Água subterrânea: a alternativa mais barata (IV)

O gigantesco mecanismo de renovação das águas na Terra - o ciclo hidrológico - é movido pelas energias solar e a gravitacional. Neste quadro, a energia solar dá suporte ao desenvolvimento da biomassa, transformando a água no vapor que sobe à atmosfera e forma as nuvens, ou o Green Water Flow. Por sua vez, a energia gravitacional atraía essas nuvens, fazendo-as cair na Terra na forma de chuva, neblina e neve, principalmente. Além disso, sob a ação da gravidade uma parcela destas precipitações flui pela superfície do terreno e outra infiltra no seu solo/subsolo, as quais são drenadas pelos rios que formam a bacia hidrográfica em questão.

Neste quadro, a quantidade média de longo período das descargas dos rios da Terra (43.000 km3/ano) constitui o potencial renovável de água da Terra, ou o Blue Water Flow.Os fluxos subterrâneos alimentam as descargas dos rios durante o período de estiagem (13.000 km3/ano), de tal forma que, quando estes nunca secam significa que a recarga natural dos seus estoques de água subterrânea é relativamente importante; caso contrário, os rios secam, ou seja, são temporários. A demanda total de água da humanidade sendo da ordem de 5.000 km3/ano - consumo doméstico de 10%, industrial de 20% e irrigação de 70% - significa que, em termos globais, há água suficiente na Terra para abastecer a humanidade.

Entretanto, o problema com a água – e existe um problema – decorre, fundamentalmente, do duelo recorrente entre a natural variabilidade da sua oferta – tanto no espaço quanto no tempo – ao crescimento desordenado das demandas locais, grandes desperdícios e degradação da sua qualidade em níveis nunca imaginados. Mas do ponto de vista prático, o aspecto crítico é menos a quantidade total de precipitação atmosférica que sua distribuição relativa aos ciclos anuais. Uma precipitação atmosférica bem distribuída, embora inferior à normal, causa poucos danos, enquanto uma precipitação “normal”, concentrada nos meses errados, poderá engendrar consideráveis prejuízos ambientais, hidrológicos, de abastecimento doméstico, industrial e perdas de safra, principalmente.

Em termos históricos verifica-se que, desde os primórdios dos tempos primitivos a utilização de estoques reguladores superficiais ou subterrâneos possibilitou lidar com severas irregularidades pluviométricas. Entretanto, esta água nunca foi gratuita, embora a sua extração de um rio, barragem ou de um poço tenha sido livre. Tem-se, efetivamente, o custo da energia que consumida, pelo menos. Por sua vez, a extração desordenada atual da água subterrânea poderá reduzir o escoamento básico dos rios, secar áreas encharcadas e fontes, reduzir a umidade dos solos que suportam a exuberante biomassa natural ou cultivada, dentre outras formas de impactos ambientais.

Neste quadro, todavia, a alternativa de utilização da água subterrânea é, regra geral, a mais barata para abastecimento do consumo doméstico, principalmente. Este é apenas um exemplo da revolução de conceitos que resgataria a nossa essência como povo, reduzindo a pequena parte podre de nossa sociedade que dá suporte à “estratégia da escassez” como forma de conseguir verbas ou investimentos com juros privilegiados para construção de obras extraordinárias cada vez mais caras, como única solução para os problemas de recursos hídricos. A utilização cada vez mais eficiente das diferentes funções dos aqüíferos – produção, estocagem natural ou artificial de água protegida dos agentes de contaminação e das grandes perdas por evaporação, regularização da oferta, função filtro, autodepuração bio-geo-química das águas de reuso, geotermal, dentre outras - é apenas um exemplo de como produzir uma verdadeira revolução ética capaz de conduzir o país e seu povo ao lugar e ao nível de vida que realmente merecemos.

Olho: Desde os primórdios dos tempos primitivos a utilização de estoques reguladores superficiais ou subterrâneos possibilitou lidar com severas irregularidades pluviométricas

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências,
Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo
Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos

 
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