As Águas Subterrâneas e a "Crise da Água"

     A água doce da Terra - teores de Sólidos Totais Dissolvidos (STD) inferiores a 1000 mg/L - ocorre nas suas partes emersas ou continentes, principalmente. O seu maior volume de água na forma líquida ocorre invisível no subsolo (10,36 milhões de km3) e o menor volume está visível nos rios e lagos (104 mil km3).
Esta visão da água dos rios e lagos incita de tal forma os profetas da "crise da água" que o relatório das Nações Unidas sobre População de 2001 assinala que 54% do seu volume correspondem às demandas atuais de água da humanidade.

     Todavia, omite-se que o ciclo hidrológico proporciona uma renovação permanente das águas dos rios do mundo, principalmente, de tal forma que a sua descarga média de longo período é de 43.000 km3/ano. Assim, sem o desperdício e a degradação dos rios nos níveis nunca imaginados atuais, não haveria falta de água no mundo e muito menos "crise de água".

     Além disso, os profetas da "crise da água", regra geral, não cogitam, se quer, na utilização do manancial subterrâneo, embora seja, comparativamente, o maior volume de água doce da Terra, mais protegido dos agentes de poluição pela camada de material não saturado sob a qual ocorre e cuja descarga pereniza os rios do mundo durante o período que não chove. No Brasil, o escoamento básico dos rios indica que a taxa de recarga dos nossos aqüíferos é da ordem de 3.400 km3/ano.

     Nesta abordagem os profetas da "crise da água" desconhecem ou omitem, certamente, os progressos alcançados pelas técnicas de perfuração de poços produtores de água, as crescentes performances das bombas e a expansão da rede elétrica, o que torna viável a utilização até dos aqüíferos profundos ou confinados.

     Tendo em vista a má distribuição das descargas dos rios em relação às demandas de água, as Nações Unidas têm expressado a oferta de água em termos de potenciais per capita, ou seja, o resultado da divisão das descargas médias de longo período dos seus rios pela população de cada país, região ou bacia hidrográfica. Desta forma, o potencial per capita atual de água doce no Brasil é de cerca de 35.000 m3/ano, contra 9.000 m3/ano nos Estados Unidos e apenas cerca de 350m3/ano em Israel, um dos países mais pobres de descarga nos seus rios. Todavia, os índices de desenvolvimento humano - IDH destes países (p. ex.) são muito superiores aos do Brasil, em geral, e das populações das suas regiões com as maiores descargas nos seus rios.

     Assim, qualquer que seja a metodologia adotada para classificar a "crise da água" nos países membro das Nações Unidas, não se tem uma valorização efetiva das águas subterrâneas.

     No Brasil, os rios são perenes sobre mais de 90% do seu território, significando que a contribuição dos fluxos subterrâneos é suficientemente importante para alimentar as suas descargas durante o período sem chuvas. Por sua vez, a extração de apenas 25% dos 3.400 km3/ano de recarga deste manancial poderia abastecer 80% das nossas cidades cuja população é inferior a 20.000 habitantes. Em todas as nossas áreas metropolitanas poços não controlados abastecem hospitais, hotéis, condomínios e clubes privados. Além disso, o setor empresarial que comercializa "água engarrafada" ou em "caminhão pipa", extrai água subterrânea naturalmente potável nos setores urbanos ou nas suas proximidades, principalmente. Como, entretanto, o fornecimento de água potável exerce significativa influência sobre a saúde pública e a economia globalizada, a palavra de ordem é eficiência de uso da gota d'água disponível, tanto superficial quanto subterrânea ou de reuso, principalmente.

Olho: No Brasil, os rios são perenes sobre mais de 90% do seu território, significando que a contribuição dos fluxos subterrâneos é suficientemente importante para alimentar as suas descargas durante o período sem chuvas.

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências,
Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo
Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos

 
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