A gestão de recursos hídricos na mineração
de ferro em minas gerais (parte 2)

Há casos notórios, como na região das “Minas do Meio”, no Distrito Ferrífero de Itabira, pertencentes à CVRD, que a água subterrânea é lançada nos córregos de jusante, acrescentando-se à sua vazão natural e aumentando a sua capacidade de diluição, antes de entrar na área urbana de Itabira. Outro exemplo pode ser citado na Bacia do Alto Rio das Velhas, região a sul da Cidade de Belo Horizonte, das minas da MBR, onde ocorre o mesmo fenômeno, e a água subterrânea de boa qualidade é descartada e vai se incorporar ao Rio das Velhas, que apresenta no trecho águas de qualidade bem inferior àquelas oriundas da área da mineração. Outra característica que a mineração tem como peculiaridade é a remoção de grandes volumes de material – minério e estéril, que vão dar origem a grandes cavas. Após a exaustão das minas essas cavas serão palco da formação de lagos em seu interior, pelo acúmulo de água de precipitação direta e pela recuperação de níveis do aqüífero, com o encerramento do bombeamento de água subterrânea.

     Essa recuperação de níveis e reservas do aqüífero vai se prolongar indefinidamente, já que na região há um superavit hídrico de cerca de 700 mm por ano, e essas cavas vão lentamente ser ocupadas por água, até que se estabeleça um novo equilíbrio no aqüífero, ou até que a água verta pelo nível superior da cava. Esse fenômeno possibilitará um benefício adicional, futuro, ou seja os lagos formados nas cavas exauridas poderão constituir importantes mananciais para abastecimento, desde que devidamente protegidos. Face ao exposto conclui-se que é perfeitamente possível a compatibilização entre as atividades de rebaixamento de nível d’água e os interesses das comunidades vizinhas às minas, no que se refere ao aproveitamento de recursos hídricos.

     Há exemplos internacionais notáveis de integração entre a mineração e a comunidade. Países de mais larga tradição mineira na Europa exibem exemplos de fornecimento de água para as comunidades, coexistindo de maneira pacífica. Por exemplo no distrito de Linhito do Reno, na Alemanha, próximo à cidade de Colônia, a água subterrânea proveniente do rebaixamento de nível nas minas de Carvão, abastece uma população de 650.000 habitantes. Na Espanha, há outro exemplo interessante na a mina de ferro de Alquife, na Andaluzia, á água produzida na mina era fornecida tanto para abastecimento de comunidades vizinhas como para irrigação. Mesmo após o esgotamento da mina, os poços continuam operando para manter os usos já tradicionalmente abastecidos. Exemplos semelhantes ocorrem também também na Itália, na região de Abadia de São Salvatore, e na Hungria na região de Balaton, as águas de minas exauridas fornecem água para uma população de 1,5 milhões de habitantes. Inúmeros outros exemplos podem ser citados, na India, na França, na Alemanha e na África do Sul, onde águas subterrâneas de minas são aproveitadas para abastecimento ou irrigação.

      Embora pouco divulgado e conhecido, o aproveitamento de água proveniente da atividade minerária ocorre em diversos locais em Minas Gerais. Em São João Del Rei a “Beta do Bigode”, uma antiga mina subterrânea do século XVIII, abastece metade da cidade com a água extraída de seu interior, muito embora não esteja em operação. Da mesma forma Ouro Preto até hoje ainda capta água de antigas galerias de mineração de ouro. Há alguns exemplos no Brasil de aproveitamento das águas da minas pela comunidades vizinhas. No caso da CVRD há diversos exemplos. Em Itabira, hoje cerca de um terço do abastecimento público é fornecido a partir da água subterrânea do aqüífero Cercadinho, possível graças aos estudos hidrogeológicos efetuados em função dos projetos de rebaixamento de nível d’água e de condicionantes ambientais. Em Mariana, o distrito de Santa Rita Durão passará a ser totalmente abastecida ainda em 2002, a partir de água subterrânea extraída da mina de Fábrica Nova, para promover o rebaixamento do nível d’água.

     A MBR por sua vez mediante acordo elaborado com o condomínio denominado Morro do Chapéu, abastece essa comunidade por meio de água subterrânea captada por poço tubular para rebaixamento de nível d’água da mina do Tamanduá.

     Em Itabira, a CVRD negocia atualmente com a Prefeitura Municipal, um acordo para o equacionamento do abastecimento público da cidade que poderá ser talvez um marco histórico no Brasil de gestão integrada de recursos hídricos entre uma mineração e comunidade. Foi contratado pela CVRD e elaborado pela UFMG, um Plano de Abastecimento Público de Itabira que prevê, a médio prazo o suprimento de água adicional para o abastecimento público da cidade mediante o aporte de água subterrânea proveniente do rebaixamento de nível d’água das “Minas do Meio”.

    Entretanto como mais significativa contribuição desse plano, está proposto no mesmo a solução do abastecimento da cidade através das cavas exauridas. O modelamento numérico efetuado mostrou que, após a exaustão das minas, haverá a formação de grandes lagos nessas cavas, com o acúmulo de água suficiente para suprir com sobra as necessidades futuras de água da comunidade. Em função da geometria das cavas, e desde que devidamente protegidas, essas cavas terão pequena contribuição de matéria orgânica e constituirão lagos oligotróficos, com água de excelente qualidade, e, devido à sua excepcional posição topográfica, constituir-se-ão na melhor opção como mananciais para abastecimento público, em termos de quantidade, qualidade, custo de captação, tratamento e distribuição. As especificidades da utilização de recursos hídricos pela mineração deverão ser devidamente analisadas e consideradas dentro do contexto geral do balanço hídrico dos empreendimentos mineiros, a ser levado em conta na aplicação dos instrumentos de outorga e cobrança pelo uso da água, peculiaridades essas que deverão estar inseridas nos futuros Planos de Bacia Hidrográfica a serem elaborados como instrumento fundamental de gestão de recursos hídricos em cada bacia hidrográfica.

     Olho: Países de mais larga tradição mineira na Europa exibem exemplos de fornecimento de água para as comunidades, coexistindo de maneira pacífica.

Agostinho Fernandes Sobreiro Neto
Hidrogeólogo com especialização pela Universidade Politécnica de Madrid, geólogo formado pela USP em 1972. Atuou pela CPRM-MG, DAEE-SP e THEMAG Eng,-SP. Trabalha na CVRD desde 1985. Email agostinho.sobreiro@cvrd.com.br

 
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