Pensando a ABAS

A ABAS tem crescido e ocupado espaços importantes no cenário nacional e latino-americano, como resultado do trabalho sério, dedicado e gratuito de vários dos seus membros e colaboradores

     A raiz de uma reunião com associados há algumas semanas, fiz algumas reflexões despretensiosas sobre a ABAS, no sentido a promovê-la, buscando novas atividades junto aos associados e à sociedade civil.
Creio que a ABAS deveria ter três linhas básicas de atuação, que poderiam ser traduzidas em sua missão:
     i) A divulgação junto à sociedade da importância do recurso hídrico subterrâneo e dos profissionais que nele atuam;
     ii) A formação de melhores quadros profissionais;
     iii) A apresentação à sociedade de alternativas e soluções a problemas relativos ao recurso hídrico subterrâneo.

     A tabela abaixo mostra estas atuações e suas relações com a comunidade, os usuários do recurso e os profissionais e estudantes da área.

     A primeira dessas linhas de atuação refere-se à divulgação da importância da água subterrânea para a sociedade, mostrando que é um recurso que possui e agrega valor econômico. É para nós, os catequizados (utilizando uma expressão do Prof. Aldo Rebouças), desnecessário dizer a importância da água subterrânea para a sociedade. Mas ela ainda é uma grande desconhecida para os "não iniciados". Por conseguinte, os próprios profissionais da área são também pouco prestigiados. Essa divulgação deveria focar a sociedade de um modo geral e particularmente os usuários atuais e potenciais do recurso subterrâneo, bem como, o próprio governo nas três esferas e os comitês de bacias hidrográficas. Uma atenção especial deveria ser dada aos estudantes, tanto das séries básicas, como universitária. - É incrível que os engenheiros agrônomos, por exemplo, não tenham em sua grade curricular informação sobre poços tubulares.

      Essa divulgação poderia estar associada à preparação de materiais básicos escritos (brochuras institucional e temática, envolvendo a água subterrânea, sua contaminação e gestão), vídeos (veiculado na forma de CD, VHS, e descarregável no computador), página na Internet, etc. O próprio curso de Geologia hoje carece de divulgação. É viável um programa de cooperação entre a ABAS, a SBG (Sociedade Brasileira de Geologia) e as escolas para divulgação das geociências nos colégios, envolvendo alunos de graduação, que teriam o papel de apresentar a profissião de geólogo aos estudantes, monitorados por professores e profissionais.

      Embora poucos, há alguns museus de Geociências, que muitas vezes se restringem a exibir rochas, minerais e fósseis. Até hoje, no Brasil, eu não vi nenhum que tratasse da água subterrânea. Montagens sobre o tema, tenho certeza, seriam bem aceitos nesses locais. A produção deste material poderia ser custeada por publicidade de alguma empresa do setor. Somente para se ter idéia do potencial de visitação dessas instituições, O Museu de Geociências do Instituto de Geociências da USP já recebeu mais de 10 mil pessoas.

      Formação de melhores quadros profissionais. Manter-se atualizado é uma preocupação crescente de todo profissional e estudante preocupado com sua inserção no mercado de trabalho. Os cursos de curta duração têm sido uma forma bastante eficiente de ter contato com novas tecnologias e informações. A nossa irmã norte-americana National Groundwater Association (NGWA) oferece anualmente mais de 30 cursos sobre variados temas e com diferentes profundidades. Uma enquete feita há pouco mais de dois anos pela ABAS mostrou o grande interesse de nossos associados por cursos de curta duração, indicando inclusive temas, locais e aprofundamento necessário. Uma importante constatação desta pesquisa foi que os cursos deveriam ter regularidade (em oposição àqueles oferecidos esporadicamente), para que o associado pudesse se planejar para assistir a um ou outro curso com antecedência.

     Uma outra forma de atuação relaciona-se à organização de congressos, encontros, simpósios e workshops. Quanto aos dois primeiros, já são sucessos há vários anos na ABAS. Mas é certo também que há a necessidade e existe espaço para outros eventos, atendendo a interesses específicos do setor ou mesmo da sociedade.
Uma revista técnica-científica é outro importante instrumento de divulgação ao associado. A atual diretoria tem se esforçado em colocar em circulação a publicação da ABAS. Mas, atualmente, o competitivo mercado editorial de trabalhos técnicos tem dificultado a sobrevivência destas publicações menores. Os pesquisadores, que são normal mente os que mais escrevem artigos, estão sendo cada vez mais exigidos em sua produção, que é medida através de publicações em revistas com nível técnico conhecido. Quanto melhor a revista mais pontos ele recebe. Publicações novas, como a nossa, se não apresentarem um diferencial rapidamente, através de exigente corpo editorial, periodicidade comprovada e impacto de seus artigos, acabarão por ter uma baixa classificação e, por conseguinte, não receberão bons artigos. Bons artigos vão para boas revistas, que selecionam e publicam somente bons trabalhos, que acabam por atrair novos bons trabalhos. É um ciclo. Um agravante a isso é que o jovem mercado da água subterrânea nacional não é ainda uma grande produtora de artigos científicos, o que limita as publicações em língua portuguesa. Uma alternativa poderia ser o de se associar a uma outra revista, de médio porte, fazendo com que essa integração possa agregar valor a ambas publicações.

     Um outro material de divulgação importante é o livro texto. A ABRH (Associação Brasileira de Recursos Hídricos) tem uma série onde a cada número enfoca um tema que julga necessário para os alunos e técnicos. São textos básicos escritos por profissionais do setor, cobrindo lacunas de publicações existentes. Em água subterrânea não há quase livros textos em língua portuguesa.

     Outra possibilidade de disponibilizar informação aos associados é ter uma biblioteca digital, onde se teria acesso a todos os artigos da revista da ABAS, além dos trabalhos de congressos, eventos e workshops. Nos últimos anos os artigos já estão em meio digital, mas o custo de colocar todo o material existente é bastante baixo.
Como terceira linha de atuação, a ABAS poderia ter grupos específicos de profissionais, e pesquisadores para estudarem problemas que afligem a sociedade. Seria uma contribuição neutra e técnica do setor. Há vários temas que merecem essa atenção, como o flúor da bacia do Paraná, o problema de água em áreas urbanizadas, como em Recife, ou mesmo a definição da profundidade ótima de poços nos aqüíferos cristalinos. O tema deveria ser identificado pela própria sociedade, através dos grupos técnicos associados aos comitês de bacia, por exemplo. Ao redor do tema se formaria um grupo de profissionais voluntários, sob a coordenação de um associado ou convidado da ABAS. Tal grupo deveria no final de um período, concluir um documento que poderia ser editado na forma de um livro, e que seria uma contribuição técnica para a solução do problema apresentado. Os vários livros poderiam compor uma coleção da ABAS.

     Finalmente, embora não seja uma "missão" da ABAS, mas igualmente necessária, é a captação de novos associados. Novos sócios somente aparecerão se virem vantagens em estar na ABAS. Sei que esse Jornal tem contribuído para a manutenção dos sócios na entidade, pois é um resultado concreto que o sócio "vê" todos os meses sobre a sua mesa. Trabalhos junto aos usuários potenciais da água e aqueles que atuarão em meio ambiente, bem como alunos de escolas de geociências e engenharias, deveriam ser organizados pela associação. Por que não criar a categoria de "sócio apadrinhado", onde qualquer sócio poderia pagar a anuidade de um sócio estudante, com desconto para ambos? A entidade deve ser criativa na busca de novos sócios, inclusive atuando em outros nichos, como a de associações de condomínios, indústrias e prefeituras, e não se restringir aos tradicionais espaços. Mas, como dito, o indivíduo se tornará sócio somente se ver vantagens e for tratado de maneira especial pela associação.

     Acredito que o setor da água subterrânea nunca teve tantas oportunidades para se expandir. A ABAS está em uma posição privilegiada para catalisar esse crescimento, quer por sua história, quer pela sua potencialidade em agregar os diferentes setores deste recurso.

    Olho: Uma atenção especial deveria ser dada aos estudantes, tanto das séries básicas, como universitária

Ricardo Hirata é professor
do Instituto de Geociências da USP,
pesquisador do CEPAS- IGc-USP.
e-mail: rhirata@usp.br

 

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