As cegonhas, os bebês e o método científico

Em uma pequena cidade portuária na Inglaterra foi constatada uma forte correlação entre a chegada das cegonhas, que construíam seus ninhos sobre as casas, e o aumento na taxa de nascimento de bebês. Durante mais de três anos foi contado, por estudantes de graduação de um curso de biologia, o número de ninhos ao longo do ano e verificou-se que, através de comparação com o registro de nascimento da cidade, nos meses em que se observava o aumento de ninhos também se verificava o aumento no número de bebês. A conclusão de tal estudos foi que as cegonhas obviamente não estavam trazendo as crianças ao mundo, mas induziam inexplicavelmente a taxa de nascimento da cidade.

Por parecer estranho, os dados foram questionados e se provou que embora houvesse correlação entre ninhos de cegonha e nascimento de crianças, as coisas ocorriam independentemente. Havia inter-relação entre os fatores, mas um não era causa do outro. A explicação correta é que a sazonalidade climática induzia a chegada das cegonhas e, por ser uma vila de pescadores em um país frio, a vida dos habitantes era também controlada pelos períodos de pesca e outras atividades, induzindo o aumento de concepções dos casais.

A estória acima mostra bem um erro bastante comum das teses, dissertações e relatórios técnicos apresentados às universidades ou aos órgãos de controle ambiental.

Os profissionais e cientistas buscam relações entre parâmetros, normalmente utilizando-se de técnicas estatísticas como correlações lineares ou não, diagramas de Peason, ou análise fatorial, e quando as encontram, acabam por concluir o que parece mais óbvio. No caso das cegonhas todos sabem que por princípio não existe causa-efeito, mas quando estamos trabalhando com algo pouco óbvio, as conclusões, mesmo erradas, podem parecer plausíveis. A inter-relação entre duas variáveis, mesmo que altíssima, não é por si só um indicativo de que um é condição da existência do outro ou que ambos tenham o mesmo controle, que até era verdade no caso das cegonhas-bebês.

O entendimento das causas do fenômeno é necessário, mas não suficiente para provar alguma coisa. É como se você como delegado tivesse que prender alguém somente com algumas provas circunstanciais e só porque o fulano tinha motivos concretos de matar a vítima.

Quando estamos trabalhando com hidrogeologia, as evidências não são tão claras e a busca de dados geralmente é difícil e cara. O meio geológico é bastante variável no espaço e tempo e muitas vezes temos algumas peças em um complexo quebra-cabeças. Isso complica a vida da gente, na medida que diminui o número de dados e o acesso à informação.

Mas como então ter certeza que determinado fenômeno realmente se processa de uma forma e não de outra? Como ter uma boa aproximação da verdade científica?

Um método bastante aceito por vários pesquisadores que trabalham em hidrogeologia é provar por duas formas independentes que o fenômeno ocorre. Por isso várias projetos de pesquisa nas universidades tentam obter constatações em campo e depois tentam reproduzir em laboratório esses mesmos fenômenos, através de modelos físicos ou numéricos, por exemplo.

Isso permite que, embora possamos estar erroneamente concluindo que cegonhas trazem bebês, estamos bastante longe de fazê-lo facilmente.

Mas como então ter certeza que determinado fenômeno realmente se processa de uma forma e não de outra? Como ter uma boa aproximação da verdade científica?

Ricardo Hirata é professor e pesquisador do Instituto de Geociências da USP e do CEPAS- IGc-USP.
e-mail: rhirata@usp.br

ABAS em luto...

A família ABAS perdeu em janeiro um grande entusiasta das águas subterrâneas. O engenheiro civil e associado da ABAS, Prof. Manuel Henrique Barbosa de Albuquerque, faleceu aos 80 anos em função de problemas cardíacos.

Engenheiro civil com mestrado em Engenharia Sanitária, Manuel foi diretor e professor da Escola de Engenharia de Fortaleza, além de lecionar por muitos anos na Universidade Federal do Ceará. Manuel não tinha filhos e deixa a esposa, Rosália Lopes Barbosa.

 

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