Boletim Informativo da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas Julho/2001 - Nº 116
   

A SOMBRA DO ETANOL

Etanol tem sido historicamente o combustível dos geólogos durante os momentos de lazer. Com a utilização do etanol como combustível de automóveis, o combustível passou também a ser objeto de pesquisa e de trabalho para os geólogos (uma heresia, dirão alguns). Vazamento de combustíveis é a forma mais disseminada de contaminação de solos e água subterrânea que existe. Isso pela grande distribuição espacial de postos de gasolina e pela grande produção e utilização destes combustíveis. Com isso, toda uma área da hidrogeologia de contaminação está dedicada aos hidrocarbonetos de petróleo.

Os contaminantes mais importantes presentes na gasolina, do ponto de vista de potencial dano à saúde, são os hidrocarbonetos aromáticos benzeno, tolueno, etilbenzeno e os isômeros do xileno. Estes compostos, coletivamente denominados de BTEX, tem o comportamento em água subterrânea bem estudado. Sabe-se que eles sofrem atenuação natural e que, em média a sua fase dissolvida não se estende por distâncias maiores do que 150 a 200 m a partir da fonte.
Esta informação, resumo de muitos anos de pesquisa e acompanhamento de várias plumas de contaminação de fase dissolvida no mundo todo, levou a uma diminuição nas pesquisas relativas a contaminação por BTEX, uma vez que estes sabidamente se degradam.

Entretanto, o uso de MTBE (éter metil terc-butílico) como composto oxigenado nos EUA para diminuição da emissão de monóxido de carbono na combustão de motores a explosão, gerou um problema ambiental novo. Este éter não se degrada e também é potencialmente nocivo à saúde. Como as plumas de BTEX passaram a ser somente monitoradas com o objetivo de se atenuarem naturalmente, vários poços de abastecimento apresentaram concentrações de MTBE, que não era monitorado e não se degrada.

A constatação desse problema gerou a decisão de se substituir esse oxigenado por outro: o etanol.
Os efeitos do etanol no meio ambiente são menos estudados, uma vez que ele não era utilizado regularmente nos EUA ou outro país com maior investimento em pesquisa. Ele é, claro, muito utilizado aqui no Brasil, onde toda a pluma de contaminação por gasolina tem necessariamente sua influência. Mas seus efeitos ainda são pouco estudados, embora haja grupos de pesquisa envolvidos com o assunto com resultados muito bons (na USP e na UFSC, por exemplo). O etanol é um co-solvente, isto é, é miscível tanto na água subterrânea quanto na gasolina. Além disso, ele particiona-se preferencialmente para a água. Ao ocorrer um derrame ou vazamento que atinja a água subterrânea, o etanol irá, portanto, em maior proporção para a água subterrânea, levando consigo uma maior concentração de BTEX do que a que se dissolveria se fosse gasolina pura. Com isso, gera-se uma pluma de contaminação com maiores concentrações de BTEX misturados a etanol.
O etanol também se degrada. E para que isso ocorra, ele vai consumir aceptores de elétrons que poderiam estar disponíveis para que o BTEX fosse consumido. Como é do conhecimento dos geólogos, etanol não é necessariamente um contaminante, muitos já beberam etanol (ainda que disfarçado nas mais variadas formas). Poucos, entretanto, beberam etanol na forma de água subterrânea contaminada. E tampouco o farão, espero.
O consumo de aceptores de elétrons preferencialmente pelo etanol geraria uma 'sombra' por onde a pluma de BTEX passaria sem ser degradada, ou sendo degradada em proporção muito menos significativa. Este efeito sombra, ainda por ser confirmado por pesquisas mais aprofundadas, seria responsável para que a pluma de fase dissolvida de BTEX atingisse distâncias maiores do que aquelas típicas de gasolina pura.
Como mencionado, as pesquisas ainda estão ocorrendo, e uma resposta mais clara com respeito a esse efeito dependerá dos seus resultados.

Dr. Everton de Oliveira
é professor-colaborador do
Instituto de Geociências da
Universidade de São Paulo e
sócio-diretor da HIDROPLAN
- Hidrogeologia e Planejamento
Ambiental S/C Ltda.
(everton@hidroplan.com.br _


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