A produtividade dos poços
tubulares do Vale do Jequitinhonha
Estudo mostra que a água subterrânea
é a solução para o abastecimento público
no médio Vale do Jequitinhonha, que apresenta elevado déficit
hídrico compatível com as áreas mais carentes do
Nordeste
O médio vale do Jequitinhonha
é uma das regiões mais pobres do Brasil, com indicadores
sociais compatíveis com aqueles das áreas mais carentes
do Nordeste. A baixa qualidade dos indicadores sociais (mortalidade
infantil, analfabetismo, desnutrição infantil e renda)
é corroborada e acentuada pelas condições ambientais
vigentes, as quais são marcadas por precipitação
média anual de 800 mm, concentrada nos meses de novembro a janeiro.
A evapotranspiração potencial média anual é
de 1500 mm, gerando um déficit anual de 700 mm. Os solos, em
sua maioria, são de baixa fertilidade e, em muitos locais, são
rasos ou inexistentes, especialmente quando predomina a vegetação
de caatinga sobre rochas granitóides. Os cursos d'água
são, em grande parte, temporários, permanecendo secos
mais da metade do ano.
As características climáticas
da região elegem o suprimento de água subterrânea
como a principal alternativa de abastecimento, especialmente para as
áreas rurais, em sua maioria distantes dos poucos rios perenes
existentes. Entretanto, a perfuração de poços tubulares
com produtividade mínima aceitável é uma tarefa
que demanda estudos hidrogeológicos detalhados e específicos
devido às condições climáticas regionais
e a natureza fraturada da maioria das rochas. Preocupados com a situação,
os pesquisadores Fernando Roberto de Oliveira (USP), Leila Nunes Menegasse
(UFMG) e Uriel Duarte (USP) desenvolveram um trabalho buscando um estudo
aprofundado da hidrogeologia regional, com ênfase no estudo estrutural,
particularmente no cenário neotectônico, objetivando a
geração de produtos que possam subsidiar a locação
de poços tubulares com um razoável índice de acerto.
"A água subterrânea é o recurso hídrico
mais importante na zona rural, servindo ao abastecimento de praticamente
todas as comunidades. A principal forma de captação da
água subterrânea nestas localidades é por meio de
poços tubulares, tendo as nascentes um papel secundário.
Nas áreas urbanas a água subterrânea é utilizada
de modo a complementar o abastecimento público pelos recursos
superficiais, uma vez que os poços da região são
de baixa vazão e não atendem a demanda de maiores populações",
explicou a pesquisadora Leila Nunes Menegasse.
A região abordada está
localizada 580 km de Belo Horizonte, numa área aproximada de
11.700 km2. "O Vale do Jequitinhonha é uma região
que apresenta elevado déficit hídrico. Cabe salientar
que o período de fluxo dos rios vêm diminuindo paulatinamente,
devido a uma série de agressões ao meio ambiente. Com
esse cenário natural adverso, a água subterrânea
é a principal fonte para o abastecimento, especialmente na zona
rural, tanto para o consumo humano quanto para a dessedentação
animal e, também na irrigação de pequenas áreas",
explicou o pesquisador Fernando Roberto de Oliveira.
No trabalho, os pesquisadores abordam
as principais características físicas e produtivas dos
poços tubulares, compreendendo profundidade, espessura do manto
de alteração, nível estático, nível
dinâmico, vazão, capacidade específica e profundidades
das entradas de água nos poços tubulares.
De acordo com dados da
COPASA (Companhia de Água e Saneamento de Minas Gerais) e da
CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais) foram perfurados até
1996 cerca de 447 poços tubulares na região. Do total,
62 poços estão fora dos limites geográficos da
área e na maior parte dos casos distam cerca de 1 a 3 km de suas
fronteiras, com controle litológico e por esse motivo estão
inclusos no estudo. Os principais parâmetros construtivos e produtivos
dos poços foram tratados estatisticamente. Os resultados são
apresentados individualmente por unidade aqüífera e totalizados.
Os parâmetros tratados não estão disponíveis
para todos os poços, em decorrência de deficiências
dos relatórios das empresas perfuradoras, que muitas vezes, não
apresentam nem mesmo informações elementares como a vazão
ou profundidade dos poços. Desta forma, o número de dados
analisados para um determinado parâmetro, em uma unidade aqüífera,
não coincide com o número total de poços na mesma
(veja tabela de distribuição dos poços tubulares).
"Os poços tubulares da região não diferem
muito daqueles existentes no semi-árido nordestino, com profundidades
de perfuração média de 80 m, elevado índice
de poços secos, águas com condutividade elétrica
média de 662,0 mS/cm e vazão média de 8,0 m3/h.
Por outro lado, são bastante distintos dos poços tubulares
existentes em regiões de clima tropical com elevada precipitação,
esses apresentam águas, em geral, qualitativamente e quantitativamente
superiores", analisa Fernando Roberto de Oliveira.
Quadro Hidrogeológico
- O cenário hidrogeológico do Vale do Jequitinhonha é
constituído por quatro unidades aqüíferas representadas
por aqüíferos aluviais, aqüíferos de cobertura,
aqüíferos fraturados em rochas granitóides e aqüíferos
fraturados nos metassedimentos do Grupo Macaúbas.
Unidade1 - Os aqüíferos
aluviais são de natureza granular, com boa porosidade e permeabilidade,
com espessuras que não ultrapassam a uma dezena de metros. Compreendem
os aluviões que ocorrem predominantemente em algumas porções
dos rios Jequitinhonha e Araçuaí. Em geral apresentam
uma composição variável, com predomínio
de cascalhos em sua base. É sobreposto por areias de granulação
fina a grossa, de diferentes espessuras e por um nível de sedimento
pelítico.
Unidade2 - Aqüíferos
de cobertura são representados pelos sedimentos pelito-arenosos,
grosseiramente estratificados, da Formação São
Domingos e pelas coberturas de natureza elúvio-coluvionares
que recobrem as superfícies de aplainamento terciárias.
Têm espessuras variadas, localmente podem alcançar
100 m. A morfologia de chapadas, a posição topográfica
elevada e a natureza granular desses aqüíferos os
tornam a principal área de recarga na região. Esses
aqüíferos cobrem cerca de 1.291 km2, correspondente
a 11% do total da área estudada.
Unidade3 - Aqüíferos
fraturados em rochas granitóides é uma unidade que
engloba as rochas granitóides intrusivas no Grupo Macaúbas,
de idade brasiliana, tardi- a sin-tectônicas e sin- a pós-tectônicas.
São aqüíferos de natureza majoritariamente
fissural, com alguma contribuição dada pelo manto
intempérico. Compreendem cerca
de 5.490 km2, equivalente a 46,6% do total da área, ocupando
a sua metade oriental.
Unidade4 - Aqüíferos
fraturados do Grupo Macaúbas compreende as litologias do
Grupo Macaúbas, sendo subdividida em três subunidades.
É constituído dominantemente por biotita xistos
(subunidade 4A), localmente ocorrem corpos de composição
carbonáticas (subunidade 4B) e metadiamictitos com lentes
quartzíticas (subunidade 4C). As características
hidrogeológicas do referido Grupo são praticamente
de aqüíferos fraturados com uma pequena contribuição,
em sua porção alterada, quando de espessura considerável,
de meio granular. Tal unidade ocupa 4.950 km2, equivalente a 42%
do total. Distribui-se na metade ocidental da área.
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A maioria dos poços
do Vale do Jequitinhonha, cerca de 81,6% deles apresentam valor de capacidade
específica abaixo da média (0,98 m3/h/m). Para os granitóides,
61,6% dos poços (53) têm Q/s£0,2 m3/h/m, distante
da média para essa unidade (0,61 m3/h/m). Situação
semelhante ocorre no Grupo Macaúbas onde 74,2% dos poços
(112) têm Q/s£0,6 m3/h/m, ou seja muito abaixo da média
dessa unidade (1,17 m3/h/m).
As profundidades médias da primeira e última entrada de
água para toda área são de, respectivamente, 32
m e 49,7m. Os valores médios da última entrada de água
sugerem que os poços tubulares não necessitam ter profundidades
superiores a 60 m. Esse valor deve orientar futuras perfurações
na região, de modo a não se desperdiçar recursos,
que na maior parte das vezes são públicos e, como tal,
escassos. "O quadro hidrogeológico regional do médio
Jequitinhonha apresenta elevados índices de insucesso na perfuração
de poços tubulares, seja por vazão insuficiente (secos)
ou elevada salinidade. As coberturas sedimentares constituem aqüíferos
granulares com água de boa qualidade, mas com baixas produtividades,
além de constituírem excelentes áreas de recarga",
lembra Oliveira.
Conclusões
- A espessura média do manto de alteração na região
é de 9,7 m, ligeiramente acima do valor médio encontrado
nos terrenos cristalinos semi-árido nordestino. Já o nível
estático médio dos aqüíferos de cobertura
é significativamente mais profundo que os aqüíferos
fraturados e reflete claramente as condições climáticas
regionais, marcada por baixa precipitação e elevada evapotranspiração.
A não correlação entre vazão e manto de
alteração também é fortemente controlada
pela variável climática.
Os valores estatísticos médios
devem ser utilizados com a devida consideração, especialmente
no estudo de aqüíferos fissurais, onde os parâmetros
hidrogeológicos são extremamente variáveis, pois
podem não refletir a realidade dos dados, sendo portanto necessário
o emprego de outras variáveis estatísticas como moda,
mediana, desvio padrão, entre outras. Entretanto, a análise
realizada para a capacidade específica, com a distribuição
por faixas de valores, se mostrou particularmente eficiente, permitindo
mostrar o baixo significado da média, 74,1% dos valores de capacidade
específica estão abaixo da média (0,98 m3/h/m).
Apoio - A pesquisa
foi realizada só foi possível com o financiamento da FAPESP
- Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo, através dos Processos 98/15888-5 e 99/05469-8. "Com
o apoio financeiro da FAPESP, alcançamos o intuito do conhecimento
das qualidades físico-químicas dos aqüíferos
existentes no Vale do Jequitinhonha, tendo em vista a melhoria da qualidade
de vida da população local e seu desenvolvimento sustentável",
lembra o pesquisador Uriel Duarte.
A pesquisa teve como objetivo compreende
as condições de contorno que balizam o êxito de
um poço tubular profundo, perfurado em rochas fissuradas e em
região de clima semi-árido. O trabalho traz um udo hidrogeológico
do médio Jequitinhonha e faz uma abordagem neotectônica,
auxiliado por técnicas de sensoriamento remoto digital e levantamentos
de campo. A proposta dos pesquisadores é compreender a importância
das deformações recentes no comportamento hidrogeológico
do aqüífero fissural, tendo um maior índice de acerto
na locação de poços tubulares profundos nesse meio.
O aspecto social também está atrelado ao trabalho, já
que o médio vale do Jequitinhonha apresenta indicadores sociais
entre os mais baixos do país. As populações de
grande parte da zona rural dessa região sofrem cronicamente com
a falta de água na estação seca, estando sempre
na dependência de "favores políticos". "Acreditamos
que poços tubulares profundos, menos influenciados pela sazonalidade
climática, característica da região, locados segundo
critérios técnicos, seguidos por perfuração
e desenvolvimento, compatíveis com verdadeiras obras de engenharia,
seguramente constitui uma solução palpável para
o semi-árido", finaliza Oliveira.
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