Água subterrânea: a alternativa mais barata (I)

     Durante a última mudança global do clima da Terra, correspondente a Grande Idade do Gelo, cujo auge ocorreu entre 50.000 e 10.000 anos atrás, um volume de água doce superior ao existente atualmente (47 milhões de quilômetros cúbicos) formava as massas de gelo que cobriam a maior parte dos continentes. Como corolário, o nível dos mares no Brasil, por exemplo, chegou a baixar entre 100 e 140 m em relação à posição média atual. A tendência de aquecimento global que se registra na atmosfera da Terra, atualmente, poderá desmantelar as condições atuais de produção agrícola e fazer subir o nível médio dos mares, principalmente, afogando grandes cidades e transformando águas costeiras subterrâneas doces em águas salobras.
O crescimento desta cobertura de gelo empurrou hordas de caçadores e catadores de alimentos para as áreas mais quentes da Terra, tais como a mesopotâmia dos rios Tigre e Eufrates. Nestas regiões, os povos antigos, muitos dos quais deram origem às civilizações atuais, passaram a utilizar as águas subterrâneas para abastecimento humano, animal e produção de alimentos, principalmente.

     Os vestígios mais antigos - até agora conhecidos - de poços escavados para extração de água limpa de beber datam de 8.000 a.C. Por sua vez, os severos códigos estabelecidos pelo rei Hamurabi, por exemplo, milhares de anos antes de Cristo, muitos capítulos do Gênesis sendo verdadeiras cartilhas de águas subterrâneas, as captações horizontais de água subterrânea que foram realizadas pelos povos primitivos ou "canates", bem atestam a sua importância nestas áreas da Terra.

     Nas civilizações orientais (China e Índia, principalmente) os vestígios dos primeiros poços perfurados datam de 5.000 a.C. Entretanto, na virada do primeiro milênio para o segundo a Europa se reconstruía sobre as ruínas do Império Romano. Somente por volta de 1100 d.C. é que foram perfurados os primeiros poços artesianos na cidade de Artois, França, daí o nome deste tipo de captação. Porém, até por volta de 1600 d.C. a origem das águas das fontes, tão freqüentes nas ilhas do Mar Mediterrâneo, berço de povos antigos, e nos terrenos montanhosos da Itália era atribuída à ação de figuras mitológicas e à sua penetração nas cavernas e buracos submarinos.

     O pouco conhecimento sobre as condições de ocorrência e circulação das águas subterrâneas, sempre favoreceu os prognósticos apocalípticos que dão suporte à milenar guerra da água. Por exemplo, mesmo dentre os "especialistas" ainda há quem afirme que da água doce da Terra, somente 0,6 por cento é utilizável. Neste quadro, omite-se a renovabilidade das águas dos rios da Terra, cujas descargas médias de longo período (43.000km3/ano) seriam mais do que suficientes para atender demandas totais - consumo doméstico, industrial e agrícola - da ordem de 6.000 km3/ano no ano 2000. Omite-se, igualmente, o estoque de água subterrânea doce da Terra - da ordem de 10 milhões km3 - e que sua utilização é a alternativa mais barata, para abastecimento doméstico e industrial, principalmente. Por sua vez, omite-se que, atualmente, a tecnologia disponível no mundo, em geral, e no Brasil, em particular, de construção de poços, as crescentes performances das bombas e a expansão da oferta de energia elétrica tornam possível à extração de água de qualquer aqüífero profundo da Terra.

     Por sua vez, a possibilidade de atender demandas crescentes de água, mediante um uso atual cada vez mais eficiente é uma experiência de sucesso comprovado em muitos países desenvolvidos. Assim, saber usar a gota d'água disponível é mais importante do que ostentar abundância ou escassez. Pretende-se com esta abordagem em partes I, II, III e IV, chegar à prática do uso sustentável das águas subterrâneas de uma determinada área, experiência de sucesso comprovado em muitos países desenvolvidos.

     Olho: A possibilidade de atender demandas crescentes de água, mediante um uso atual cada vez mais eficiente é uma experiência de sucesso comprovado em muitos países desenvolvidos

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências,
Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo
Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos

 
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