Formamos profissionais "empregáveis"?

O começo de ano ou de semestre para muitos professores universitários significa tempo para repensar a disciplina que será ministrada nos próximos meses.

    Leciono hidrogeologia, tanto para a graduação como para pós-graduação, e sempre me apresentam algumas dúvidas sobre o balanço que deveria dar nos diferentes temas do conteúdo programático e, sobretudo na forma de ministrá-los. Mais rede de fluxo? Será que o aluno deve entender as equações diferenciais básicas que governam o fluxo subterrâneo? A aula expositiva é ainda uma solução para grupos grandes? Obviamente em cursos semestrais, há possibilidade de flexibilizar o conteúdo e a forma de ensinar, mas um ponto básico é: tais informações serão apreendidas pelos alunos e estas serão úteis aos futuros profissionais em hidrogeologia? Mas será que isso basta? Sendo mais amplo neste questionamento, voltamos a velha questão: será que estamos formando bons profissionais para este mercado? Qual é o grau de "empregabilidade" desses profissionais? Será que estamos atentos à formação das novas lideranças da área?

    Certo dia, conversando com alguns professores da casa sobre esse tema, provoquei dizendo que achava mais importante para os nossos estudantes de graduação terem um curso de cinco anos de inglês, que aulas de cristalografia. Claro que isso suscitou discussão, mas argumentei: "as empresas de hoje, que manuseiam tecnologia, como a área de meio ambiente, por exemplo, necessitam estarem atualizadas em métodos de descontaminação de aqüíferos. Essa nova literatura está em inglês. Muitas companhias brasileiras para se manterem competitivas no mercado acabam se associando ou trabalhando conjuntamente com outras estrangeiras. Não importando a nacionalidade delas, a língua que se trocará a informação será o inglês. Mostrei, só para ilustrar, alguns dados que havia lido no caderno Empregos da Folha de São Paulo, do dia 20 de janeiro. Lá o jornalista Edson Valente reporta que a American Express, no seu programa de contratação de trainees de 2001, teve que selecionar 8 mil candidatos para somente 8 vagas. Sérgio Nery, gerente de RH da empresa, fala que a primeira etapa de seleção foi pela internet e o candidato respondeu pela rede várias perguntas, inclusive sobre seu nível de inglês e de informática. Nessa etapa, 6.400 foram reprovados. O restante era chamado para uma prova de inglês e de conhecimentos gerais. A partir daí, o exame incluia entrevistas, dinâmica em grupo e paineis.

    Para Monica Pinto, gerente da Unilever, onde a procura pelas 33 vagas foi de 15.500 candidatos no ano passado, o que as empresas procuram no candidato, mais que sua formação específica, é que tenham "empreendedorismo, criatividade, capacidade analítica e perfil para trabalho em equipe".

    Está certo que a escola deve formar quadros técnicos para trabalhar em todos os níveis da empresa e não somente para passar em testes de trainees, que ocuparão a liderança da companhia dentro de 5 a 10 anos, mas é interessante ver que vários desses pré-requisitos devem ser analisados na contratação de um bom técnico, em qualquer programa de seleção. No mesmo artigo da Folha, é listada uma série de atributos que levariam a seleção de um candidato nesse concorrido mundo dos executivos: capacidade de trabalho em equipe; percepção do todo e visão futura; determinação; clareza na comunicação; flexibilidade profissional; aprendizado contínuo; foco em resultados, controle emocional; e vivência internacional.

    O papel da escola tradicional nesse processo se complica ainda mais, quando analisamos outro dado. Em trabalho apresentado pelo economista Claudio de Moura Castro na Revista Veja (23 janeiro 2002), ele afirma que o ensino oferecido pelas faculdades somente determina 20% dos resultados do Provão, que teoricamente avaliaria a qualidade dos recém-formados e das próprias escolas. Os outros 80% são advindos da característica do próprio aluno, anterior à faculdade.

    Poucas escolas superiores trabalham com uma perspectiva de formação do indivíduo. Elas, quando muito, ensinam aos alunos como aplicarem técnicas já desenvolvidas para solucionarem os problemas. Para nós, professores de hidrogeologia, parece muito mais importante ensinar a eles a lei de Darcy, que mostrar como fazer boas pesquisas bibliográficas, que permitam auxiliar no desenvolvimento de soluções de um problema específico.

    A pesquisa do economista mostra exatamente isso, a faculdade não muda a forma do agir profissional do aluno, somente tenta ensinar técnicas, que pouco ajuda o aluno fraco.

    Hoje em dia, a informação técnica é abundante e fácil, incluindo a disponibilidade de bons livros textos em várias áreas da hidrogeologia (em inglês, obviamente). Neste contexto, a importância de aulas informativas, em contraposição às formativas, perde o seu significado, sobretudo em cursos universitários regulares extensivos. Infelizmente a maioria dos cursos, mesmo em excelentes universidades, é estruturada dessa maneira, priorizando muito mais a informação que a formação. Além disso, o curso, objetivando a formação de profissionais, que aprenderam a solucionar criativamente os problemas, que se contrapõe a aqueles que ensinam a usar técnicas, é ainda bastante raro. Claro que isso ainda é mais grave em cursos latu sensu de pós-graduação.

    Olho: Hoje em dia, a informação técnica é abundante e fácil, incluindo a disponibilidade de bons livros textos em várias áreas da hidrogeologia (em inglês, obviamente)

Ricardo Hirata é professor do
Instituto de Geociências
da USP, pesquisador do CEPAS-
IGc-USP. Hirata escreve
mensalmente nesta coluna.
e-mail: rhirata@usp.br

 

Voltar Imprimir

Copyright © - Associação Brasileira de Águas Subterrâneas
Todos os direitos reservados