A
SOMBRA DO ETANOL
Etanol
tem sido historicamente o combustível dos geólogos durante
os momentos de lazer. Com a utilização do etanol como
combustível de automóveis, o combustível passou
também a ser objeto de pesquisa e de trabalho para os geólogos
(uma heresia, dirão alguns). Vazamento de combustíveis
é a forma mais disseminada de contaminação de solos
e água subterrânea que existe. Isso pela grande distribuição
espacial de postos de gasolina e pela grande produção
e utilização destes combustíveis. Com isso, toda
uma área da hidrogeologia de contaminação está
dedicada aos hidrocarbonetos de petróleo.
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Os
contaminantes mais importantes presentes na gasolina, do ponto de
vista de potencial dano à saúde, são os hidrocarbonetos
aromáticos benzeno, tolueno, etilbenzeno e os isômeros
do xileno. Estes compostos, coletivamente denominados de BTEX, tem
o comportamento em água subterrânea bem estudado. Sabe-se
que eles sofrem atenuação natural e que, em média
a sua fase dissolvida não se estende por distâncias
maiores do que 150 a 200 m a partir da fonte.
Esta informação, resumo de muitos anos de pesquisa
e acompanhamento de várias plumas de contaminação
de fase dissolvida no mundo todo, levou a uma diminuição
nas pesquisas relativas a contaminação por BTEX, uma
vez que estes sabidamente se degradam. |
Entretanto,
o uso de MTBE (éter metil terc-butílico) como composto
oxigenado nos EUA para diminuição da emissão de
monóxido de carbono na combustão de motores a explosão,
gerou um problema ambiental novo. Este éter não se degrada
e também é potencialmente nocivo à saúde.
Como as plumas de BTEX passaram a ser somente monitoradas com o objetivo
de se atenuarem naturalmente, vários poços de abastecimento
apresentaram concentrações de MTBE, que não era
monitorado e não se degrada.
A constatação desse problema gerou a decisão de
se substituir esse oxigenado por outro: o etanol.
Os efeitos do etanol no meio ambiente são menos estudados, uma
vez que ele não era utilizado regularmente nos EUA ou outro país
com maior investimento em pesquisa. Ele é, claro, muito utilizado
aqui no Brasil, onde toda a pluma de contaminação por
gasolina tem necessariamente sua influência. Mas seus efeitos
ainda são pouco estudados, embora haja grupos de pesquisa envolvidos
com o assunto com resultados muito bons (na USP e na UFSC, por exemplo).
O etanol é um co-solvente, isto é, é miscível
tanto na água subterrânea quanto na gasolina. Além
disso, ele particiona-se preferencialmente para a água. Ao ocorrer
um derrame ou vazamento que atinja a água subterrânea,
o etanol irá, portanto, em maior proporção para
a água subterrânea, levando consigo uma maior concentração
de BTEX do que a que se dissolveria se fosse gasolina pura. Com isso,
gera-se uma pluma de contaminação com maiores concentrações
de BTEX misturados a etanol.
O etanol também se degrada. E para que isso ocorra, ele vai consumir
aceptores de elétrons que poderiam estar disponíveis para
que o BTEX fosse consumido. Como é do conhecimento dos geólogos,
etanol não é necessariamente um contaminante, muitos já
beberam etanol (ainda que disfarçado nas mais variadas formas).
Poucos, entretanto, beberam etanol na forma de água subterrânea
contaminada. E tampouco o farão, espero.
O consumo de aceptores de elétrons preferencialmente pelo etanol
geraria uma 'sombra' por onde a pluma de BTEX passaria sem ser degradada,
ou sendo degradada em proporção muito menos significativa.
Este efeito sombra, ainda por ser confirmado por pesquisas mais aprofundadas,
seria responsável para que a pluma de fase dissolvida de BTEX
atingisse distâncias maiores do que aquelas típicas de
gasolina pura.
Como mencionado, as pesquisas ainda estão ocorrendo, e uma resposta
mais clara com respeito a esse efeito dependerá dos seus resultados.
Dr.
Everton de Oliveira
é professor-colaborador do
Instituto de Geociências da
Universidade de São Paulo e
sócio-diretor da HIDROPLAN
- Hidrogeologia e Planejamento
Ambiental S/C Ltda.
(everton@hidroplan.com.br _
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