Boletim Informativo da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas Agosto/2001 - Nº 117
   

O misticismo, a água e a mineração

Na antiguidade clássica, Platão concebia que a água dos rios e surgências eram provenientes de uma rede de condutos interconectados, que terminava em uma grande caverna subterrânea, "Tártaro". Aristóteles, por sua vez, acreditava que a água subterrânea era proveniente da condensação por esfriamento do ar e dessa forma os rios mais caudalosos nasciam nas montanhas mais altas. Devido à importância destes filósofos, o ciclo hidrológico somente foi conhecido durante o renascimento no século XVII.

Lamentavelmente ainda existe um conceito mágico ou místico sobre as águas subterrâneas, no qual os lençóis e rios subterrâneos habitam o imaginário do homem comum. Outro dia, ouvi na CBN, um governador afirmando que "a vazão do Rio São Francisco está baixa porque este ano não choveu na Serra da Canastra", como se o resto da bacia não existisse. O pior ainda é quando a autoridade maior fica surpresa pela existência do fenômeno cíclico da seca.

Estas coisas acontecem por nossa culpa, quando deixamos pessoas que ostentam títulos de Doutor omitirem na mídia os preceitos básicos da hidrogeologia, deseducando a população, sabe-se lá porque. Manuel Ramón Llamas no clássico Hidrología Subterránea (Ediciones Omega, 1976, pág. 252) comenta a frase de Roger Bacon (1214-1292) "Sine experientia nihil sufficienter sciri potest" (sem experimentos nada pode ser conhecido de modo suficiente) da seguinte forma: "... merecia todavía hoy ser repetida con frecuencia a todos los que se dedican a la investigación hidrogeológica.".
Por essas e outras, torna-se pertinente comentar o ocorrido em Lagoa Santa, quando foi fechada uma mina de calcário com base em um infundado parecer da promotoria pública, de que a mina secaria a lagoa principal da cidade. Como o infundado, quiçá místico parecer, que tampouco é público, não tinha consistência em menos de uma semana a mina foi reaberta.

"... o geólogo e consultor da Prefeitura de Lagoa Santa João Alberto Pratini de Moraes explicou que ao aprofundar a mineração, o lençol freático se atingido poderá prejudicar os recursos hídricos, inclusive a Lagoa Central, porque não há dados suficientes..." O Serviço Geológico do Brasil, a CPRM, tem na região o Projeto Vida, um belíssimo trabalho de hidrogeologia cárstica e não menos importante é o trabalho da empresa Hidrovia que assiste a mina em hidrogeologia. Talvez faltem dados sobre El Tártaro.

No Simpósio da International Mine Water Association, este ano em Belo Horizonte, esteve presente o Dr. Onnofrio Sammarco que trabalha na Itália adaptando minas exauridas para produção e armazenamento de água potável.
Visitei diversas minas na Europa nas quais as águas do desaguamento são aproveitadas pela sociedade. Tenho predileção pela Mina de Ferro de Alquife, próxima a Granada na Espanha, região com 300 mm/ano de precipitação. A mina fechou porque não consegue concorrer com o minério do Brasil e Austrália, mas, os poços de rebaixamento continuam operando, abastecendo uma cidade, três vilas e diversos irrigantes. Porque não podemos fazer igual? Porque não se propõe o aproveitamento da água? Será que somos um país rico e sem miséria? Ou porque as nossas elites continuam cruéis como sempre, igual ao tempo das senzalas.

Olho: Porque não se propõe o aproveitamento da água? Será que somos um país rico e sem miséria? Ou porque as nossas elites continuam cruéis como sempre, igual ao tempo das senzalas
Antônio Carlos Bertachini
é Geólogo, Sócio da MDGEO Serviços de Hidrogeologia Ltda., empresa especializada na prestação de serviços para a área de mineração
e-mail: mdgeo@gold.com.br



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