao setor de pós-graducação, creio que o
importante é integrar as águas subterrâneas dentro
dos recursos hídricos e do ambiente natural. Podendo ter enfoque
de engenharia, de geologia, de geomorfologia ou de geotecnica. Mas dentro
de uma visão holística. A água é cada vez
mais importante, principalmente a potável e a hidrogeologia tende
a ser uma importante parte na estratégia de sobrevivência.
Assim, é preciso conhecer os recursos hídricos subterrâneos
e recuperar os estragos feitos pelos antecedentes", explicou Mario.
Para o geólogo Marcos Imério Leão, que também
é professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH)
da Ufrgs desde 1975, a formação do hidrogeólogo
está melhorando a cada ano. Dez anos atrás, o profissional
era formado mais na prática do que na universidade. Hoje, ele
acredita que os cursos de geologia já estão dedicando
uma maior importância à formação do geólogo
para a área da hidrogeologia. Quanto às teses, ele afirma
que os trabalhos estão bastante diversificados. Há dissertações
e teses relacionadas a hidrogeologia de rochas fraturadas, assuntos
relacionados ao aqüífero Guarani, contaminação
de aqüíferos, aqüíferos costeiros e outros.
"O setor da pós-graduação sofreu um incremento
muito grande. Hoje há bons cursos de pós-graduação
no Brasil, tanto a nível de mestrado como de doutorado. A procura
por cursos que enfoquem as águas subterrâneas tem aumentado
muito. Digo sempre aos alunos da geologia, que hoje, há duas
áreas que devem ser olhadas com boas perspectivas de emprego
- a hidrogeologia e a geologia ambiental. Hoje não se faz mais
obras em que não seja chamado o geólogo para emitir algum
parecer. Em construção de hidrelétricas, a preocupação
com a influência que as águas superficiais dos lagos gerados
pelos barramentos possam exercer sobre as águas subterrâneas,
fez com que os EIA-RIMAs incluam obrigatoriamente este assunto. Programas
de monitoramento das águas subterrâneas são obrigatórios
dentro de PBA (Plano Básico Ambiental) de Usinas Hidrelétricas.
A hidrogeologia está em franca expansão. Pode-se dizer
que, atualmente, ela é o carro-chefe da geologia. Há uma
grande quantidade de profissionais se especializando nessa área,
não só no Brasil, mas também, no exterior. O mercado
está aberto e os hidrogeólogos não são muitos",
analisou Leão.
A resistência
da idéia do "geólogo polivalente"
Na região Sudeste a formação do hidrogélogo
não é diferente. O pesquisador Ricardo Hirata, professor
do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo
(USP) também alega que no Brasil, o hidrogeólogo ainda
é formado no mercado de trabalho. Para ele, os cursos de geologia,
de onde saem a maioria dos profissionais, não formam especificamente
o hidrogeólogo e que ainda existe a idéia do "geólogo
polivalente", que atuaria em todos os ramos da geologia, e, portanto,
sem ainda uma especialização, como ocorre com as engenharias.
"Creio que é necessário rever esse conceito do profissional
que se quer formar, e enfocá-lo para as áreas que a sociedade
mais está demandando. Isso inclui o meio ambiente e a hidrogeologia.
Quanto ao setor de pós-graducação vejo como um
dos mais concorridos, na USP por exemplo, há quatro programas
desse nível. O que abarca a hidrogeologia é o mais concorrido
e onde há mais alunos. Não temos mais alunos por que não
temos mais vagas disponíveis, pois faltam professores. Muitos
profissionais têm procurado o programa de pós para uma
especialização, pois não há regularmente
cursos para uma atualização. Creio que é tempo
da universidade abrir para um curso de especialização,
ampliando o seu leque, que se restringe na pós-graduação
sensu stricto, mestrado e doutorado. Um programa com características
mais práticas e para o dia a dia do profissional em hidrogeologia.
Quanto ao papel das universidades na formação do profissional,
as vagas para professores são restritas nas universidades públicas.
Não estão sendo abertas novas vagas. Parece uma contradição,
mas é verdade. Muitas escolas ainda resistem em reconhecer que
as geociências estão mudando e que novos profissionais
precisam ser formados, e, portanto, novos professores em outras áreas
precisam ser contratados. Falando um pouco do estado de São Paulo,
realidade que conheço melhor, há todas as possibilidades
para desenvolver uma pesquisa séria e útil pelo profissional.
Com a participação efetiva da Fapesp, órgão
de fomento à pesquisa do Estado, estamos passando por um período
bastante feliz, pelo menos no financiamento de trabalhos de pesquisa.
Infelizmente isso não ocorre em todos os estados do país",
constata Hirata.
Aulas práticas
no campo
O presidente nacional da ABAS e professor da UFPR, Universidade Federal
do Paraná, Ernani Francisco da Rosa Filho diz que a instituição
tem programas que se diferenciam na formação do hidrogeólogo,
em relação às demais faculdades.
"Na UFPR, atualmente, no curso de graduação existem
duas disciplinas diretamente ligadas com as águas subterrâneas;
hidrogeologia I e Hidrogeologia aplicada. A associação
de aulas teóricas com trabalhos práticos e aulas de campo
(testes de bombeamento, etc) dão condições do aluno
começar suas atividades profissionais no mercado. A deficiência
na formação do hidrogeólogo, talvez esteja na dificuldade
que a universidade possui de oferecer estágios a todos os alunos
em empresas de perfuração. Poucos conseguem ter a oportunidade
de fazer o estágio obrigatório nas perfuradoras. A maioria
dos pós-graduandos, mestrandos e doutorandos já vem com
uma certa experiência profissional, o que torna as discussões
em aula mais produtivas. O nível das dissertações
e teses de pós-graduação contribuem para as empresas
que atuam no setor. A produção em termos de quantidade
de teses que é ainda muito baixa no Brasil, em comparação
com USA e Europa. Na UFPR existe a tradição de procurar
órgãos públicos, antes do início da tese
para sentir a necessidade do trabalho. Estas empresas contribuem na
elaboração da teses com análises e até bolsas
de estudo. O que espero da hidrogeologia para os próximos anos?
Que o mercado aumente e a qualidade dos profissionais também",
profetiza Ernani.
"As
universidades públicas brasileiras estão falidas"
Na região Nordeste a necessidade é mais cursos de pós-graduação
em hidrogeologia. São poucos os mestrados e menos ainda os cursos
de doutorado. O diagnóstico é feito por Itabaraci Nazareno
Cavalcante, professor de Hidrogeologia (Graduação), Gestão
de Aqüíferos e Poluição das Águas Subterrâneas
(Mestrado em Geologia/Área de Hidrogeologia), da Universidade
Federal do Ceará. De acordo com ele, o IG/USP ainda possui o
doutorado mais recomendado na área de hidrogeologia, embora vários
de seus titulares tenham saído. Alguns mestrados perduram, a
exemplo da UFPE (berço da hidrogeologia no Brasil) e outros começam
a despontar liberando suas dissertações, a exemplo do
DEGEO/UFC. A Região Norte já conta com Mestrado/Doutorado
no IG/UFPA, estimulando a preparação a nível de
pós-graduação. Para ele, no Departamento de Geologia/UFC,
a hidrogeologia constitui a principal área de mestrado, possuindo
em torno de 15 professores doutores atuantes com várias linhas
de pesquisa (hidrogeologia do Cristalino, Hidroquímica/Poluição
das Águas, Gestão Integrada de Recursos Hídricos,
Modelagem Matemática em Hidrogeologia, Geofísica Aplicada
a Hidrogeologia, etc), tendo liberado várias dissertações
e possuindo mais de 20 mestrandos.
"A
formação de geólogo com conhecimentos sobre águas
subterrâneas está, ainda hoje, intrinsicamente associada
ao desenvolvimento no campo profissional ou nos cursos específicos
"Na graduação pode existir a disciplina hidrogeologia,
a exemplo do que se tem no Departamento de Geologia/UFC e na UFPA, mas
o conteúdo ainda é limitado em função no
número de horas/aula e um programa extensivo. Carecemos, em todos
os níveis, da prática de campo para termos, gradativamente,
o entendimento maior entre a teoria e o que se desenvolve na prática.
Como em toda área que se desenvolve em cima da prática
de campo, a deficiência inicial é justamente a ausência
maior de aulas práticas, ponderando-se a obtenção
de dados, interpretação real e a geração
de informações confiáveis. Como exemplo pode-se
citar um trabalho em que se deseje analisar os aspectos hidrogeoquímicos
em profundidade. Caso o profissional não entenda de perfis construtivos
de poços (particularmente da localização dos filtros),
poderá, conseqüentemente, fazer unicamente uma análise
hidroquímica sem ater-se aos sistemas aqüíferos explotados,
pois não saberá de que nível provém a água
analisada. Precisamos, ainda, de mais cursos técnicos na área.
O número ainda é muito limitado, com divulgação
restrita e participação pequena. As empresas devem buscar
a reciclagem técnica, possibilitando o conhecimento maior ao
profissional. A evolução do conhecimento nesta área
está muito ágil e, inúmeras vezes, o técnico
não participa como deveria, ou mesmo gostaria. Atualmente, trabalhar
com as águas subterrâneas não é mais um trabalho
para quem não quer saber da Geologia, e sim, para profissionais
(Geólogos ou não) com alto grau de conhecimento e responsabilidade
social, onde seu trabalho é avaliado concomitantemente ao desenvolvimento
e o retorno social é imediato. Existe o reconhecimento do crescente
espaço que a área de hidrogeologia vem atingindo no mercado
de trabalho. Porém, convenhamos, as universidades públicas
brasileiras estão falidas para a implementação
de uma política de adequação curricular prática,
construindo e ou aparelhando laboratórios. O que pode ser feito,
e isto já começa a ser concretizado pelo DEGEO/UFC, é
a aprovação de mais disciplinas relativas ao campo das
águas subterrâneas, complementando o número de horas/aula
e possibilitando o aumento do conhecimento sobre Hidrogeologia, possibilitando
ao futuro profissional um nível maior de discernimento. O mercado
de trabalho está extremamente subdividido. A análise tem
que ser realizada enfocando sub-área e profissional a ser selecionado.
A cada dia, o "clínico geral" está paulatinamente
desaparecendo, embora, a meu ver, isto seja ruim pois precisamos da
visão global dos "sintomas" para poder dar um direcionamento
específico. Existem muitos bons profissionais atuantes no mercado,
particularmente em setores específicos", finalizou Itabaraci.
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