SANTA CATARINA: discussão e gerenciamento
das águas subterrâneas brasileiras

Congresso tem como tema principal os aqüíferos transfronteiriços e traz a discussão de idéias de como superar os desafios associados à sua gestão, no presente e no futuro


      Olhos atentos ao cronograma de horários, movimentação turítica e uma verdadeira invasão de geólogos, hidrogeólogos e toda a comunidade técnica. Uma cena que promete mudar, e muito, a rotina de Florianópolis, em Santa Catarina, durante o XII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas, onde o tema principal são os aqüíferos transfronteiriços.

      O Aqüífero Guarani é o maior manancial de água doce subterrânea transfronteiriço do mundo, com uma extensão aproximada de 1,2 milhões de quilômetros quadrados, que abrange o Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. A população atual do domínio de ocorrência do Aqüífero é estimada em 15 milhões de habitantes. Apesar da extensa área que o país detém no Guarani, a importância deste para os países em geral é grande. Enquanto que o Brasil detém aproximadamente 71% da área do aqüífero, significando que 10% do território nacional, países como o Uruguai detém 3,8% da área do aqüífero, que representa 25,3% da área do país. A oportunidade representada pelo projeto é a da maior importância na região. O Paraguai discute a possibilidade de estabelecer um política nacional para os recursos hídricos e os outros países discutem ajustes importantes que o projeto poderá proporcionar. Durante a fase de preparação do Projeto já foi possível a implementação de avanços importante no cenário da gestão hídrica integrada no Brasil. As águas subterrâneas estão sendo definitivamente colocadas nas agendas dos países, em especial do Brasil. Pelo Governo Federal, foi possível criar a Câmara Técnica Permanente de Águas Subterrâneas no Conselho Nacional de Recursos Hídricos e produzir duas resoluções fundamentais para a organização do setor. As resoluções CNRH nos. 15 e 22 tratam respectivamente das diretrizes para a gestão integrada das águas e para a inserção das águas subterrâneas no instrumento de planos de recursos hídricos. Neste mesmo período o Distrito Federal e os estados de Minas Gerais, Pará e Paraná, após os pioneiros São Paulo e Pernambuco implementaram ajustes importantes no cenário legal e institucional brasileiros. Alguns comitês de bacia estão criando suas próprias câmaras técnicas de águas subterrâneas. Muito ainda há por fazer, principalmente porque o Brasil tem uma grande dívida com a área de pesquisa geológica e hidrogeológica, em especial. Também em termos de cooperação interinstitucional o Projeto tem semeado maneiras importantes de trabalhar o desenvolvimento da política pública. A criação da Unidade Nacional de Preparação do Projeto Guarani permitiu a integração de órgãos estaduais, federais, universidades e da sociedade civil ainda na fase preparatória. Espera-se que com a implementação do projeto a cooperação seja aprofundada e possa resultar em avanços decisivos para o setor de águas subterrâneas no país e para o conjunto da sociedade brasileira e dos países irmãos.

      “Em todo o mundo os aqüíferos transfronteiriços têm despertado enorme interesse. Tanto pelo ainda escasso conhecimento existente sobre os recursos dos aqüíferos quanto pelo grande potencial de utilização que despertam. Ademais, o Guarani tem despertado enorme curiosidade em todo o mundo, uma vez que há apenas dois anos e meio atrás os governos dos quatro países envolvidos (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) resolveram investir num projeto objetivando o estabelecimento de um marco de gestão coordenada para o aqüífero. O projeto conta com recursos de 13 milhões de dólares do GEF (Fundo para o Meio Ambiente Mundial), através do Banco Mundial, e contrapartida de igual valor dos países, que têm a Organização dos Estados Americanos como agência executora internacional. É importante destacar que o Guarani é o primeiro projeto de águas subterrâneas a ser executado com recursos do GEF e o primeiro do Banco Mundial com a participação de mais de um país. O Guarani guarda particularidades hídrico-ambientais que deverão ser melhor investigadas dentro do contexto sócio-político favorável de cooperação entre países vizinhos irmanados por diversas outras iniciativas de envergadura e destaque no mundo, como o Mercosul, por exemplo. Sobre as bases do conhecimento técnico-científico os países poderão desenvolver ajustes em suas políticas de recursos hídricos e de desenvolvimento, de maneira mais ampla, para utilizar e proteger os recursos do Guarani de forma coordenada e sobre os princípios do desenvolvimento sustentável, visando a sua utilização para as presentes e futuras gerações. O Congresso da ABAS e a comunidade técnico-científica do país devem preencher o espaço a ela delegado para o desenvolvimento da região, através da produção do conhecimento e da orientação criteriosa para o desenvolvimento de políticas públicas sustentáveis no largo prazo e com base nos conhecimentos da complexidade e particularidades do ciclo hidrológico”, detalhou Luiz Amore, Coordenador Nacional do Projeto Aqüífero Guarani.

      Feira - A Feira reservou um espaço para 122 estandes, áreas especiais para máquinas e equipamentos e um pavilhão de pesquisa e desenvolvimento para as universidades. Como nos últimos eventos da ABAS, os expositores disporão de espaço, previamente agendado, nos auditórios durante o período do evento para a apresentação de seus produtos e serviços. A feira também vai com a presença dos estudantes de Engenharia da Universidade Federal de Santa Catarina e futuros graduandos para atender aos visitantes e dar explicações sobre o mercado de equipamentos.

      O Congresso tem patrocínio do DAEE, CREA, CONFEA, FATMA, ANA (Agência Nacional de Águas), Bombas Leão, Amanco e Governo de Santa Catarina – Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente / Fundo Estadual de Recursos Hídricos, além do apoio do Ministério das Minas e Energia-DNPM- SC, Grundfos do Brasil, USF Johnson Filtros, Universidade de Santa Catarina, CASAN, Fonte Caldas da Imperatriz e UNESCO. “O Congresso oportuniza momentos ímpares na discussão e mobilização para uma melhor gestão de uma das maiores reservas de água do mundo, onde atualmente temos um consumo a cada dia 44 milhões de litros de água e mais de 60% dos seus mananciais são águas subterrâneas. A conscientização do uso racional e eficiente, bem como o alerta e os devidos cuidados para a preservação sem contaminação dos nossos aquíferos e lençóis subterrâneos freáticos e artesianos são exemplos do benefício direto que o congresso nos oportuniza, permitindo que diferentes setores governamentais e privados possam reciclar as praticas para uma gestão voltada ao respeito ao meio ambiente e a vida humana. A Amanco é uma empresa comprometida com o desenvolvimento sustentável, social e ambientalmente responsável , cujo compromisso é a construção de um mundo melhor. Diante disto, é de fundamental importância não só nossa participação, mas nossa colaboração para o êxito de um evento da grandeza do Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas. É um orgulho para nós estarmos colaborando com a ABAS e participando ativamente para o fortalecimento do setor de águas subterrâneas”, disse o diretor comercial da Amanco, André L. Fauth.

     Olho: “O tema principal são os aqüíferos Transfronteiriços, onde serão discutidas idéias de como superar os desafios associados à sua gestão, no presente e no futuro”

     Olho: André: “É um orgulho para nós estarmos colaborando com a ABAS e participando ativamente para o fortalecimento do setor de águas subterrâneas”

Palestras especiais movimentam comunidade técnico-científica

     A Comissão Organizadora programou três palestras especiais. A primeira será com o presidente da Agência Nacional de Água (ANA), Jerson Kelman, que vai abordar o tema “Agência Nacional de Águas e as Águas Subterrâneas no Brasil”; a segunda será com Alice Aureli e Shaminder Puri, da UNESCO que vão tratar do tema “Gerenciamento de Aqüíferos Transfronteiriços” e no fechamento, Luis Ribeiro, do Instituto Superior Técnico de Lisboa fala sobre “Vulnerabilidade de Aqüíferos”. Em sua palestra, Luis Ribeiro vai debater a vulnerabilidade de aqüíferos costeiros e o risco de contaminação. O professor auxiliar do Instituto Superior Técnico e presidente da Comissão Especializada para as Águas Subterrâneas da Associação Portuguesa de Recursos Hídricos, destaca que as áreas costeiras são em muitos casos densamente urbanizadas, o que tem como reflexo uma crescente procura de água para abastecimento público. “A intensa exploração dos aqüíferos resulta, na maioria dos casos, da inexistência de controle sobre o volume das extrações efetuadas e de um ordenamento irracional das captações, conduzindo em casos extremos a situações de ruptura do equilíbrio água doce / água salgada cujas conseqüências poderão ser dramáticas. A principal repercussão deste avanço traduz-se por um aumento do teor de cloretos nas águas captadas em poços e furos em bombagem podendo então ocorrer contaminação generalizada do aqüífero. É importante o desenvolvimento de metodologias de natureza multi-disciplinar, que possibilitem por em prática medidas de prevenção e de proteção dos recursos hídricos subterrâneos”, destaca o palestrante.

      Em entrevista ao ABAS INFORMA, Jerson Kelman, presidente da ANA, falou sobre a importância do congresso e antecipou os temas que vai abordar em sua palestra especial. Confira:
Como avalia o segmento de águas subterrâneas?

      Da mesma forma que nos preocupamos com a solução de conflitos entre usuários de águas superficiais, devemos nos preocupar com os conflitos de uso de aqüíferos. Neste sentido, o setor ainda está caótico. A super-explotação de poços e a conseqüente superposição dos cones de depressão, aliadas à contaminação dos aqüíferos são fenômenos cada vez mais freqüentes nos grandes centros. A região metropolitana de Recife é um exemplo. Além do rebaixamento nos níveis piezométricos, agora se verifica o risco de intrusão salina.

      Qual a importância desse evento?

     Eventos científicos desta natureza são sempre uma grande oportunidade para reunir todos que trabalham, vivem e estudam determinado assunto. Este Congresso reunirá pesquisadores de alto nível, que se dedicam ao estudo das águas subterrâneas, representantes dos órgãos gestores de recursos hídricos superficiais e subterrâneos, perfuradores de poços, estudantes, entre outras pessoas e empresas interessadas em discutir as grandes questões que envolvam as águas subterrâneas no Brasil. A difusão das idéias discutidas entre os diversos setores envolvidos propiciará o engrandecimento e afirmação do setor no país.

      Na oportunidade, o Sr. vai ministrar uma palestra sobre a ANA e as águas subterrâneas no Brasil. O que pode antecipar sobre esse tema?

      Nesta palestra serão abordados os desafios legais e institucionais para complementação da gestão das águas superficiais e subterrâneas. Será necessária a articulação entre o gestor dos rios, seja ele o Estado ou a União, e o gestor das águas subterrâneas. É necessário levar em conta a conectividade hidráulica entre os aqüíferos e os rios. Da mesma forma, deve-se promover a articulação entre Estados que compartilhem um mesmo aqüífero, como no exemplo do Aqüífero Guarani, para que utilizem os mesmos critérios de gestão e de proteção das zonas de recarga.

     Olho: Luis Ribeiro: Vulnerabilidade de aqüíferos costeiros e o risco de contaminação

     Olho: “Nesta palestra serão abordados os desafios legais e institucionais para complementação da gestão das águas superficiais e subterrâneas”

 


A dominialidade das águas subterrâneas

     O presidente da Câmara Técnica de Águas Subterrâneas, João Carlos Simanke de Souza, está solicitando a discussão da dominialidade das águas subterrâneas, conforme encaminhamento efetuado pelo relator Senador Lúcio Alcântara, de autoria do Senador Júlio Eduardo, do PEC 43/00 e da tramitação detalhada ocorrida entre 21 de novembro de 2.000 e 13 de novembro de 2.001, ocasião em que estava (e está) pronto e aprovado para votação, aguardando apenas a sua inclusão na ordem do dia. “Acreditamos que a perda da dominialidade por parte dos Estados deverá acarretar grandes dissabores aos órgãos gestores estaduais, atualmente incumbidos de conceder as outorgas de uso das águas superficiais e subterrâneas. Não é matéria pacífica e certamente tem muito (ou tudo) a ver com a criação da Agencia Nacional de Águas que passaria a ter o direito de outorgar e provavelmente repassaria isto aos Estados, ficando tão somente com a arrecadação, bastando apenas criar algum mecanismo negociado entre Estado e União para efetuar o repasse – algo seguro, tranqüilo e de fácil aceitação, não é mesmo? O reinvestimento na própria Bacia também teria que ser negociado e também as percentagens. Enfim é um assunto polemico e devemos adotar uma postura mínima de discussão”, explica Souza.

     Diante da relevância da discussão e do assunto em questão, o presidente das ABAS, Ernani Francisco da Rosa Filho também fez sua manifestão quanto a dominialidade das águas subterrâneas. “Não tenho dúvidas, que a perda da dominialidade das águas subterrâneas por parte dos Estados, para a União, criará grandes dissabores aos órgãos gestores estaduais incumbidos de conceder as outorgas das águas superficiais e subterrâneas. Alguns desses órgãos tem se empenhado há muitos anos na tarefa de outorgar o direito de uso das águas subterrâneas, criando simultaneamente bancos de dados regionais, antigamente não existentes. Esses bancos de dados tem sido possível conhecer de forma mais aprofundada o comportamento das águas subterrâneas, assim como seu potencial, qualidade e as melhores formas de explotação por meio de poços tubulares. Se o objetivo do Projeto de Emenda Constitucional nº 43/2000, de autoria do Senador Julio Eduardo, com relatoria do Senador Lúcio Alcântara, ficar restrito apenas a intenção de arrecadação, por parte da União, a linha de raciocínio de quem está a frente desta intenção está completamente equivocada e, sem dúvida, no transcorrer deste caminho não serão alcançados os objetivos que levaram a criação da própria ANA. A prática é completamente diferente da teoria, neste caso; é inaceitável imaginar que a outorga para a perfuração de um poço de 100 metros de profundidade ou menos, por exemplo, seja a perfuração executada no Rio Grande do Sul ou na zona semiárida do Nordeste do Brasil, tenha que ser solicitada em Brasília. Este procedimento não tem o mínimo de lógica e de bom senso! O argumento contrário a esta idéia não se baseia apenas na descentralização, que é aliás a melhor forma de se obter resultados positivos num país com as dimensões do Brasil. Diga-se de passagem, que o Governo Federal, seja na SRH ou na ANA, não dispõe de capacidade técnica (número suficientes de profissionais habilitados) e tampouco administrativa (para fiscalização, etc) para colocar esta intenção em prática. Sob a nossa ótica, isto não é aplicável sequer aos denominados aqüíferos transfronteiriços.

      Este é um tema, aliás, que foi visualizado, certamente, a partir do mundialmente conhecido Projeto “Sistema Aqüífero Guarani”, cujos recursos financeiros para desenvolver os estudos previstos, da ordem de US$ 14.000.000,00, serão doados pelo BIRD aos quatros países do Cone Sul. Quem tomou a iniciativa de implementar a proposta de modificação na Lei Federal não conhece sobre o assunto e os profissionais que lhes forneceram esta orientação, se é que houveram, não levaram em conta informações extremamente importantes, de cunho técnico e científico. A título de exemplo, gostaria de informar que existe uma diferença entre a Formação Botucatu e o Aqüífero Guarani (também denominado de Botucatu, no Brasil). A Formação Botucatu é transfronteiriça, mas o aqüífero Guarani não é transfronteiriço em toda a sua extensão porque ele se encontra completamente compartimentado no Estado do Paraná e no Rio Grande do Sul (provavelmente no Mato Grosso do Sul, igualmente), por conta das intrusões de diabásios e pelas estruturas tectônicas. As águas de um compartimento encontram-se isoladas de outro compartimento, restringindo-se, às vezes, a pequenas áreas ou regiões coincidentes ou não com determinadas bacias hidrográficas! Sob a ótica da proposta de alteração, seria necessário federalizar a maioria dos aqüíferos da Bacia Sedimentar do Paraná, do Amazonas e do Maranhão/Piauí. Essas áreas correspondem a mais de 3.000.000 km2. No caso da Bacia Sedimentar do Paraná, o mesmo raciocínio pode ser aplicado para a Formação Serra Geral, que é igualmente diferente das estruturas aqüíferas da formação mencionada, cuja explotação da água, atualmente, é muito superior à extração da água do aqüífero Guarani. Só para deixar mais claro sobre a complexidade desta questão, teríamos que mencionar o Grupo Bauru, o Grupo Caiuá, a Formação Furnas, dentre outros. É fundamental lembrar que os divisores de águas subterrâneas profundas não coincidem com os divisores das bacias hidrográficas. A partir destas colocações, torna-se evidente a complexidade deste assunto. Por esta razão, não há dúvidas que este assunto tem que ser discutido com cautela, muita cautela, com amadurecimento baseado em reflexões profundas e responsáveis, especialmente com a comunidade técnica e científica, de forma a evitar equívocos que poderão se reverter em prejuízos imensuráveis aos Estados do Brasil, ao próprio Governo Federal, o que evidentemente, numa tomada de decisão equivocada, marcará ou rotulará para sempre a prepotência e a ganância de quem decidir pela falta de razão, inclusive política. Esperamos que ocorram manifestações sobre este tema de todos os profissionais que atuam com águas subterrâneas, em especial daqueles que tenham ligações com a ABAS. Espera-se, contudo, que não prevaleça o corporativismo e que todas as manifestações sejam voltadas a alcançar resultados de interesses ao país”, finalizou Ernani Francisco da Rosa Filho.

     Olho: Ernani: “Este procedimen-to não tem o mínimo de lógica e de bom senso!”

     Olho: Simanke: “É um assunto polemico e devemos adotar uma postura mínima de discussão”

     Olho: A perda da dominialidade das águas subterrâneas por parte dos Estados, para a União, criará grandes dissabores aos órgãos gestores estaduais incumbidos de conceder as outorgas das águas superficiais e subterrâneas

 
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