Boletim Informativo da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas Setembro/2001 - Nº 118
   

Os números sobre os problemas sociais do mundo e do Brasil são impressionantes. Cerca de 5 milhões de crianças, com menos de 5 anos de idade, morrem vitimadas por doenças de veiculação hídrica, como a diarréia e as verminoses (traduzindo: águas de péssima qualidade e sem saneamento básico decente). É quase meia São Paulo todo o ano! No Brasil, os números não são menos alarmantes: 50 mil bebês com menos de um ano de idade morrem pelos mesmos motivos, agravado pela fome e falta de hábitos de higiene e informação. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 70% dessas mortes poderiam ser evitadas com bons níveis de saneamento e educação.
Neste dia 19 de setembro, o Brasil apresenta às Nações Unidas o relatório da situação da infância no País durante a década de 90.
Em 1990, o Brasil e mais 70 outros países se comprometeram em alcançar 27 metas diferentes para a melhora da vida das crianças.
Dessas metas, o País cumpriu plenamente apenas seis. Chegamos perto, é bem verdade, em outras metas, mas a nossa dívida social continua gigantesca. O Brasil é um dos países mais injustos do mundo, onde 15% a 31% (dependendo do critério adotado) da população vive na miséria e onde apenas 1,7% vivem com mais de US$ 850,00.
Mas vejamos alguns números do relatório brasileiro. Em 1990, nossa taxa de mortalidade infantil era de 48,4 mortes até um ano de idade para cada 100.000 crianças nascidas vivas. Hoje estamos em 33,6/100.000. A meta era de 32,3/100.000. A desnutrição atingia em 90 a 7,2% das crianças, hoje 5,7%. A meta deveria ser 3,6%. O acesso à água potável era de apenas 74,9% em 1990 e hoje de 79,8%. A nossa meta era ter água potável para todos nos dias de hoje. E para o esgoto, a meta era ter esse serviço estendido a toda a população, estamos ainda em 60% e crescemos apenas 4% em 10 anos.
O Brasil, nos últimos anos, se desenvolveu muito, sobretudo nas áreas de saúde e educação, mas no setor saneamento estamos ainda sentindo os baixos investimentos nesse período. Os índices de saneamento foram, junto com o da mortalidade de grávidas, aquele onde o país menos avançou. No caso das gestantes há ainda um problema de medição, que poderia ter causado o aumento nos números.
O próprio ministro José Sarney Filho reconhece que seriam necessários investir US$ 43 bilhões para termos atendido todo o setor saneamento, mas hoje são aplicados algo como US$ 900 milhões, abaixo dos US$ 2,7 bilhões/ano que seriam precisos para alavancar progressivamente o setor. Nesse ritmo levaremos uns bons 48 anos para chegar lá.
Analisando os recentes dados econômicos do Governo Federal, vemos que o setor saneamento, considerado estratégico, teve a sua execução orçamentária muito abaixo do total anual alocado. No programa de Saneamento Básico, 0,3% e no programa Saneamento e Vida, zero%. Mesmo o programa Proágua, já comentado em outras edições deste jornal, recebeu nesse primeiro semestre apenas 6,7% do previsto para o ano de 2001.
Infelizmente essa não é uma característica exclusiva do Brasil, é de muitos países pobres. A própria América Latina tem enfrentado sérios problemas econômicos nessa última década, que redundaram em fracos índices macro-econômicos, e que acabaram, por falta de prioridade política, em baixas aplicações em água e esgoto. O continente tem uma alta relação dívida externa/PIB (31,4%); uma baixa relação exportação/importação (0,9); e um alto índice do serviço da dívida externa/exportação (16,8%) (dados de 1999). Estes números mostram ainda a nossa grande vulnerabilidade aos problemas econômicos mundiais e a pequena disponibilidade de dinheiro para a aplicação social. Ou seja o cobertor é muito curto, infelizmente.
Mas, como sabemos, o problema financeiro é agravado ainda pela pequena criatividade do setor saneamento em buscar soluções para a questão da água. Os recursos hídricos subterrâneos ainda são considerados por muitos engenheiros hidrólogos como uma alternativa limitada e preterida, muitas vezes pelo preconceito ou pela falta de informação existente.
As águas subterrâneas são, via de regra, um recurso mais barato que as águas superficiais. Sua disponibilidade, quando bem estudada, permite o abastecimento de médias e pequenas cidades, com grandes vantagens, não somente de custos, mas também em termos de perenidade.
O problema da não/restrita utilização dos aqüíferos para o abastecimento público é complexa e obviamente não se limita ao desconhecimento do técnico, mas também da informação bem colocada. O dado disponibilizado/publicado poderia dar mais chances às águas subterrâneas, em vários projetos, inclusive no fornecimento de água potável e na irrigação.
É sintomático, por exemplo, que cursos de agronomia não discuta, em nenhuma disciplina, o recurso hídrico subterrâneo. O mesmo ocorre com os engenheiros civis. Eles saem das escolas com o mesmo conhecimento que um leigo tem sobre as águas subterrâneas, quase nada.
Divulgar a importância dos recursos hídricos, inclusive como uma alternativa econômica para a sociedade, deveria ser uma das atividades constantes da nossa ABAS e de todos os militantes do setor. Os resultados não serão apenas econômicos para todo o mercado de águas subterrâneas, mas terão também um grande alcance social.

Olho: Cerca de 5 milhões de crianças, com menos de 5 anos de idade, morrem vitimadas por doenças de veiculação hídrica, como a diarréia e as verminoses (traduzindo: águas de péssima qualidade e sem saneamento básico decente)

Ricardo Hirata é professor do Instituto de Geociências da USP, pesquisador do CEPAS- IGc-USP. Hirata escreve mensalmente nesta coluna.
e-mail: rhirata@usp.br


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