Barreira hidráulica para contenção de plumas de contaminação

     Uma das maledicências comuns às áreas técnicas é dizer que hidrogeólogo nunca tem certeza absoluta de coisa alguma. Seria, portanto, comum à nossa profissão parafrasearmos Sócrates: "só sei que nada sei"?

     O fundamento dessa maledicência está na condutividade hidráulica, um parâmetro que varia 12 ordens de grandeza na natureza, ou para impressionar um pouco mais, varia 1.000.000.000.000 vezes. Por esta razão, quando se faz a determinação da condutividade hidráulica, o valor é considerado como correto e aceitável se estiver dentro de uma margem de erro de uma ordem de grandeza. E, a partir desta aceitação, qualquer outra certeza do hidrogeólogo deverá considerar esta variação. Isto não impede, entretanto, que os estudos sobre hidráulica de aqüíferos sejam os mais precisos e seguros que os estudos de hidrogeologia podem oferecer.

     Desta forma, a utilização de barreiras hidráulicas para contenção de plumas de contaminação é historicamente uma das primeiras formas de remediação que foram utilizadas. Uma barreira hidráulica consiste na instalação de uma seqüência de poços de bombeamento de forma a interceptar a pluma de contaminação, assegurando que não haja progresso da contaminação além do limite estabelecido pela barreira. Esta é uma técnica de contenção da evolução da pluma, funcionando também como remediação, uma vez que a água produzida deve ser tratada em superfície.

     A remediação da contaminação de solo e água subterrânea pela utilização da barreira hidráulica foi denominada em inglês de 'pump-and-treat', bombeamento e tratamento. A experiência mostrou que o nome deveria ser alterado para 'pump-pump-pump-pump-pump-and-treat', uma vez que os processos de transferência de massa do contaminante para água subterrânea são muito lentos, a quantidade de água que deve ser bombeada é muito grande, e o tempo de operação pode facilmente chegar às dezenas de anos. Esta perspectiva, embora extremamente agradável para os consultores, não soa tão bem aos ouvidos dos responsáveis pelo pagamento da remediação. Em inúmeros casos a barreira hidráulica é a única forma de remediação que se pode utilizar, devido a dificuldades de acesso ao contaminante, como profundidade do aqüífero contaminado, por exemplo. Em vários outros casos, a utilização da barreira hidráulica serve como uma técnica acessória, permitindo que a remediação das áreas-fonte seja realizada de forma segura, enquanto a barreira garante que o contaminante em fase dissolvida não evolua e atinja eventuais receptores potenciais a jusante da área impactada.

     A utilização adequada desta técnica é de importância vital no planejamento da remediação, uma vez que a água subterrânea trazida para a superfície passa a ser tratada como efluente, devendo ter seu tratamento e destino adequados, implicando em custos de ampliação ou instalação de estação de tratamento específico. Além disso há situações não incomuns em indústrias químicas, como a presença de corpos d´água nas proximidades da área contaminada. Como a barreira hidráulica baseia-se no rebaixamento do nível d'água, é possível que ocorra uma inversão de fluxo suficiente para que seja bombeada água do corpo superficial para a barreira. Uma barreira colocada ao longo de um córrego ou rio, por exemplo, pode trazer água deste para si. Caso a água do corpo superficial seja de má qualidade, corre-se o risco de ter que se tratar água superficial em conjunto com a contaminação. Embora todo este artigo apresente um tom de desconfiança, é importante salientar que esta tecnologia bem empregada ainda representa um dos grandes triunfos do conhecimento de hidráulica subterrânea.

     Este trabalho associado ao conhecimento do comportamento dos contaminantes prova que a maledicência, ainda que divertida, não se comprova na prática.

     Olho: A utilização adequada desta técnica é de importância vital no planejamento da remediação, uma vez que a água subterrânea trazida para a superfície passa a ser tratada como efluente


Dr. Everton de Oliveira
é professor-colaborador do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo e sócio-diretor da HIDROPLAN - Hidrogeologia e Planejamento Ambiental S/C Ltda.
(everton@hidroplan.com.br)

 
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