Os números sobre os problemas sociais do mundo
e do Brasil são impressionantes. Cerca de 5 milhões de
crianças, com menos de 5 anos de idade, morrem vitimadas por
doenças de veiculação hídrica, como a diarréia
e as verminoses (traduzindo: águas de péssima qualidade
e sem saneamento básico decente). É quase meia São
Paulo todo o ano! No Brasil, os números não são
menos alarmantes: 50 mil bebês com menos de um ano de idade morrem
pelos mesmos motivos, agravado pela fome e falta de hábitos de
higiene e informação. Segundo a Organização
Mundial da Saúde, 70% dessas mortes poderiam ser evitadas com
bons níveis de saneamento e educação.
Neste dia 19 de setembro, o Brasil apresenta às Nações
Unidas o relatório da situação da infância
no País durante a década de 90.
Em 1990, o Brasil e mais 70 outros países se comprometeram em
alcançar 27 metas diferentes para a melhora da vida das crianças.
Dessas metas, o País cumpriu plenamente apenas seis. Chegamos
perto, é bem verdade, em outras metas, mas a nossa dívida
social continua gigantesca. O Brasil é um dos países mais
injustos do mundo, onde 15% a 31% (dependendo do critério adotado)
da população vive na miséria e onde apenas 1,7%
vivem com mais de US$ 850,00.
Mas vejamos alguns números do relatório brasileiro. Em
1990, nossa taxa de mortalidade infantil era de 48,4 mortes até
um ano de idade para cada 100.000 crianças nascidas vivas. Hoje
estamos em 33,6/100.000. A meta era de 32,3/100.000. A desnutrição
atingia em 90 a 7,2% das crianças, hoje 5,7%. A meta deveria
ser 3,6%. O acesso à água potável era de apenas
74,9% em 1990 e hoje de 79,8%. A nossa meta era ter água potável
para todos nos dias de hoje. E para o esgoto, a meta era ter esse serviço
estendido a toda a população, estamos ainda em 60% e crescemos
apenas 4% em 10 anos.
O Brasil, nos últimos anos, se desenvolveu muito, sobretudo nas
áreas de saúde e educação, mas no setor
saneamento estamos ainda sentindo os baixos investimentos nesse período.
Os índices de saneamento foram, junto com o da mortalidade de
grávidas, aquele onde o país menos avançou. No
caso das gestantes há ainda um problema de medição,
que poderia ter causado o aumento nos números.
O próprio ministro José Sarney Filho reconhece que seriam
necessários investir US$ 43 bilhões para termos atendido
todo o setor saneamento, mas hoje são aplicados algo como US$
900 milhões, abaixo dos US$ 2,7 bilhões/ano que seriam
precisos para alavancar progressivamente o setor. Nesse ritmo levaremos
uns bons 48 anos para chegar lá.
Analisando os recentes dados econômicos do Governo Federal, vemos
que o setor saneamento, considerado estratégico, teve a sua execução
orçamentária muito abaixo do total anual alocado. No programa
de Saneamento Básico, 0,3% e no programa Saneamento e Vida, zero%.
Mesmo o programa Proágua, já comentado em outras edições
deste jornal, recebeu nesse primeiro semestre apenas 6,7% do previsto
para o ano de 2001.
Infelizmente essa não é uma característica exclusiva
do Brasil, é de muitos países pobres. A própria
América Latina tem enfrentado sérios problemas econômicos
nessa última década, que redundaram em fracos índices
macro-econômicos, e que acabaram, por falta de prioridade política,
em baixas aplicações em água e esgoto. O continente
tem uma alta relação dívida externa/PIB (31,4%);
uma baixa relação exportação/importação
(0,9); e um alto índice do serviço da dívida externa/exportação
(16,8%) (dados de 1999). Estes números mostram ainda a nossa
grande vulnerabilidade aos problemas econômicos mundiais e a pequena
disponibilidade de dinheiro para a aplicação social. Ou
seja o cobertor é muito curto, infelizmente.
Mas, como sabemos, o problema financeiro é agravado ainda pela
pequena criatividade do setor saneamento em buscar soluções
para a questão da água. Os recursos hídricos subterrâneos
ainda são considerados por muitos engenheiros hidrólogos
como uma alternativa limitada e preterida, muitas vezes pelo preconceito
ou pela falta de informação existente.
As águas subterrâneas são, via de regra, um recurso
mais barato que as águas superficiais. Sua disponibilidade, quando
bem estudada, permite o abastecimento de médias e pequenas cidades,
com grandes vantagens, não somente de custos, mas também
em termos de perenidade.
O problema da não/restrita utilização dos aqüíferos
para o abastecimento público é complexa e obviamente não
se limita ao desconhecimento do técnico, mas também da
informação bem colocada. O dado disponibilizado/publicado
poderia dar mais chances às águas subterrâneas,
em vários projetos, inclusive no fornecimento de água
potável e na irrigação.
É sintomático, por exemplo, que cursos de agronomia não
discuta, em nenhuma disciplina, o recurso hídrico subterrâneo.
O mesmo ocorre com os engenheiros civis. Eles saem das escolas com o
mesmo conhecimento que um leigo tem sobre as águas subterrâneas,
quase nada.
Divulgar a importância dos recursos hídricos, inclusive
como uma alternativa econômica para a sociedade, deveria ser uma
das atividades constantes da nossa ABAS e de todos os militantes do
setor. Os resultados não serão apenas econômicos
para todo o mercado de águas subterrâneas, mas terão
também um grande alcance social.
Olho: Cerca de 5 milhões de crianças, com
menos de 5 anos de idade, morrem vitimadas por doenças de veiculação
hídrica, como a diarréia e as verminoses (traduzindo:
águas de péssima qualidade e sem saneamento básico
decente)
Ricardo Hirata é professor do Instituto de Geociências
da USP, pesquisador do CEPAS- IGc-USP. Hirata escreve mensalmente nesta
coluna.
e-mail: rhirata@usp.br
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