Boletim Informativo da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas Julho/2001 - Nº 116
   


Acadêmicos levantam deficiências na formação do hidrogeólogo no Brasil

Educadores das regiões Sul, Sudeste e Nordeste afirmam que os recém-formados em hidrogeologia tem a base do conhecimento para ingressar na vida profissional, mas não possuem a prática necessária para o mercado de trabalho

Antigamente disciplina de Hidrogeologia sequer era obrigatória nas universidades e faculdades do Brasil. Era apenas uma opção que o aluno poderia fazer. Atualmente a profissão encontra-se em ascensão, principalmente pela política de gerenciamento das águas subterrâneas que obriga as perfuradoras terem o hidrogeólogo em seu quadro de funcionários. No curso tradicional de geologia, a matéria hidrogeologia é obrigatória, porém, também existem escolas com cursos optativos que abordam a disciplina, o que é muito pouco para a formação profissional de um hidrogeólogo.
Os cursos de geologia ainda têm um enfoque muito forte nas chamadas áreas básicas como petrografia, mineralogia, geologia econômica e por aí vai. O curso estuda de forma geral os impactos ambientais, prospecção de petróleo, mapeamentos, a hidrogeologia... A hidrogeologia nos cursos atuais, acaba sendo uma especialização do curso de geologia. A formação de geólogo com conhecimentos sobre águas subterrâneas está, ainda hoje, intrinsicamente associada ao desenvolvimento no campo profissional ou nos cursos específicos.
Acadêmicos afirmam que existem muitos problemas na formação desse profissional. A principal é a falta do entendimento do ambiente físico ou químico onde ocorrem os fenômenos, aplicando-se instrumentos de levantamento e análise linearmente sem um bom embasamento crítico. Os recém-formados, até têm a base do conhecimento para ingressar na vida profissional, mas falta a prática. E a prática se adquire trabalhando. Muitos buscam essa formação específica nas especializações, mestrado ou doutorado.
Diante desses dados, o ABAS INFORMA pesquisou várias faculdades e universidades avaliando a formação do hidrogeólogo no Brasil. As regiões Sul, Sudeste e Nordeste estão representadas nessa reportagem através da UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFPR - Universidade Federal do Paraná, USP - Universidade de São Paulo e UFC - Universidade Federal do Ceará. De acordo com os entrevistados, a formação do hidrogeólogo apresenta falhas no curso de graduação, onde há carência de disciplinas específicas colaborando com a melhor formação do profissional. A problemática não é atribuída somente aos aspectos teóricos, mas principalmente no trato com atividades práticas, tais como perfuração de poços e ensaios de bombeamento. O ABAS INFORMA foi incisivo nos questionamentos "Como anda a formação do hidrogeológo no país?". Quem responde essa pergunta são grandes profissionais e acadêmicos que se destacaram no cenário nacional pela formação do hidrogeólogo e pesquisa com as águas subterrâneas.

"A hidrogeologia está em franca expansão"
O geólogo com especialização em hidrologia aplicada e professor titular do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Ufrgs, Mario Dame Wrege, atribui que as principais deficiências na formação do hidrogeólogo é quanto a falta de entendimento do ambiente físico ou químico onde se dão os fenômenos. Quanto à atuação das instituições na formação desse profissional, Mario diz que as universidades tem um processo de ajuste muito lento, em função de uma pesada burocracia, enquanto que hoje, as mudanças são muito rápidas.
"É impossível formar um hidrogeólogo em apenas um semestre, ainda mais que os cursos estão normalmente nas Escolas de Geologia ou de Engenharia de Minas. De um lado está a baixa capacitação matemática e de outro a baixa capacitação ambiental. Assim, o enfoque da Hidrogeologia depende do que o docente considera importante, no momento e no ambiente/região que leciona. Quanto ao setor de pós-graducação, creio que o importante é integrar as águas subterrâneas dentro dos recursos hídricos e do ambiente natural. Podendo ter enfoque de engenharia, de geologia, de geomorfologia ou de geotecnica. Mas dentro de uma visão holística. A água é cada vez mais importante, principalmente a potável e a hidrogeologia tende a ser uma importante parte na estratégia de sobrevivência. Assim, é preciso conhecer os recursos hídricos subterrâneos e recuperar os estragos feitos pelos antecedentes", explicou Mario.
Para o geólogo Marcos Imério Leão, que também é professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Ufrgs desde 1975, a formação do hidrogeólogo está melhorando a cada ano. Dez anos atrás, o profissional era formado mais na prática do que na universidade. Hoje, ele acredita que os cursos de geologia já estão dedicando uma maior importância à formação do geólogo para a área da hidrogeologia. Quanto às teses, ele afirma que os trabalhos estão bastante diversificados. Há dissertações e teses relacionadas a hidrogeologia de rochas fraturadas, assuntos relacionados ao aqüífero Guarani, contaminação de aqüíferos, aqüíferos costeiros e outros.
"O setor da pós-graduação sofreu um incremento muito grande. Hoje há bons cursos de pós-graduação no Brasil, tanto a nível de mestrado como de doutorado. A procura por cursos que enfoquem as águas subterrâneas tem aumentado muito. Digo sempre aos alunos da geologia, que hoje, há duas áreas que devem ser olhadas com boas perspectivas de emprego - a hidrogeologia e a geologia ambiental. Hoje não se faz mais obras em que não seja chamado o geólogo para emitir algum parecer. Em construção de hidrelétricas, a preocupação com a influência que as águas superficiais dos lagos gerados pelos barramentos possam exercer sobre as águas subterrâneas, fez com que os EIA-RIMAs incluam obrigatoriamente este assunto. Programas de monitoramento das águas subterrâneas são obrigatórios dentro de PBA (Plano Básico Ambiental) de Usinas Hidrelétricas. A hidrogeologia está em franca expansão. Pode-se dizer que, atualmente, ela é o carro-chefe da geologia. Há uma grande quantidade de profissionais se especializando nessa área, não só no Brasil, mas também, no exterior. O mercado está aberto e os hidrogeólogos não são muitos", analisou Leão.

A resistência da idéia do "geólogo polivalente"
Na região Sudeste a formação do hidrogélogo não é diferente. O pesquisador Ricardo Hirata, professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) também alega que no Brasil, o hidrogeólogo ainda é formado no mercado de trabalho. Para ele, os cursos de geologia, de onde saem a maioria dos profissionais, não formam especificamente o hidrogeólogo e que ainda existe a idéia do "geólogo polivalente", que atuaria em todos os ramos da geologia, e, portanto, sem ainda uma especialização, como ocorre com as engenharias.
"Creio que é necessário rever esse conceito do profissional que se quer formar, e enfocá-lo para as áreas que a sociedade mais está demandando. Isso inclui o meio ambiente e a hidrogeologia. Quanto ao setor de pós-graducação vejo como um dos mais concorridos, na USP por exemplo, há quatro programas desse nível. O que abarca a hidrogeologia é o mais concorrido e onde há mais alunos. Não temos mais alunos por que não temos mais vagas disponíveis, pois faltam professores. Muitos profissionais têm procurado o programa de pós para uma especialização, pois não há regularmente cursos para uma atualização. Creio que é tempo da universidade abrir para um curso de especialização, ampliando o seu leque, que se restringe na pós-graduação sensu stricto, mestrado e doutorado. Um programa com características mais práticas e para o dia a dia do profissional em hidrogeologia. Quanto ao papel das universidades na formação do profissional, as vagas para professores são restritas nas universidades públicas. Não estão sendo abertas novas vagas. Parece uma contradição, mas é verdade. Muitas escolas ainda resistem em reconhecer que as geociências estão mudando e que novos profissionais precisam ser formados, e, portanto, novos professores em outras áreas precisam ser contratados. Falando um pouco do estado de São Paulo, realidade que conheço melhor, há todas as possibilidades para desenvolver uma pesquisa séria e útil pelo profissional. Com a participação efetiva da Fapesp, órgão de fomento à pesquisa do Estado, estamos passando por um período bastante feliz, pelo menos no financiamento de trabalhos de pesquisa. Infelizmente isso não ocorre em todos os estados do país", constata Hirata.

Aulas práticas no campo
O presidente nacional da ABAS e professor da UFPR, Universidade Federal do Paraná, Ernani Francisco da Rosa Filho diz que a instituição tem programas que se diferenciam na formação do hidrogeólogo, em relação às demais faculdades.
"Na UFPR, atualmente, no curso de graduação existem duas disciplinas diretamente ligadas com as águas subterrâneas; hidrogeologia I e Hidrogeologia aplicada. A associação de aulas teóricas com trabalhos práticos e aulas de campo (testes de bombeamento, etc) dão condições do aluno começar suas atividades profissionais no mercado. A deficiência na formação do hidrogeólogo, talvez esteja na dificuldade que a universidade possui de oferecer estágios a todos os alunos em empresas de perfuração. Poucos conseguem ter a oportunidade de fazer o estágio obrigatório nas perfuradoras. A maioria dos pós-graduandos, mestrandos e doutorandos já vem com uma certa experiência profissional, o que torna as discussões em aula mais produtivas. O nível das dissertações e teses de pós-graduação contribuem para as empresas que atuam no setor. A produção em termos de quantidade de teses que é ainda muito baixa no Brasil, em comparação com USA e Europa. Na UFPR existe a tradição de procurar órgãos públicos, antes do início da tese para sentir a necessidade do trabalho. Estas empresas contribuem na elaboração da teses com análises e até bolsas de estudo. O que espero da hidrogeologia para os próximos anos? Que o mercado aumente e a qualidade dos profissionais também", profetiza Ernani.

"As universidades públicas brasileiras estão falidas"
Na região Nordeste a necessidade é mais cursos de pós-graduação em hidrogeologia. São poucos os mestrados e menos ainda os cursos de doutorado. O diagnóstico é feito por Itabaraci Nazareno Cavalcante, professor de Hidrogeologia (Graduação), Gestão de Aqüíferos e Poluição das Águas Subterrâneas (Mestrado em Geologia/Área de Hidrogeologia), da Universidade Federal do Ceará. De acordo com ele, o IG/USP ainda possui o doutorado mais recomendado na área de hidrogeologia, embora vários de seus titulares tenham saído. Alguns mestrados perduram, a exemplo da UFPE (berço da hidrogeologia no Brasil) e outros começam a despontar liberando suas dissertações, a exemplo do DEGEO/UFC. A Região Norte já conta com Mestrado/Doutorado no IG/UFPA, estimulando a preparação a nível de pós-graduação. Para ele, no Departamento de Geologia/UFC, a hidrogeologia constitui a principal área de mestrado, possuindo em torno de 15 professores doutores atuantes com várias linhas de pesquisa (hidrogeologia do Cristalino, Hidroquímica/Poluição das Águas, Gestão Integrada de Recursos Hídricos, Modelagem Matemática em Hidrogeologia, Geofísica Aplicada a Hidrogeologia, etc), tendo liberado várias dissertações e possuindo mais de 20 mestrandos.

"A formação de geólogo com conhecimentos sobre águas subterrâneas está, ainda hoje, intrinsicamente associada ao desenvolvimento no campo profissional ou nos cursos específicos


"Na graduação pode existir a disciplina hidrogeologia, a exemplo do que se tem no Departamento de Geologia/UFC e na UFPA, mas o conteúdo ainda é limitado em função no número de horas/aula e um programa extensivo. Carecemos, em todos os níveis, da prática de campo para termos, gradativamente, o entendimento maior entre a teoria e o que se desenvolve na prática. Como em toda área que se desenvolve em cima da prática de campo, a deficiência inicial é justamente a ausência maior de aulas práticas, ponderando-se a obtenção de dados, interpretação real e a geração de informações confiáveis. Como exemplo pode-se citar um trabalho em que se deseje analisar os aspectos hidrogeoquímicos em profundidade. Caso o profissional não entenda de perfis construtivos de poços (particularmente da localização dos filtros), poderá, conseqüentemente, fazer unicamente uma análise hidroquímica sem ater-se aos sistemas aqüíferos explotados, pois não saberá de que nível provém a água analisada. Precisamos, ainda, de mais cursos técnicos na área. O número ainda é muito limitado, com divulgação restrita e participação pequena. As empresas devem buscar a reciclagem técnica, possibilitando o conhecimento maior ao profissional. A evolução do conhecimento nesta área está muito ágil e, inúmeras vezes, o técnico não participa como deveria, ou mesmo gostaria. Atualmente, trabalhar com as águas subterrâneas não é mais um trabalho para quem não quer saber da Geologia, e sim, para profissionais (Geólogos ou não) com alto grau de conhecimento e responsabilidade social, onde seu trabalho é avaliado concomitantemente ao desenvolvimento e o retorno social é imediato. Existe o reconhecimento do crescente espaço que a área de hidrogeologia vem atingindo no mercado de trabalho. Porém, convenhamos, as universidades públicas brasileiras estão falidas para a implementação de uma política de adequação curricular prática, construindo e ou aparelhando laboratórios. O que pode ser feito, e isto já começa a ser concretizado pelo DEGEO/UFC, é a aprovação de mais disciplinas relativas ao campo das águas subterrâneas, complementando o número de horas/aula e possibilitando o aumento do conhecimento sobre Hidrogeologia, possibilitando ao futuro profissional um nível maior de discernimento. O mercado de trabalho está extremamente subdividido. A análise tem que ser realizada enfocando sub-área e profissional a ser selecionado. A cada dia, o "clínico geral" está paulatinamente desaparecendo, embora, a meu ver, isto seja ruim pois precisamos da visão global dos "sintomas" para poder dar um direcionamento específico. Existem muitos bons profissionais atuantes no mercado, particularmente em setores específicos", finalizou Itabaraci.


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