O uso intensivo das águas subterrâneas

A energia emanada pelo Sol transforma as águas da Terra – oceânicas e continentais – em vapor, o qual sobe à atmosfera para formar as nuvens. À medida que estas acumulam grandes volumes de água são atraídas pela gravidade da Terra – na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado das distâncias - e voltam a cair na forma de chuva, neblina ou neve, principalmente. Ainda sob a ação da gravidade, uma parcela da que cai da atmosfera escoa pela superfície e subsolo, desagua nos rios que drenam (não banham) os terrenos da bacia hidrográfica em questão. Esta água que circula “visível” constitui o assim chamado BlueWater Flow e, lamentavelmente, é a única parcela considerada pelas práticas de gestão dos recursos hídricos em desenvolvimento no Brasil. Diz-se que a quantidade de água que infiltra naturalmente numa bacia hidrográfica constitui o seu “Safe Yield”, conforme o conceito preconizado por Meinzer, em 1920.

Quando a água subterrânea de uma área é extraída em volume superior ao infiltrado no mesmo período, configuram-se situações de groundwater over use, over exploitation ou overexploited aquifer. Esta prática é, geralmente, considerada em termos de seus efeitos negativos, tais como: redução do escoamento básico dos rios, dos níveis mínimos dos reservatórios ou açudes, pantanais, desaparecimento de nascentes, redução no desenvolvimento da biomassa em geral. Entretanto, quando a gestão integrada da gota d’água disponível é praticada, o subsolo de uma bacia hidrográfica pode exercer variadas funções. A aplicação de modelos matemáticos do tipo RASA – Regional Aquifer-System Analysis que considera os sistemas de fluxos subterrâneos, em lugar de dados pontuais de produção de poços, mostra que no Centro Oeste dos Estados Unidos (Columbia Plateau, Central Valley - CA, Great Plains, p. ex.) se extrai, atualmente, 305 m3/s, 446m3/s e 26m3/s, enquanto as taxas de recarga natural dos aqüíferos nas fases de pré-desenvolvimento destas áreas são muito inferiores, respectivamente, de 202, 78 e 10m3/s (Johnston, R. H., 1997, Sources of water supplying pumpage from regional aquifer systems of the United States, Hydrogeology Journal, Vol.5, No 2).

Dentre as funções dos principais aqüíferos dos Estados Unidos destacam-se: produção, transporte, proteção contra processos de evaporação intensa de águas de rios e reservatórios de superfície, aproveitamento de excedentes sazonais de estações de tratamento (ETA’s), reuso de ETE’s para controle da interface marinha, redução de descargas subterrâneas nos oceanos e áreas encharcadas. Vale ressaltar que todas estas funções têm efeitos - ético, ecológico e social - positivos e tornam obsoleto o tradicional conceito de “Safe Yield”.

Dentre as limitações de uma abordagem puramente regulatória da gestão da água subterrânea situam-se: (1) Um sistema de outorga que regula a simples permissão para extração de uma certa vazão e que não considera as situações - ética, ecológica e social - do seu uso e conservação. (2) A implementação de um sistema regulatório efetivo requer a existência de ferramentas adequadas devidamente controladas pelas instituições responsáveis pelos regulamentos. (3) Quando uma tal condição não existe, torna-se necessário garantir a participação social e efetiva implementação de programas de gestão altamente flexíveis.

Para se alcançar, entretanto, um desenvolvimento sustentável da água subterrânea é necessário considerar o quadro geológico da área em apreço e conseguir uma grande participação dos usuários na fase de planejamento e nos processos de decisão, o que implica na busca de mecanismos alternativos para resolver situações conflitantes, tais como, redução das descargas de água subterrânea para o mar, controle de áreas encharcadas, controle da interface marinha, reuso da água, regulação dos usos.

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências,
Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo
Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos

 
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