O rebaixamento do nível d'água em mineração

O Inventário dos Pontos d'Água

     De 27 a 29 de maio do corrente ano, o nosso Núcleo Minas Gerais da ABAS estará promovendo o I Simpósio de Mineração e Recursos Hídricos cujo tema será o Rebaixamento do Nível d'água em Mineração. Espera-se que este evento venha contribuir para o ordenamento do licenciamento ambiental, outorga e controle desta atividade. Aproveitando esta tribuna para incrementar o debate sobre o tema, apresento algumas considerações pessoais sobre uma ferramenta utilizada na análise de interferência da mineração nas águas subterrâneas.

     Até o presente momento as licenças e outorgas são aprovadas com base no humor das câmaras técnicas do COPAM. Existe até o caso de uma mineradora que pediu licença para o Rebaixamento do Lençol Freático e recebeu como condicionante a incumbência de fazer um levantamento da vegetação do entorno da mina. O órgão ambiental não levou em consideração a área de ocorrência do aqüífero e tampouco o fato dos níveis d'água deste serem profundos o suficiente, para não haver plantas freatófitas que dele dependesse.

     A atividade de rebaixamento do nível d'água em mineração teve seu início no minério de ferro na primeira metade da década de 80. A bem da verdade seu início foi um tanto quanto desordenado: as frentes de lavra toparam com a água no minério e aí o problema começou a ser enfrentado das mais variadas formas e nem sempre foram empregados os conceitos básicos da hidrogeologia.

     Passada a fase inicial, o rebaixamento do nível d'água começou a ser incorporado pelo Planejamento de Lavra e a hidrogeologia passou a fazer parte do cotidiano da mineração. Com o avanço do desaguamento surgem demandas referentes ao conflito de uso dos recursos hídricos, ambientais ou mesmo de natureza política. Estas demandas abordam impactos ou supostos impactos gerados pelo rebaixamento do nível d'água.
No caso específico do Quadrilátero Ferrífero os conflitos começam a surgir na década de 90 e obriga a atividade de rebaixamento do nível d'água a se estruturar de forma a identificar e quantificar os seus possíveis impactos. A maneira correta para proceder a essa estruturação é realizar um estudo hidrogeológico clássico, iniciando pelo bom e velho Inventário dos Pontos d'Água.

    O objetivo do inventário neste caso, extrapola o aspecto técnico do estudo hidrogeológico e abriga questões ligadas ao conflito de uso dos recursos hídricos, em alguns casos bastante subjetivas. Dessa forma deve-se proceder ao inventário de todos os pontos d'água do entorno da mina, independente das unidades aqüíferas e da forma de ocorrência do ponto em si. A área a ser inventariada deve ser suficientemente abrangente de forma a contemplar aquilo que uma pessoa leiga possa imaginar como área possível de ser afetada pelo desaguamento. Da mesma forma, todos os pontos d'água, perenes ou não devem ser indistintamente inventariados.

     Um erro muito freqüente para nós hidrogeólogos é estabelecer os limites em função da presença de rochas impermeáveis (aquicludes) ou mesmo da passagem de um sistema aqüífero para outro totalmente independente. Isso para nós pode ser tudo muito natural, mas para um leigo não, além disso podem existir interesses nem sempre voltados para a solução de conflitos de uso dos recursos hídricos. Como a questão da água tem uma certa magia e um forte apelo na mídia é muito comum ser utilizada para outros fins, de maneira que o trabalho a ser realizado deve ser detalhado e abrangente para não suscitar dúvidas.

     A realização de um bom inventário depende também de outros fatores dentre os quais destaca-se a base geológica. O mapeamento geológico deve preceder ou no máximo ser simultâneo ao inventário, pois o hidrogeólogo necessita de uma boa definição da geologia para fazer a caracterização de cada ponto d'água. Geralmente as minerações possuem no âmbito da mineralização um conhecimento geológico de grande detalhe (escalas de 1:500 a 1:2.000). Entretanto, no entorno da área muitas vezes têm-se apenas levantamentos geológicos de caráter regional, sendo necessário realizar o mapeamento em escalas da ordem de 1:5.000 a 1:25.000.

     Na vida profissional tenho visto vários tipos de solicitações de levantamentos para dar suporte a questões envolvendo água e mineração. Existem regiões, por exemplo, que o órgão ambiental recomenda ou aceita os levantamentos geofísicos para a definição dos problemas de natureza hidrogeológica. A geofísica é uma ferramenta excepcional em um estudo hidrogeológico mas, trata-se de uma ferramenta auxiliar. Em um país onde ainda existem magistrados que designam engenheiros agrônomos como peritos judiciais para as questões de hidrogeologia, brigar pela execução de estudos hidrogeológicos é uma questão de exercício da cidadania.

legenda 1: Fonte da Água Santa, Itabira - MG

legenda 2: Surgência Cárstica dos Fechos - Aspecto Geral, Nova Lima - MG

legenda 3: Surgência Cárstica dos Fechos - Detalhe, Nova Lima - MG

Antônio Carlos Bertachini
é Geólogo, Sócio da MDGEO
Serviços de Hidrogeologia Ltda.,
empresa especializada em hidrogeologia
aplicada à mineração
e-mail: mdgeo@gold.com.br

 
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