Cuidado: pode estar nascendo a CPMF2 !

"A cobrança, quando feita em bases corretas, pretende apenas internalizar
custos já existentes e não introduzir novos ônus"

     A sociedade brasileira está correndo um sério risco nesta questão da cobrança pelo uso da água e parece não se aperceber disso. Do jeito em que as coisas caminham, está em gestação um novo tipo de imposto ou tributo, que em nada contribuirá para a melhoria das águas nacionais ou para a racionalização dos seus usos. Não existe qualquer experiência bem-sucedida, no mundo inteiro, que tenha sido baseada na introdução de um novo imposto sobre a água. Pelo contrário, as tentativas formuladas nessas bases foram todas frustradas e revertidas. Não se trata, aqui, de combater a cobrança em si, mas a forma com que ela está sendo cogitada e implementada. De fato, nas sociedades onde foi corretamente implantada, a cobrança mostrou ser um mecanismo eficiente e adequado, contribuindo de forma significativa para a melhoria do estado de qualidade e disponibilidade das águas. Qual seria, então, o alvo deste alerta?

     Ao contrário do que muitos pensam, o objetivo da cobrança, nos países onde ela foi adequadamente implantada, não é o de tornar a água mais cara e, com isso, limitar ou restringir o seu uso. Se fosse assim, estaria sendo introduzido um novo custo, com todos os reflexos negativos no encarecimento dos produtos, na perda de competitividade da economia e no comprometimento da renda dos consumidores. A cobrança, quando feita em bases corretas, pretende apenas internalizar custos já existentes e não introduzir novos ônus. Com efeito, ao longo do tempo, o uso inadequado e indiscriminado das águas já introduziu os custos decorrentes dessa prática ineficiente. Novas captações têm que ser feitas em mananciais mais distantes dos centros de consumo ou exigem tratamento mais complexo e caro. No limite, muitas atividades econômicas que precisam da água como insumo ou matéria-prima, deixam de ser implantadas em algumas regiões, pela indisponibilidade quantitativa ou qualitativa desse recurso.

    Os consumidores da água domiciliar distribuída pelas concessionárias desse serviço, também passaram a pagar preços progressivamente mais elevados. Em outros termos, esses custos já estão aí, tanto sob a forma de desvalorização do patrimônio natural constituído pelos rios e aqüíferos, como no acréscimo das despesas para o seu aproveitamento. A correção dessa situação exige investimentos para a eliminação das fontes de contaminação, para a construção de obras de regularização fluvial ou para a melhoria das condições sanitárias e ambientais das respectivas bacias hidrográficas. Na ausência da cobrança, esses custos estão sendo distribuídos pelo conjunto da sociedade, na forma da aplicação de recursos públicos originários de impostos, ou na socialização, tanto dos prejuízos ambientais, como da desvalorização do patrimônio natural. A cobrança, deveria corresponder, portanto, à justa internalização desses custos, com a distribuição do ônus desses investimentos apenas entre os responsáveis diretos pela degradação ou consumo da água em cada região. Com isso, nenhum ônus novo estaria sendo introduzido, desde que os recursos arrecadados com a cobrança fossem aplicados na eliminação dos custos ou deseconomias preexistentes. Utilizar, indiscriminadamente, o volume de água consumido ou as vazões descarregadas nos rios como base para a cobrança de um novo imposto, sem que a arrecadação esteja vinculada a um programa definido de intervenções, previamente orçado, simplesmente estaria tornando o recurso duplamente mais caro. Aliás, como em qualquer condomínio, contribuições para melhoria ou reforma somente são cobradas no exato valor do orçamento das obras e serviços programados, observando, também, o respectivo cronograma de desembolsos. Se o revestimento de um prédio está deteriorado, não é justo que todos os moradores da rua paguem o custo da reforma. Mas, também, síndico algum vai cobrar, previamente, dos condôminos, uma taxa arbitrária baseada no número de vezes que cada um utilizou o elevador. E, muito menos, transferir o valor arrecadado para o caixa único do tesouro nacional até que ele possa ser utilizado na reforma do revestimento.

     O Governo de Minas Gerais, em boa hora, reconheceu a importância dessa conceituação ao fixar, em decreto, que a cobrança pelo uso das águas de domínio do Estado deve representar a compensação financeira, por parte dos usuários públicos e privados, dos custos já introduzidos pela degradação e consumo desse recurso, medidos em relação ao seu estado natural ou antecedente, na justa medida das respectivas responsabilidades e do valor das obras e serviços necessários à sua recuperação. Nesse conceito, cada usuário teria que pagar os custos necessários para repor as águas nas condições que prevaleciam antes do início de suas atividades, ou seja, na ausência do respectivo uso. Isso é muito diferente das tentativas de taxá-lo, prévia e indiscriminadamente, com base na vazão consumida ou no volume de efluentes descarregado, qualquer que seja a magnitude dos seus efeitos. Mas, a ameaça de distorções não ficou definitivamente afastada com a edição do referido decreto estadual. Em primeiro lugar, porque essa medida legal estabelece as diretrizes de cobrança apenas para as águas estaduais, já que não alcança, e nem poderia alcançar, os rios de domínio federal que cortam o território de Minas Gerais, como o São Francisco, por exemplo. Além disso, essa conceituação está sofrendo forte pressão por parte daqueles que passaram a ver a água com indisfarçável cupidez, ante a possibilidade de utilizá-la como fonte de tributação, por simples voracidade fiscal. Há, também, os bem-intencionados e ingênuos jatenes que acreditam que a CPMF da água representaria, de fato, mais recursos para um setor historicamente desprestigiado nos orçamentos públicos.

     Olho:: Não se trata, aqui, de combater a cobrança em si, mas a forma com que ela está sendo cogitada e implementada

Sérgio Menin Teixeira de Souza
Eng. especialista em recursos hídricos e diretor da Hidrossistemas - Eng.de Recursos Hídricos Ltda. / coordenador e editor dos livros: "Disponibilidades Hídricas Subterrâneas no Estado de Minas Gerais" e "Deflúvios Superficiais no Estado de Minas Gerais"

 
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