Água subterrânea e os novos paradigmas
Fala-se muito em mudanças hoje, principalmente em mudanças
organizacionais que precisam acontecer nos órgãos e nas
empresas para que eles se mantenham ágeis e competitivos. Na
realidade, fala-se muito de mudanças, mas ainda se faz muito
pouco a respeito. No contexto da gestão dos recursos hídricos,
o grande desafio para a sociedade brasileira, incluindo seu meio técnico,
é modificar o atual pensamento, historicamente estabelecido,
de que a expansão da oferta de água mediante a construção
de obras extraordinárias, é a única solução
para os problemas de sua escassez periódica ou futura. Entretanto,
sobretudo nos países relativamente mais desenvolvidos, o uso
cada vez mais eficiente e integrado da gota d'água disponível
- de chuva, rio, subterrânea e de reuso, principalmente - tem
sido a alternativa mais barata e viável.
Por exemplo, o Programa de Uso Eficiente da Água do Canadá
- quarto colocado na lista dos mais ricos de água doce do mundo,
onde o Brasil ostenta o primeiro lugar com uma descarga de água
nos seus rios de quase 50% superior - reduziu as taxas de demanda de
água de em média 40% e protelou os investimentos para
construção de novas obras de captação por
mais de 20 anos. Este programa compreendeu, dentre outros itens: a inclusão
do tópico no ensino do 1o e 2o Graus, uma farta produção
e distribuição de cartilhas, cartazes e outros instrumentos
de informação à sociedade em geral, uma ajuda de
quarenta dólares canadenses por peça para substituição
de até três bacias sanitárias por residência
durante o programa. Vale destacar que, tal como no Brasil, as bacias
sanitárias antigas consomem entre 18-20 litros por descarga,
enquanto os modelos mais modernos, já disponíveis no mercado
nacional, necessitam apenas de 6 litros de água.
No Brasil, enquanto os órgãos responsáveis pela
gestão dos nossos recursos hídricos - federais e estaduais
- continuam discutindo os aspectos dominiais referidos na Constituição
de 1988, verifica-se uma verdadeira corrida para captação
da água subterrânea para abastecimento humano, industrial
e irrigação, principalmente, pelo fato de ser a alternativa
mais barata e representar uma solução de regularidade
de fornecimento, frente aos freqüentes períodos de racionamento.
O alcance econômico e social da captação da água
subterrânea que ocorre nas áreas urbanas do Brasil, já
coloca o poço na relação dos atrativos comerciais
dos empreendimentos imobiliários mais importantes, tais como
a sauna, a quadra poli-esportiva, a piscina, dentre outros itens. Regra
geral, a água subterrânea que ocorre numa determinada bacia
hidrográfica, quando captada por meio de poços construídos,
operados e abandonados atendendo as especificações técnicas
disponíveis - de ordem geológica, hidráulica e
sanitária - pode ser extraída na própria área
de uso e apresentar boa qualidade natural para consumo humano. Desta
forma, o manancial subterrâneo - captado por meio de fontes, poços
escavados ou poços tubulares - é o utilizado no mundo
em geral e no Brasil pelas empresas que comercializam água engarrafada.
Entretanto, a parcela da chuva que infiltra nos terrenos da bacia hidrográfica
em questão vai alimentar as reservas d'água subterrânea,
cujos fluxos tendo velocidades da ordem de cm/dia podem desaguar nos
rios durante os períodos de estiagem ou sem chuvas. Assim, pelo
princípio de conservação das massas as descargas
de base dos rios são boas avaliações das taxas
de recarga dos aqüíferos da bacia hidrográfica em
questão. Portanto, urge que a propalada gestão integrada
dos nossos recursos hídricos - fornecimento regular da água
pelo menor preço e, sobretudo, com uso e conservação
cada vez mais eficientes - passe do discurso à prática,
pois a extração desordenada da água subterrânea
para venda engarrafada, abastecimento público, industrial e irrigação,
principalmente, poderá engendrar uma redução substancial
das descargas de base dos rios que drenam a bacia hidrográfica
em questão. Desta forma, a água subterrânea poderá
perder a sua função de regularização dos
mananciais disponíveis, sobretudo durante os períodos
de escassez de água para abastecimento das cidades, produção
de alimentos, diluição dos esgotos lançados nos
rios sem tratamento prévio, regularização da oferta
de água para produção de energia hidrelétrica,
termelétrica ou pela exuberante biomassa.
Olho: Urge que a propalada gestão integrada dos nossos recursos
hídricos passe do discurso à prática
Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências, Pesquisador Inst.
Estudos Avançados-Universidade de São Paulo, Consultor
Secretaria Nacional de Recursos Hídricos, Superintendência
de Recursos Hídricos da Bahia
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