Joanesburgo e as águas subterrâneas

     A idéia da Terra coberta de água sobre cerca de 2/3 da sua superfície remonta aos tempos primitivos. Porém, sua visão foi possível, pela primeira vez, em meados do século passado, quando os astronautas viram a Terra do espaço como uma bola azul e branca dominada não pela ação e pela obra do homem, mas por um conjunto ordenado e integrado de sistemas: a atmosfera, a litosfera, a biosfera e a hidrosfera, principalmente. O fato de a humanidade ser incapaz de agir conforme esta ordenação natural está pondo em risco sua permanência na Terra. Vale salientar que os cenários vexatórios da “crise de água” têm sido anunciados, pelo menos, desde Estocolmo–72, a 1a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Nesta ocasião, os países em desenvolvimento e os industrializados traçaram, juntos, os “direitos” da família humana a um meio ambiente saudável e produtivo. Na 2a Conferência das Nações Unidas, a Rio-92, o compromisso foi com o desenvolvimento sustentável, isto é, aquele que atende as necessidades da humanidade no presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras atenderem também as suas.

     A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio + 10, realizada em Joanesburgo, África do Sul, tem possibilitado uma ampla divulgação da familia litania sobre a “crise da água”. Entretanto, verifica-se a repetição dos diagnósticos vexatórios, sobretudo, para os países em desenvolvimento, e pouco científicos. Dentre as alternativas mais baratas de mitigação ou de minimização da “crise da água”, já verificadas nos países industrializados, principalmente, destacam-se o uso cada vez mais eficiente da gota d’água disponível e, sobretudo, do manancial subterrâneo, o maior volume de água doce líquida da Terra, acessível aos meios tecnológicos e financeiros disponíveis no mundo, em geral, e no Brasil, em particular. Desde a 1a Conferência Mundial da Água, pelo menos, realizada pelas Nações Unidas em Mar Del Plata, em 1977, já se destacava que a captação da água subterrânea seria a alternativa disponível mais viável para abastecimento do consumo humano. Por sua vez, a sua captação sendo, regra geral, feita a custo e risco do próprio usuário, a utilização da gota d’água disponível sempre foi mais eficiente. A FAO também ressalta que a irrigação feita com água subterrânea é sempre mais eficiente, os produtos agrícolas têm alto valor de mercado e tem-se maior preocupação com a viabilidade econômica da produtividade alcançada. Ao contrário, nos casos da captação dos rios, os investimentos necessários são muito maiores e realizados pelo poder público. Como corolário, engendra-se a idéia de que a oferta de água é da responsabilidade de um “provedor” público, sentindo-se o usuário liberado do compromisso de uma utilização cada vez mais eficiente da gota d’água disponível.
Além disso, no anúncio da “crise da água” que deverá afetar a humanidade ainda nas primeiras décadas deste III Milênio, não se leva em consideração:

     1) Os avanços tecnológicos da construção de poços, as crescentes performances alcançadas pelas bombas e a grande expansão da oferta de energia elétrica foram de tal forma surpreendentes que já não existe aqüífero confinado ou profundo inacessível;
     2) A nossa capacidade de tratar e de transmitir informações atinge, atualmente, níveis nunca imaginados;
     3) A consideração do sistema de fluxos subterrâneos e das diferentes funções dos aqüíferos - produção, filtro, depuração de águas de reuso, transporte, estocagem de água protegida das perdas dos intensos mecanismos de evaporação e de produção de energia geotermal, p. ex. - segundo os modelos matemáticos do tipo RASA – Regional Aquifer-System Analysis tornam obsoletos conceitos tradicionais tais como “safe yield, unidades hidrográficas e hidrogeológicas;
      4) Saber usar a gota d’água disponível – captação de chuva, rio, subterrânea e de reuso, principalmente - é cada vez mais fator competitivo imposto pelo mercado global, mais importante do que ostentar sua abundância.

     OLHO: Verifica-se a repetição dos diagnósticos vexatórios, sobretudo, para os países em desenvolvimento, e pouco científicos.

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências,
Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo
Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos

 
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