O preço da Água "Gratuita"

   Desde os primórdios do Brasil Colonial (1500-1822) a água de consumo - doméstico, industrial e para irrigação, principalmente - tem sido extraída livremente de rios que nunca secam, lagoas e açudes ou de poços perfurados pelos próprios usuários. Esta situação deu suporte, certamente, à ideia ainda dominante no mundo, em geral, e no Brasil, em particular, de que a água é um recurso abundante, gratuito e inesgotável.

   No presente, o preço da água "gratuita" corresponde ao consumo de energia elétrica de bombeamento, pelo menos. Desta forma, não obstante o Brasil ostentar as maiores descargas de água doce do mundo nos seus rios, corre-se o risco de sermos "o sujão" se faltar energia elétrica para bombeá-la do manancial de superfície - rio perene, isto é, que nunca seca, lagoa, açude - ou do poço escavado e perfurado até a torneira do usuário, seja doméstico, industrial ou agrícola, principalmente.

   Todavia, o racionamento atual de energia elétrica, assim como a cobrança implacável do seu consumo, tem servido para mostrar que a água captada livremente de um rio, lagoa, açude ou de um poço é um recurso limitado e tem um preço. A Agência Nacional de Água - ANA- assinala que, no Vale do rio Jaguaribe, Ceará, o racionamento de energia elétrica em curso e a cobrança do seu consumo pela empresa de fornecimento, agora privada, levou à substituição de 12.000 hectares de arroz irrigado (demanda de 21.000 m3/ha/ano e eficiência econômica de 0,02 US$/m3) pelo cultivo de frutíferas (demandas entre 5.000 e 7.000 m3/ha/ano e eficiência econômica de 3-6 US$/m3), segundo as avaliações do Banco do Nordeste, 1999.

   Além disso, essa substituição de cultura e de métodos de irrigação engendrou uma redução do consumo de água da ordem de 5 m3/s, suficientes para abastecer uma cidade do porte de Fortaleza com uma taxa de 200L/hab/dia. Esta taxa de consumo de água é preconizada pela Organização Mundial de Saúde, 2000, como suficiente para usufruto do conforto urbano moderno. Desta forma, fica mostrado que irrigar arroz no vale do rio Jaguaribe, Ceará, é uma burrice econômica, além de ambiental.

    Portanto, sendo o bolso a parte mais sensível do corpo humano, cresce a expectativa de que a "cobrança pelo uso da água" possa se transformar num forte indutor da sua captação e uso cada vez mais eficientes. A alternativa de uso integrado e cada vez mais eficiente da gota d'água disponível - captação de chuva, rios, poços, açudes, águas de reuso, principalmente - é uma experiência de sucesso comprovada nos países relativamente mais desenvolvidos, como a solução mais viável aos problemas de abastecimento de demandas crescentes, atuais e futuras.

   Todavia, isto representa um grande desafio para a sociedade brasileira, incluindo seu meio técnico, pois o atual pensamento, historicamente estabelecido é que a construção de obras extraordinárias constitui a única solução para os problemas de escassez local ou ocasional de água nas nossas cidades ou no Nordeste semi-árido.

Olho: Saber usar a gota d'água disponível de forma cada vez mais eficiente é mais importante do que ostentar sua abundância

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências, Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo, Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos, Superintendência de Recursos Hídricos da Bahia

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