Proteção jurídica das águas subterrâneas

    A poluição das águas, há poucas décadas, não preocupava a sociedade brasileira. Foi na década de setenta que surgiram os primeiros problemas. A poluição de rios suscitava sentimentos de revolta e aceitação, esta por força da crença na necessidade de gerar empregos. Na incipiente legislação então existente, procuravam os Promotores de Justiça cercear a atividade poluidora através de ações criminais, fundadas no art. 271 do Código Penal (corrupção ou poluição de água potável). Na década de oitenta o quadro passou a mudar. Primeiro com a Lei da Ação Civil Pública (7.347/85), depois com a Constituição de 1988. Nos anos noventa foi decisiva a Lei dos Recursos Hídricos, (9.433/97).O arremate final foi dado pela Lei dos Crimes Ambientais (9.605/98).

    Águas subterrâneas - Se a despreocupação com as águas superficiais era a rotina, o descaso com as águas subterrâneas era absoluto. Elas representam 97% do volume de água doce do planeta, excluídas as geleiras e as calotas polares. Segundo CERQUEIRA, pesquisas realizadas no âmbito das Nações Unidas e da Organização Mundial de Saúde revelam que aproximadamente 100 milhões de hectares de terra são irrigados com água subterrânea e, nos últimos 25 anos, foram perfurados cerca de 12 milhões de poços.

    O interesse e a exploração das águas subterrâneas é recente. Ele vai do uso para consumo próprio à exploração de águas minerais, passando pelos investimentos na perfuração de poços artesianos até a anunciada cobrança dos recursos hídricos.Todavia, elas vêm sendo poluídas cada vez com maior intensidade. São os depósitos irregulares de lixo, vazamento em oleodutos, insumos agrícolas, fossas sépticas, dejetos da suinocultura, negligência no encaminhamento de óleo dos postos de gasolina e outras formas.

    Na verdade, não se trata de um problema para o futuro, mas sim algo que já vem ocorrendo. As águas do aqüífero Itararé, na região de Campinas, estão baixando, ou seja, o nível estático que era de 20 metros ultrapassa, agora, 100 metros. Segundo notícia do jornal ABAS Informa, a situação estaria sob controle, não fosse a exploração descontrolada dos lençóis freáticos que estão ocasionando o rebaixamento do nível piezométrico da água na região.2 Dá-se o mesmo no aqüífero Caiuá, localizado na região nordeste do Paraná, conforme estudo de Ernani Francisco da Rosa Filho.3 Ora, se a tendência é a população servir-se das águas subterrâneas e não das superficiais, fácil é ver que delas é preciso cuidar com cuidado.

Tratamento jurídico das águas subterrâneas

    As águas subterrâneas se incluem entre os bens dos Estados (Constituição de 1988, art. 26, inc. I). A Lei 9.433/97, que institui a política nacional dos recursos hídricos, está voltada para as águas superficiais e não faz referência expressa às águas subterrâneas. Da mesma forma a Lei 9.984/00, que dispôs sobre a criação da Agência Nacional de Águas - ANA. Na verdade as lei estaduais é que tratam da matéria. Em São Paulo vigora a Lei 7.663/91 e no Ceará a Lei 11.996/92.

    A questão se torna complexa quando as águas subterrâneas se situam em mais de um Estado. Veja-se o caso do aqüífero Guarani que se estende por 840.000 km2, abrangendo 7 estados brasileiros (MS, MG, GO, SP, PR, SC e RS) e alcança a Argentina, Paraguai e Uruguai. Imagine-se que um dos estados proceda de modo inadequado e venha a causar danos às reservas de água subterrânea de outro, ou até mesmo a um dos países fronteiriços. É evidente que para tais casos é necessária uma política nacional e outra internacional.

    A poluição de águas subterrâneas sujeitará o infrator a três tipos de sanções: administrativa, civil e penal. No âmbito administrativo tudo dependerá da existência de lei, no caso estadual, prevendo a infração e cominando a sanção correspondente. A apuração dos fatos será feita pelo órgão ambiental estadual. Na esfera civil o infrator poderá ser condenado pelo Judiciário a pagar uma indenização e a reparar o dano causado. A responsabilidade é objetiva, ou seja, poluiu tem que pagar, sem possibilidade de discutir-se a culpa. Finalmente, no âmbito penal o poluidor poderá responder pelo crime do art. 54 da Lei 9.605/98, cuja pena é de 1 a 4 anos de prisão.Se for primário poderá obter o benefício da suspensão do processo (Lei 9.099/95, art. 89), desde que se comprometa e venha a reparar o dano causado.

    Conclusão - Há um grande desconhecimento sobre a importância das águas subterrâneas e a necessidade de sua proteção. À medida que a sociedade se conscientiza da sua relevância econômica e para a preservação da espécie, aumentarão os estudos e os conflitos envolvendo este precioso bem. Cabe-nos estar preparados para esses novos tempos, com os olhos voltados para a sobrevivência dos nossos descendentes.

    Olho: A poluição de águas subterrâneas sujeitará o infrator a três tipos de sanções: adminis-trativa, civil e penal

1 Cerqueira, Luciana. Aqüíferos subterrâneos: tesouro inexplorado? In: Rev. Saneamento Ambiental, v. 68, p. 15
2 Jornal ABAS Informa, nov./ 2000, p. 12
3 Jornal ABAS Informa, ag.2001, p. 4.

Vladimir Passos de Freitas
Juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, doutor em Direito (UFPR), co-autor e coordenador do livro "Águas - aspectos jurídicos e ambientais"

 
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