A Hidrogeologia das coisas simples Entre duas hipóteses que se propõem a explicar o mesmo fenômeno, provavelmente a mais correta é a mais simples (A navalha de William Occam, 1837) Há alguns anos fui convidado para proferir uma palestra em um congresso da AIDIS na Bolívia. Lá conheci um engenheiro que trabalhava em um projeto do Banco Mundial, com a implantação de saneamento em comunidades carentes no interior boliviano. Durante o nosso papo, ele me mostrou como funcionava uma latrina muito simples que ele ajudava a instalar nessas localidades. – É simples, mas funciona, dizia com um empenho de um bom vendedor. – É uma latrina que evita o mau cheiro e as moscas, dois grandes problemas destes sistemas sanitários rudimentares, completava. – Há duas coisas que atraem as moscas: o cheiro e a luz. Então o sistema sanitário que empregamos utiliza estas duas características para atrair e repelir as moscas. A casinha era mais ou menos assim: Ela não tinha porta e não era quadrada. Vendo em planta, as paredes formavam uma espiral. A entrada deveria ser dirigida ao lado que mais ventava, fazendo com que o ar sempre ingressasse pela casinha. Ela era coberta, mas não tinha janela. No centro da construção, no seu interior, havia um buraco onde as pessoas defecavam e urinavam. Sob o chão havia o local de armazenamento dos dejetos. Neste compartimento havia também um cano de PVC que funcionava de respiro do sistema. Na ponta do duto, existia uma tela e na sua parte interior um papel pega-mosca. O sistema funcionava assim. A mosca, caso entrasse no sistema pela espiral, seria atraída pelo cheiro do buraco e do reservatório com os dejetos. Uma vez neste reservatório, ela seria atraída pela luz do tubo. Lembresse que a casinha não tinha janela. A única luz que a mosca veria, uma vez dentro do reservatório, seria a do tubo. Subiria, mas como havia uma tela, não poderia sair. Na tentativa de sair, acabaria presa no papel pega-mosca. A tela evitaria a entrada de moscas pelo duto, na sua parte superior, que seriam atraídas pelo cheiro. O cheiro dentro da casinha seria minimizado pelo vento. Como não havia porta, o ar entraria e, como não havia janela, teria que sair pela abertura no chão e pelo duto, afastando o problema do cheiro. Impressionantemente simples, barato e funcional. No ano de 1995, após um doutorado desenvolvido na USP, fui para a Universidade de Waterloo fazer o meu pós-doutoramento. Lá no Canadá participei de um projeto, coordenado pelo Dr. David Rudolph, que estudava os impactos da atividade agrícola em um aqüífero livre e sedimentar. Em uma das primeiras reuniões de tratamento dos dados da equipe do projeto, fiquei imaginando que ouviria altas teorias a respeito da hidrogeologia, hidroquímica e modelos numéricos. Afinal, Waterloo era reconhecida como um dos centros mais avançados na área. Ao início da reunião, confesso que fiquei um pouco decepcionado. O que ouvia era uma boa e básica hidrogeologia, com teorias não muito mais complexas que a lei de Darcy. Mas aos poucos, durante as discussões, fui
notando que, embora os conceitos eram simples, as argumentações
eram muito boas. Notei que os pesquisadores usavam conceitos simples,
mas com muita criatividade. A simples lei de Darcy e os conceitos de
tubos de fluxo eram utilizados a exaustão. Eles sabiam realmente
esses conceitos (e outros obviamente) e mais importante, sabiam como
utilizá-los integralmente. Hoje tenho a certeza que a hidrogeologia das coisas
simples é que deve ser o grande foco do ensino em cursos de graduação
e pós-graduação. Eu noto isso quando tenho oportunidade
de trabalhar com alguns hidrogeólogos brasileiros ou latino-americanos
em projetos de consultoria. Eles realmente conhecem bastante sobre métodos
e técnicas de remediação de sites contaminados
por compostos complicados. Mas muitos não dominam os conceitos
simples de hidrogeologia e acabam interpretando erroneamente os problemas…..
simples. Olho: Os problemas hidrogeológicos que se apresentam na vida são resolvidos em 95% das vezes com conceitos simples Ricardo Hirata |
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