A gestão de recursos hídricos na mineração de ferro em minas gerais (parte 1)

Desde os primórdios da história do Homem na face da Terra, a mineração sempre foi uma atividade essencial ao bem estar da sociedade e indelevelmente associada ao desenvolvimento econômico da humanidade. É um fato tão notável, que o próprio registro da história humana está ligada a marcos definidos como Idade da Pedra, do Bronze, do Ferro. Esses marcos históricos refletem a evolução cultural e tecnológica do homem à medida que passou a dominar a arte de utilizar-se das rochas e minerais encontrados na natureza, e que passou a ser um fator determinante de poder e o domínio militar entre os povos. A história da nacionalidade brasileira, registra do mesmo modo através da busca incessante de ouro e pedras preciosas pelas Entradas e Bandeiras, que a mineração foi o principal agente integrador do vasto território nacional. Mercê da grande expressão econômica da descoberta dos outrora imensos depósitos auríferos na província de Minas Gerais, iniciou-se de fato a construção da nação brasileira através do Ciclo do Ouro, tendo como marco histórico a Inconfidência Mineira.

Sempre houve uma relação íntima entre a Mineração e a Água, desde que ela constitui um bem mineral, dentre eles o único renovável. Nesse aspecto desde os primórdios das atividades minerárias, o homem se defrontou com as necessidades e dificuldades inerentes à sua presença nas minas, constituindo-se quase sempre em fator determinante, tanto do sucesso como do abandono de empreendimentos, pela sua abundância ou pela escassez.
O amadurecimento das teses do desenvolvimento auto sustentado da sociedade culminaram com a manifestação da conferência de Dublim em 1992, em que finalmente registrou-se que a humanidade viverá grandes problemas de disponibilidade hídrica no futuro próximo se uma nova postura no aproveitamento dos recursos hídricos não for estabelecida.

No Brasil, a promulgação da lei 9433/97 instituiu Política Nacional de Recursos Hídricos e traduz de modo claro e definido a implantação de uma nova ordem institucional na gestão de recursos hídricos, e que a sua construção remete à toda a sociedade a responsabilidade pelo gerenciamento desses recursos, através de uma política descentralizadora e participativa. Essa política se baliza na instituição de um Sistema de Gestão dos Recursos Hídricos, sustentado em organismos colegiados, que contam com a participação dos usuários, do poder público e da sociedade civil organizada, que são os Comitês de Bacia Hidrográfica e os Conselhos Nacional e Estaduais de Recursos Hídricos.

Consciente dessa nova ordem de valores e do seu papel como usuário de recursos hídricos a mineração organizada tem procurado participar de modo ativo na regulamentação dessa política de gestão, tanto na esfera dos Conselhos Nacional e Estaduais de Recursos Hídricos, quanto na esfera dos comitês de bacia hidrográfica, para que essa regulamentação seja feita de maneira a mais justa possível, fator essencial para que não se impeça ou iniba o desenvolvimento econômico e social de uma determinada bacia hidrográfica, ou região do país.

A rigidez locacional é a principal característica da atividade da mineração e explica a grande importância que a mineração organizada tem dado ao acompanhamento desse processo de regulamentação da legislação de recursos hídricos. Diferentemente de outras atividades econômicas a atividade extrativa mineral somente pode se estabelecer onde se encontra o bem mineral. Dependendo das restrições que se impuser à aproveitamento e obras necessárias relacionadas à intervenções no regime hídrico nos planos de bacia hidrográfica, poder-se-á até impedir a atividade minerária em grandes regiões do país.

Inerente às mineração, a presença da água é ao mesmo tempo um bem e um mal. A sua presença nas cavas é sempre indesejável seja como fator instabilizador de taludes de escavação, como pela necessidade de se promover o rebaixamento do nível d’água subterrâneo, para a continuidade operacional da mesma. Por outro lado a água é também o principal insumo no beneficiamento do minério extraído e portanto exige um adequado sistema de utilização, em virtude do qual, o seu aproveitamento racional é hoje fator preponderante no planejamento da implantação de novos empreendimentos mineiros, bem como daqueles já em operação, através da aplicação de novas tecnologias voltadas a otimização de seu consumo.

A necessidade do esgotamento de águas subterrâneas das cavas de mineração, promove na realidade uma transposição de água dos reservatórios subterrâneos para os reservatórios superficiais, o que caracteriza na prática a produção de um “estéril de mina” altamente valioso -água subterrânea de excelente qualidade, que pode em alguns casos representar um ganho de disponibilidade hídrica ao redor do empreendimento minerário. Essa água excedente além de ser utilizada nas usinas de beneficiamento mineral pode, muitas vezes ser aproveitada para abastecimento de comunidades circunvizinhas ou reposta aos usuários ou comunidades bióticas eventualmente prejudicadas.

As barragens de rejeito constituem estruturas intrínsecas do processo produtivo minerário e, possuem uso múltiplo. São estruturas que tem função ambiental importantíssima quando, ao mesmo tempo que recebem e acumulam os sólidos provenientes das plantas de beneficiamento, impedindo o assoreamento a jusante, tem como função o tratamento desses efluentes, permitindo o retorno da água segundo padrões de qualidade frequentemente melhores que os corpos receptores de jusante. Além disso tem como função a captação de água para o processo industrial e ressalta-se finalmente, permitem a recirculação e o reuso contínuo da água, sem o que seria praticamente impossível a atividade minerária na grande mineração de ferro em Minas Gerais.

A prática do reuso da água é feita de modo sistemático há décadas, e graças a essa peculiaridade a apropriação efetiva de recursos hídricos das bacias de contribuição é bastante reduzida. Lembra-se que a água subterrânea captada na minas vai se incorporar aos recursos superficiais, ou diretamente pela sua disposição nos cursos d‘água existentes (que caracterizará uma melhora nos padrões de qualidade da água à jusante dessas drenagens), ou após a sua utilização nas plantas de beneficiamento, ao ser lançada nas barragens de rejeito adicionando-se à contribuição natural da bacia. Essa peculiaridade torna a atividade mineira de ferro no Quadrilátero Ferrífero muitas vezes superavitária em recursos hídricos, aumentando a disponibilidade hídrica águas abaixo.

Olho: Sempre houve uma relação íntima entre a Mineração e a Água, desde que ela constitui um bem mineral, dentre eles o único renovável

Agostinho Fernandes Sobreiro Neto
Hidrogeólogo com especialização pela Universidade Politécnica de Madrid, geólogo formado pela USP em 1972. Atuou pela CPRM-MG, DAEE-SP e THEMAG Eng,-SP. Trabalha na CVRD desde 1985. Email agostinho.sobreiro@cvrd.com.br

 
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