Boletim Informativo da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas Agosto/2001 - Nº 117
   

Água subterrânea e os novos paradigmas

Fala-se muito em mudanças hoje, principalmente em mudanças organizacionais que precisam acontecer nos órgãos e nas empresas para que eles se mantenham ágeis e competitivos. Na realidade, fala-se muito de mudanças, mas ainda se faz muito pouco a respeito. No contexto da gestão dos recursos hídricos, o grande desafio para a sociedade brasileira, incluindo seu meio técnico, é modificar o atual pensamento, historicamente estabelecido, de que a expansão da oferta de água mediante a construção de obras extraordinárias, é a única solução para os problemas de sua escassez periódica ou futura. Entretanto, sobretudo nos países relativamente mais desenvolvidos, o uso cada vez mais eficiente e integrado da gota d'água disponível - de chuva, rio, subterrânea e de reuso, principalmente - tem sido a alternativa mais barata e viável.
Por exemplo, o Programa de Uso Eficiente da Água do Canadá - quarto colocado na lista dos mais ricos de água doce do mundo, onde o Brasil ostenta o primeiro lugar com uma descarga de água nos seus rios de quase 50% superior - reduziu as taxas de demanda de água de em média 40% e protelou os investimentos para construção de novas obras de captação por mais de 20 anos. Este programa compreendeu, dentre outros itens: a inclusão do tópico no ensino do 1o e 2o Graus, uma farta produção e distribuição de cartilhas, cartazes e outros instrumentos de informação à sociedade em geral, uma ajuda de quarenta dólares canadenses por peça para substituição de até três bacias sanitárias por residência durante o programa. Vale destacar que, tal como no Brasil, as bacias sanitárias antigas consomem entre 18-20 litros por descarga, enquanto os modelos mais modernos, já disponíveis no mercado nacional, necessitam apenas de 6 litros de água.
No Brasil, enquanto os órgãos responsáveis pela gestão dos nossos recursos hídricos - federais e estaduais - continuam discutindo os aspectos dominiais referidos na Constituição de 1988, verifica-se uma verdadeira corrida para captação da água subterrânea para abastecimento humano, industrial e irrigação, principalmente, pelo fato de ser a alternativa mais barata e representar uma solução de regularidade de fornecimento, frente aos freqüentes períodos de racionamento. O alcance econômico e social da captação da água subterrânea que ocorre nas áreas urbanas do Brasil, já coloca o poço na relação dos atrativos comerciais dos empreendimentos imobiliários mais importantes, tais como a sauna, a quadra poli-esportiva, a piscina, dentre outros itens. Regra geral, a água subterrânea que ocorre numa determinada bacia hidrográfica, quando captada por meio de poços construídos, operados e abandonados atendendo as especificações técnicas disponíveis - de ordem geológica, hidráulica e sanitária - pode ser extraída na própria área de uso e apresentar boa qualidade natural para consumo humano. Desta forma, o manancial subterrâneo - captado por meio de fontes, poços escavados ou poços tubulares - é o utilizado no mundo em geral e no Brasil pelas empresas que comercializam água engarrafada.
Entretanto, a parcela da chuva que infiltra nos terrenos da bacia hidrográfica em questão vai alimentar as reservas d'água subterrânea, cujos fluxos tendo velocidades da ordem de cm/dia podem desaguar nos rios durante os períodos de estiagem ou sem chuvas. Assim, pelo princípio de conservação das massas as descargas de base dos rios são boas avaliações das taxas de recarga dos aqüíferos da bacia hidrográfica em questão. Portanto, urge que a propalada gestão integrada dos nossos recursos hídricos - fornecimento regular da água pelo menor preço e, sobretudo, com uso e conservação cada vez mais eficientes - passe do discurso à prática, pois a extração desordenada da água subterrânea para venda engarrafada, abastecimento público, industrial e irrigação, principalmente, poderá engendrar uma redução substancial das descargas de base dos rios que drenam a bacia hidrográfica em questão. Desta forma, a água subterrânea poderá perder a sua função de regularização dos mananciais disponíveis, sobretudo durante os períodos de escassez de água para abastecimento das cidades, produção de alimentos, diluição dos esgotos lançados nos rios sem tratamento prévio, regularização da oferta de água para produção de energia hidrelétrica, termelétrica ou pela exuberante biomassa.

Olho: Urge que a propalada gestão integrada dos nossos recursos hídricos passe do discurso à prática

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências, Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo, Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos, Superintendência de Recursos Hídricos da Bahia


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