A estratégia da escassez

    Com os votos de Feliz Natal e Próspero Ano de 2002, quero agradecer as críticas, sugestões e elogios recebidos durante o Ano de 2001. Em segundo lugar, tudo indica que a falta de água limpa de beber não será, certamente, a marca deste Século XXI. Porém, sem dúvida é certo que, mesmo no Brasil - país que ostenta as maiores descargas de água doce do mundo nos seus rios - se torna necessário modificar a prática, historicamente estabelecida de transformar o fornecimento pouco eficiente e os grandes desperdícios em "Estratégia da Escassez" e de que a construção de obras extraordinárias para expansão da oferta d'água é a única solução aos problemas locais e ocasionais de abastecimento.

    A ONU/UNESCO/PHI - Programa Hidrológico Internacional avalia a quantidade total de água da Terra em 1.386 milhões km3. Deste total, apenas 2,5% ou cerca de 34,65 milhões km3 são de água doce, isto é, aquela cujos teores de Sólidos Totais Dissolvidos (STD) são inferiores a 1.000 mg/L. Assinala que a água doce da Terra, num instante dado, está assim distribuída: 68,9% ou cerca de 24 milhões km3 formam as calotas polares e geleiras, 29,9% ou 10,4 milhões km3 são de água subterrânea e 0,3% ou 150 mil km3 formam os estoques nas calhas dos rios e lagos. Verifica, ainda, que o ciclo hidrológico renova as águas da Terra de forma espetacular, sendo de 43.000 km3/ano a vazão média de longo período dos rios do mundo. Por sua vez, estima que a demanda total de água doce da humanidade no ano 2000 - consumo doméstico, industrial e agrícola - atingiria cerca de 5.000 km3/ano, ou seja, da ordem de 12% da descarga média dos rios do mundo.

    Portanto, os cenários catastróficos do relatório anual 2001 da ONU, segundo os quais "o mundo já utiliza 54% das reservas de água doce da Terra e que, em 2050, cerca de 4,2 bilhões de pessoas estarão vivendo com menos de 50 litros de água por dia", não têm qualquer fundamento hidrológico. Além disso, não se considera o grande número de exemplos de sucesso do uso integrado atual e cada vez mais eficiente da gota d'água disponível - pluvial, rios, subterrâneas e de reuso, principalmente - como as alternativas mais viáveis para atender demandas crescentes futuras e solucionar problemas de escassez periódica. Não considera, tão pouco, que se tem no subsolo cerca de 4,2 milhões de km3 de água subterrânea, comparativamente, melhor protegida dos agentes de contaminação que degradam os rios e ligada ao mecanismo de renovação das águas da Terra.

    Por sua vez, não se leva em conta à utilização da água subterrânea como, regra geral, a alternativa mais barata para abastecimento humano, principalmente, e acessível aos meios técnicos disponíveis, até mesmo nos países subdesenvolvidos. Neste quadro, destacam-se os progressos alcançados pelas tecnologias de construção, operação e manutenção de poços, a performance das bombas e a expansão da oferta de energia elétrica em níveis nunca imaginados em, praticamente, todos os países do mundo.

    Portanto, o relatório de 2001 da ONU continua manipulando a "Estratégia da Escassez" ao atribuir ao crescimento da população nos países subdesenvolvidos, principalmente, o ônus da escassez, local e ocasional, d'água limpa de beber. Por sua vez, não considera os problemas resultantes do crescimento excessivo das demandas nos países desenvolvidos e, sobretudo, da degradação da sua qualidade. Entretanto, regra geral, nos países ricos meio copo d'água significa meio cheio, uma oportunidade para ganhar mais dinheiro, enquanto nos países pobres significa que o copo está meio vazio, uma oportunidade à "Política de Bastidores" manipular a "Estratégia da Escassez".

    Olho: Não se considera o grande número de exemplos de sucesso do uso integrado atual e cada vez mais eficiente da gota d'água disponível

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências, Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo, Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos

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