Empresas ampliam a utilização da água subterrânea

Alternativa em possíveis crises de abastecimento, a exploração a exploração economicamente atraente diante da cobrança pelo uso dos recursos hídricos

   Rio - A escassez de água, que ficou mais evidente com o racionamento de energia elétrica e o aumento do custo de fornecimento, está abrindo os olhos do mercado para a exploração da água subterrânea no Brasil - recurso até então deixado em segundo plano, apesar de abundante. Assim, indústrias e concessionárias de água e esgoto estão se aliando à comunidade acadêmica e a empresas de perfuração de poços, na busca da riqueza hídrica localizada embaixo da terra. A águas de Niterói, concessionária que fornece 1,7 mil litros de água por segundo a 410 mil pessoas no estado do Rio, solicitou à Rede de Geotecnologia em águas Subterrâneas (Resub) um amplo estudo sobre o potencial hidrogeológico de sua área de concessão. Em três meses, a companhia espera iniciar a perfuração de um poço profundo que garantirá entre 10% e 15% de seu abastecimento. Segundo o diretor executivo da empresa, Claudio Abduche, a intenção é reduzir a dependência da empresa com relação à Companhia Estadual de água e Esgoto do Rio de Janeiro (Cedae). Por não ter manancial próprio, a concessionária compra água do reservatório de Laranjal (próximo a Niterói) a R$ 0,30 por m³. "Se explorarmos a fonte subterrânea, como fazemos em outras áreas de concessão, o custo cairá a R$ 0,09", afirma.

    Até o fim do ano, diz Abduche, a empresa poderá incorporar mais 35 mil clientes, aumentando o fornecimento para 1,8 mil litros por segundo. Entre os grandes consumidores, a fabricante de cerveja Bavaria, do grupo canadense Molson, destaca-se por ter chegado à auto-suficiência em água em suas cinco unidades no País. Explorando a riqueza hídrica subterrânea, conta o presidente da Bavaria, Ricardo Mayer, a empresa consegue suprir seu consumo anual de 2 milhões de m³ de água. A Piraquê, fabricante de massas, biscoitos e margarina, também perfurou três poços profundos em sua fábrica em Madureira, Zona Norte do Rio, para diminuir sua dependência do fornecimento de água da Cedae. Nos últimos anos, a empresa destinou US$ 300 mil à área de gestão de Recursos Hídricos, que inclui a criação de uma estação de tratamento de despejos industriais. Outra indústria interessada em economizar com o uso da água subterrânea é a farmacêutica Schering-Plough. Com quatro poços artesianos próprios, a meta é consumir menos 3,5 mil m³ de água da Cedae por mês, segundo o diretor industrial da companhia, Hugo Pinto. Além de ser uma alternativa em possíveis crises de abastecimento, a exploração de águas subterrâneas também aparece como uma opção economicamente atraente diante da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, a ser iniciada em 2002. Embora também esteja prevista por lei a cobrança e outorga pela utilização da água subterrânea, empresários e especialistas consideram que os valores ficarão abaixo dos cobrados pelo insumo fornecido por empresas estaduais ou concessionárias de água e esgoto.

    "A água subterrânea é uma alternativa viável a curto prazo em caso de falhas no abastecimento", ressalta Marco Aurélio Pfeifer, diretor comercial da Hidrogesp, empresa que já perfurou cerca de seis mil poços no País. Também estimula a perfuração de poços o aumento do custo da água fornecida pelas distribuidoras, que foi de cerca de 38% desde 1998, segundo estudos da Fundação Getúlio Vargas. "Os investimentos para perfuração de poços de água são relativamente baixos, entre R$ 10 mil e R$ 60 mil", diz Amílcar Pereira da Silva, diretor comercial da Solus, empresa de geologia e perfuração de poços. O crescimento do interesse pelos Recursos Hídricos subterrâneos, no entanto, preocupa a Agência Nacional de águas (ANA), órgão criado pelo governo federal para regular as atividade do setor. "A super exploração das águas subterrâneas causa problemas graves, como o esgotamento dos recursos e a contaminação dos lençóis freáticos", alerta o superintendente de cobrança e conservação da água da ANA, Antônio Félix Domigues. Segundo dados preliminares da agência, existem no Brasil cerca de um milhão de poços profundos (com profundidade superior a 20 mil metros), dos quais 700 mil são clandestinos.

    A exploração desordenada das águas subterrâneas ocorre em grandes proporções, por exemplo, na Bacia do Rio São Francisco, que corta as regiões Sudeste e Nordeste do Brasil. Como 70% da água que alimenta o Rio São Francisco é de origem subterrânea, a exploração descontrolada desses recursos coloca em risco a sobrevivência de um dos maiores rios brasileiros. Somente na cidade mineira de Paracatu, próxima à nascente do 'Velho Chico', foram perfurados 500 poços nos últimos 20 meses, segundo a ANA. "Estamos articulando com o Instituto Mineiro de Gestão das águas (Igam) uma forma de cobrar pelo uso da água tirada dos lençóis do Rio Paracatu", diz Domingues. De acordo com o Departamento Estadual de Recursos Minerais (DRM-RJ), apenas 10% dos 2 mil poços profundos do Rio de Janeiro são registrados e fiscalizados. Além do desperdício de água, a falta de regulamentação da atividade faz com que proliferem casos de contaminação dos aqüíferos (reservatórios naturais de água subterrânea).

    Para tentar mudar esse cenário, o governo fluminense realizou um amplo estudo sobre o potencial de exploração dos Recursos Hídricos subterrâneos do estado, por meio de um convênio com o governo alemão. De posse de informações geológicas preciosas para empresas que desejam perfurar a terra para encontrar água, o DRM espera conseguir fiscalizar as atividades de exploração. "A intenção é identificar as empresas quando forem ao DRM solicitar informações, antes de perfurar", diz Kátia Leite, diretora de geologia da DRM. Um dos principais objetivos do convênio com o governo alemão, chamado projeto Planágua, é evitar a contaminação dos lençóis freáticos. Wilfried Teuber, coordenador do projeto e representante do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha no Brasil, diz que, "uma vez contaminados, os Recursos Hídricos subterrâneos levam centenas de anos para se recuperarem". Segundo Teuber, 80% da água consumida hoje na Alemanha é de origem subterrânea. "Por ser de melhor qualidade e quase não precisar de tratamento, ela também é economicamente mais vantajosa".

Olho: A água subterrânea é uma alternativa viável a curto prazo em caso de falhas no abastecimento

Fonte: Gazeta Mercantil

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