Água subterrânea na gôndola do supermercado: esta é a idéia

     Digamos que você tem um produto que queira lançar no mercado brasileiro. Este já é abastecido por um outro similar de grande aceitação pelo público. O seu produto leva vantagens sobre o concorrente: ele é mais barato, seu processo de produção e refino é mais eficiente e, potencialmente, você poderia implementar uma rede de distribuição maior a um menor custo. Agregasse a estes pontos que a fidelidade do público final ao produto do seu concorrente é muito baixa. Parece um negócio para ganhar, não é? Então porque o nosso produto águas subterrâneas não ganha mercado sobre o concorrente, superficial? Será que estamos vendendo mal o nosso produto?

      Caso você pergunte a um hidrogeólogo os motivos desse problema, ele vai responder que a causa principal é o desconhecimento do produto pelo público-consumidor e, por extensão, pelos tomadores de decisão dos setores governamentais. Mas será que este é o único problema?

      Um estudo feito por uma empresa canadense verificou quais são as principais causas do fracasso nas vendas de um produto qualquer. São eles: pobre definição do alvo que se quer atingir (30%); falta de satisfação do cliente e competição com outros produtos similares (30%); insuficiente nível de conhecimento do produto (20%), promoção/publicidade inadequada (10%) e má distribuição (10%).

      Peguemos a satisfação do consumidor. Neste item poderíamos incluir a atenção que a empresa dispensa ao cliente e ao cumprimento das “promessas” feitas pela companhia na época da venda do poço ou mesmo da própria avaliação hidrogeológica. Um dos melhores exemplos sobre como a personalização na atenção ao cliente tem sido determinante no sucesso de uma empresa é só analisarmos os resultados da Dell Computer, 15o no ranking de equipamentos em informática e que conseguiu fazer crescer as suas vendas de 7,7 para 12,3 bilhões de dólares em apenas um ano! Segundo um artigo de alguns anos da Business Week, a Dell tem feito do atendimento personalizado e da rapidez na solução de problemas de seus clientes, o grande trunfo para os espetaculares resultados obtidos nos últimos anos.

      Satisfação ao cliente significa que as avaliações hidrogeológicas sejam cumpridas e também que a hidrogeologia (como apresentada por técnicos e científicos no País) responda de forma clara (inclusive quantificada) aos problemas que se desenham pela sociedade. Todos sabemos que não existe uma estimação 100% correta de vazão de um poço que será perfurado, mas encontrar água onde outros fracassaram é com certeza uma boa publicidade para a sua empresa. A melhor precisão na produção esperada em aqüíferos depende diretamente do nível e da preparação dos hidrogeólogos da companhia. Alguém já ouviu falar em tectônica cenozóica para melhorar a produção de poços em fraturados ou mesmo faciologia de depósitos de água subterrânea? A atualização de profissionais está fazendo diferença neste mercado cada vez mais competitivo.

      No Brasil, o desconhecimento da população/governantes sobre a importância e as potencialidades da hidrogeologia para a solução dos problemas é flagrante. Os cursos de geografia dos primeiro e segundo graus falam de rios importantes do mundo, mas não citam os aqüíferos. Os poucos museus geológicos no País não apresentam nenhum estande que contemple este recurso. Não existe, a exemplo de outros países, programas ou campanhas de popularização da hidrogeologia junto aos escolares ou à sociedade. Na Província de Ontário anualmente ocorre o Groundwater Children Festival destinado a mostrar para os futuros clientes a importância do recurso e os principais problemas associados ao mau uso de aqüíferos. O evento faz chegar, durante o período de alguns dias, mais de 4000 crianças e vários professores, que são os grandes disseminadores desta informação.

      Lembro-me que há alguns anos, uma companhia de perfuração paulista começou uma série de publicidade na televisão. Os efeitos foram interessantes. Na época eu estava trabalhando no Instituto Geológico (SMA) e quando ia cadastrar poços o público leigo lembrava da empresa. O mais engraçado é que quando um entrevistado não sabia o nome da empresa que perfurara o seu poço, dizia: acho que é tal companhia, simplesmente pela publicidade a que foi exposto. Não sei qual foi o retorno que a empresa teve sobre este gasto, mas de certo deve ter valido o investimento.

      Definitivamente, a falta de informação sobre o produto é importante, sobretudo se adicionarmos os 10% da publicidade mal feita. Mas será então que estamos atingindo o alvo correto com os nossos esforços de popularização das águas subterrâneas? Será que o alvo de nossa restrita publicidade tem sido correto? Quem deve ser informado prioritariamente da importância do recurso hídrico subterrâneo, para que tenhamos mais retorno?

      Muitos países, onde a hidrogeologia tem um papel mais destacado, têm apostado nas crianças e nos professores de 1º e 2º graus para a divulgação da informação. Outro enfoque está sendo o de mostrar para os governantes e tomadores de decisões, a partir do conhecimento das reais potencialidades do recurso hídrico subterrâneo, que se pode ou não resolver este ou aquele problema. Oferecendo de forma clara uma opção, inclusive com comparações de custo frente a outras alternativas. Será que conhecemos suficientemente os nossos aqüíferos para propormos quais áreas poderão sofrer intensa exploração? Quais destas servirão para a irrigação ou mesmo para a instalação de pólos industriais?

      Os congressos da ABAS e outras reuniões técnicas deveriam ser utilizados como eventos de divulgação do produto água junto à sociedade. O congresso de São Paulo em 1998, deu sinais de que é importante mostrar o recurso água subterrânea como um bem que está para resolver os problemas da sociedade. Mas o público era bastante restrito, somente atingindo aos já catequizadas, usando expressão cunhada pelo Prof. Aldo Rebouças. Já o de Fortaleza, teve uma atenção aos colegiais, com visitas monitoradas dos estandes. Mas definitivamente o setor carece de uma estratégia discutida na comunidade hidrogeológica ou seja, de um programa claro de ações objetivando a popularização da hidrogeologia e dos recursos hídricos subterrâneos.

Olho: No Brasil, o desconhecimento da população/governantes sobre a importância e as potencialidades da hidrogeologia para a solução dos problemas é fragrante.

Ricardo Hirata é professor do Instituto de Geociências da USP, pesquisador do CEPAS- IGc-USP.
e-mail: rhirata@usp.br

 
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