Você
é inteligente?
Vire e mexe aparece uma nova definição
para a palavra inteligência. Acho que o pessoal de recursos humanos
das grandes empresas necessita dessas coisas para se convencer que fizeram
a escolha certa no último processo seletivo ou mesmo se descobrem
uma boa fórmula infalível para escolher um bom funcionário.
Mas assim como a definição de dinheiro
está para os economistas teóricos, a palavra inteligência
está para os psicólogos: uma coisa complicada e quando
aparece uma nova definição, nós, os leigos, ficamos
na mesma.
Em um artigo recente, os autores definiam como inteligência
a "capacidade das pessoas de resolverem problemas". Outra
idéia que ouvi diz que inteligência é a "capacidade
de síntese das pessoas". As mais inteligentes seriam aquelas
que conseguiriam, a partir de um amontoado de dados, extrair um significado
com mais rapidez ou maior profundidade. Neste caso, essa síntese
não necessariamente teria algo com a vida prática do dia
a dia. Uma terceira definição diz que ela é o conjunto
de características físicas e intelectuais de uma pessoa,
quaisquer que sejam. Nessa linha, uma modelo como a Claudia Schiffer
seria inteligente por seus atributos físicos, o seu corpo, assim
como Airton Senna por sua capacidade de dirigir carros, Pelé
por seu futebol e o físico teórico Albert Einstein por
sua destreza em transformar idéias em números. Controverso?
Definitivamente não existe consenso sobre esse
termo. Mas voltemos para o primeiro significado apresentado, o de que
inteligência seria a capacidade de resolver problemas. Do ponto
de vista corporativo, do dia a dia profissional, essa é uma das
melhores formas para distinguir o bom e o mau empregado.
Mas e na escola, estamos buscando selecionar os mais
inteligentes ou seja aqueles que profissionalmente têm a capacidade
de resolver problemas?
Não creio que o processo de avaliação
na universidade, através das clássicas provas ou relatórios
de trabalhos, tem permitido distinguir realmente os melhores alunos.
Que estejamos realmente encontrando os mais inteligentes, e sobretudo,
os mais criativos, aqueles que vão fazer a diferença na
ciência, como pós-graduandos, ou como profissionais que
encontrarão as melhores respostas para a empresa.
Recebi uma piada de uma aluna pela internet, onde
um professor se vê apurado devido a grande imaginação
do aluno durante uma prova. Ela é mais ou menos assim:
Há algum tempo recebi um convite de um colega
para servir de árbitro na revisão de uma prova. Tratava-se
de avaliar uma questão de Física, que recebera nota zero.
O aluno contestava tal conceito, alegando que merecia
nota máxima pela resposta, a não ser que houvesse uma
"conspiração do sistema" contra ele. Professor
e aluno concordaram em submeter o problema a um juiz imparcial, e eu
fui o escolhido.
Chegando à sala de meu colega, li a questão
da prova, que dizia: "Mostre como pode-se determinar a altura de
um edifício bem alto com o auxilio de um barômetro".
A resposta do estudante foi a seguinte: "Leve
o barômetro ao alto do edifício e amarre uma corda nele;
baixe o barômetro até a calçada e em seguida levante,
medindo o comprimento da corda; este comprimento será igual à
altura do edifício".
Sem dúvida era uma resposta interessante, e de alguma
forma correta, pois satisfazia o enunciado. Por instantes vacilei quanto
ao veredicto. Recompondo-me rapidamente, disse ao estudante que ele
tinha forte razão para ter nota máxima, já que
havia respondido a questão completa e corretamente. Entretanto,
se ele tirasse nota máxima, estaria caracterizada uma aprovação
em um curso de física, mas a resposta não confirmava isso.
Sugeri então que fizesse uma outra tentativa para responder a
questão. Não me surpreendi quando meu colega concordou,
mas sim quando o estudante resolveu encarar aquilo que eu imaginei lhe
seria um bom desafio.
Segundo o acordo, ele teria seis minutos para responder
à questão, isto após ter sido prevenido de que
sua resposta deveria mostrar, necessariamente, algum conhecimento de
Física. Passados cinco minutos ele não havia escrito nada,
apenas olhava pensativamente para o forro da sala. Perguntei-lhe então
se desejava desistir, pois eu tinha um compromisso logo em seguida,
e não tinha tempo a perder. Mais surpreso ainda fiquei quando
o estudante anunciou que não havia desistido. Na realidade tinha
muitas respostas, e estava justamente escolhendo a melhor.
Desculpei-me pela interrupção e solicitei
que continuasse.
No momento seguinte ele escreveu esta resposta: "Vá
ao alto do edifício, incline-se numa ponta do telhado e solte
o barômetro, medindo o tempo t de queda desde a largada até
o toque com o solo. Depois, empregando a fórmula h = (1/2)gt^2
, calcule a altura do edifício".
Perguntei então ao meu colega se ele estava
satisfeito com a nova resposta, e se concordava com a minha disposição
em conferir praticamente a nota máxima à prova. Concordou,
embora sentisse nele uma expressão de descontentamento, talvez
inconformismo.
Ao sair da sala lembrei-me que o estudante havia dito
ter outras respostas para o problema. Embora já sem tempo, não
resisti à curiosidade e perguntei-lhe quais eram essas respostas.
"Ah!, sim," - disse ele - "há
muitas maneiras de se achar a altura de um edifício com a ajuda
de um barômetro". Perante a minha curiosidade e a já
perplexidade de meu colega, o estudante desfilou as seguintes explicações:
"Por exemplo, num belo dia de sol pode-se medir a altura do barômetro
e o comprimento de sua sombra projetada no solo, bem como a do edifício".
Depois, usando-se uma simples regra de três, determina-se à
altura do edifício. "Um outro método básico
de medida, aliás bastante simples e direto, é subir as
escadas do edifício fazendo marcas na parede, espaçadas
da altura do barômetro. Contando o número de marcas ter-se-à
a altura do edifício em unidades barométricas". Um
método mais complexo seria amarrar o barômetro na ponta
de uma corda e balançá-lo como um pêndulo, o que
permite a determinação da aceleração da
gravidade (g). Repetindo a operação ao nível da
rua e no topo do edifício, tem-se dois g's, e a altura do edifício
pode, a princípio, ser calculada com base nessa diferença.
"Finalmente", - concluiu: - "se não
for cobrada uma solução Física para o problema,
existem outras respostas. Por exemplo, pode-se ir até o edifício
e bater à porta do síndico. Quando ele aparecer, diz-se:
"Caro Sr. síndico, trago aqui um ótimo barômetro;
se o Sr. me disser a altura deste edifício, eu lhe darei o barômetro
de presente.".
A esta altura, perguntei ao estudante se ele não
sabia qual era a resposta 'esperada' para o problema. Ele admitiu que
sabia, mas estava tão farto com as tentativas dos professores
de controlar o seu raciocínio e cobrar respostas prontas com
base em informações mecanicamente arroladas, que ele resolveu
contestar aquilo que considerava, principalmente, uma farsa.
"Não basta ensinar ao homem uma especialidade,
porque se tornará assim uma máquina utilizável
e não uma personalidade. É necessário que adquira
um sentimento, um senso prático daquilo que vale a pena ser empreendido,
daquilo que é belo, do que é moralmente correto"
- Albert Einstein.
Ricardo Hirata é professor do Instituto de Geociências
da USP, pesquisador do CEPAS- IGc-USP. Hirata escreve mensalmente nesta
coluna.
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