O cotidiano universitário visto de um outro

    Há mais de dois meses, uma estudante sueca chamada Marika Palmér tem desenvolvido os trabalhos de campo de seu mestrado no Instituto de Geociências (IGc) da USP. Pedi a ela que relatasse como via o dia-a-dia dos estudantes e da própria universidade. De uma forma muito descontraída, ela relata diferenças e igualdades. Aqui vai o seu relato:

    Claro que vocês brasileiros não sabem, mas o Brasil é um país muito exótico. Quando eu falava dos meus planos de vir estudar aqui, as pessoas tinham uma expressão de inveja nos seus rostos. Eu iria para o país do samba e do Amazonas, do carnaval e das praias e elas ficariam na neve e na escuridão do inverno sueco.

    Eu cheguei a São Paulo para fazer parte dos trabalhos do meu mestrado em engenharia ambiental com modelação em águas subterrâneas. Por essas voltas estranhas da vida, eu havia entrado em contato com Ricardo Hirata, do IGc da USP. Estou há dois meses em São Paulo e vou ficar pelo menos mais um mês e meio.

    Um dos motivos que me levou a viajar foi, naturalmente, o de ter um pouco de exotismo na minha vida acadêmica. Mas que tanto exotismo se pode esperar da vida universitária?

    Certamente, uma estadia de poucos meses não dá tempo para realmente conhecer com profundidade o IGc e menos ainda a própria USP, mas eu penso que também é interessante fazer algumas reflexões sobre as primeiras impressões sobre essa escola para uma estrangeira. Por isso, sem pretender fazer uma análise profunda, vou falar um pouco sobre minha experiência sobre o IGc. Mas para que vocês entendam essas reflexões, primeiro vou contar um pouco do lugar de onde venho.

    Minha universidade está situada na cidade de Luleå, que está a 1000km ao norte da capital sueca Estocolmo, na costa com o mar Báltico. O círculo polar está uns 250km ao norte. A cidade tem 60.000 habitantes, dos quais um sexto são estudantes universitários que vem de todo o país. A universidade está enfocada em tecnologia com 15 áreas diferentes de engenharia, mas também há carreiras em educação, economia, psicologia, letras e outras ciências sociais. As atividades universitárias são centralizadas no campus localizado a 5km do centro da cidade, onde também vivem a maioria dos estudantes em apartamentos e "dorms" especiais. A vida estudantil circula ao redor de uma grande diversidade de atividades organizadas pelos próprios estudantes: esportes, teatro, coral, cinema, grupos ambientalistas, concertos, entre outros. Para diversão, o restaurante/bar/discoteca do campus é o ponto de encontro para todos. O ano universitário está dividido em quatro períodos e geralmente cada estudante se inscreve em três ou quatro cursos por período. Cada período termina com 10 dias de exames, durante os quais qualquer atividade universitária é suspensa. É muito fácil saber quando se aproximam os exames, porque a biblioteca está sempre cheia de gente, dia e noite, e quanto mais próximo estão os exames, mais estudantes acabam dormindo sobre os livros nas várias mesas que existem nas salas de estudo.

    A universidade de Luleå, como a grande maioria das universidades suecas, é estatal. O reitor e o "bord" são eleitos pelo próprio governo. A pesquisa é financiada principalmente pelo estado e empresas privadas. A União Européia também aporta com recursos. Na Suécia, ao final de uma faculdade, com cinco anos de curso e uma dissertação de seis meses, o aluno recebe o grau de mestre. Os doutorandos recebem salário da universidade durante cinco anos e têm que dedicar 20% do seu tempo para atividades didáticas para a graduação. Também há muitos pesquisadores convidados de outros países que, junto com a grande quantidade de estudantes de intercâmbio que visitam Luleå todos os anos, dá certo toque internacional ao campus.

    A USP, assim como a cidade de São Paulo, não são lugares acolhedores. Considerando meu ponto de partida (uma universidade pequena), não há como não estranhar minha primeira impressão sobre a USP, que é de uma grande confusão. A princípio sentia que seria impossível não confundir o IGc com todos os demais prédios universitários. São todos iguais! O ambiente físico da cidade universitária inclusive me pareceu inóspito, sobretudo pela grande distância e a dificuldade de orientação. Mas as pessoas sempre me fazem sentir a vontade e bem-vinda. Desde o início, as pessoas que cruzaram meu caminho têm me ajudado muito e por isso, com o tempo, perdi aquela sensação de confusão dos primeiros dias.

    É difícil comparar as duas universidades, porque as condições são muito diferentes. Mas é claro, há aspectos da vida universitária que mudam bastante entre Suécia e Brasil.

    Minha universidade na Suécia tem mais recursos materiais, mais computadores, salas e laboratórios maiores, com equipamentos modernos. Mas o IGc tem algo que compensa, a solidariedade dos alunos e dos professores que sempre se ajudam a compartilhar o material e equipamentos que têm.

    É interessante notar que as universidades suecas são muito mais internacionais que o IGc e do pouco que conheci da USP. Na Suécia, os alunos de graduação têm aulas em sueco e em inglês e geralmente têm várias disciplinas junto com os estudantes de intercâmbio que vem de vários países europeus, EUA, Cingapura, Canadá, Austrália e México. É muito comum fazer trabalhos de mestrado no estrangeiro, como no meu caso, e o governo dá bolsas especiais para os estudantes que vão estudar nos países em desenvolvimento. As teses de doutoramento são sempre escritas em inglês e geralmente há professores de vários países na banca. Aqui no IGc, sinto que as pessoas estão menos acostumadas em conviver com estrangeiros. Às vezes me sinto como uma extraterrestre, como se eles tivessem visto algo estranho ou fora do comum. Mas é natural que um país tão grande como o Brasil seja mais introvertido nesse aspecto. O Brasil é tão diverso que não existe a mesma necessidade e vontade de internacionalizar-se. Eu não vejo como algo negativo, para mim é mais fácil entrar na vida brasileira se sou a única estrangeira.

    Os estudantes são iguais em todo o mundo. Em todos os lugares dormem nas aulas, deixam de prestar atenção durante as excursões de campo e estudam desesperadamente na véspera das provas. Uma diferença entre os dois países é que enquanto no Brasil se toma cerveja após a aula, lá se toma café, pois a venda de bebida alcoólica é proibida no campus durante todo o dia. Mas nos dois casos os alunos também mostram muita dedicação em aprender.

    Embora o Brasil certamente é um país muito exótico para os europeus, a vida universitária não é tão diferente como me pareceu a primeira vista. As diferenças são menores em relação ao que temos em comum, o desejo de desenvolvimento e progresso acadêmico e profissional.

    Marika Palmer é estudante de mestrado em Engenharia Ambiental na Universidade de Luleå, na Suécia. Está desenvolvendo parte de seus trabalhos no Instituto de Geociências da USP. E-mail: palmar-6@student.luth.se

Ricardo Hirata
é professor do Instituto de Geociências da USP, pesquisador do CEPAS- IGc-USP.
Hirata escreve mensalmente nesta coluna.
e-mail: rhirata@usp.br

 
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