Ano Mundial da Água (III)

Tendo em vista que 2003 foi designado pelas Nações Unidas como o Ano Mundial da Água, neste mês de março, teremos uma oportunidade de refletir mais “profundamente” sobre o tema, uma vez que o Dia 22 de Março também lhe é consagrado. Por sua vez, entre 13 e 16 de março do corrente ano, está sendo realizado o 3o Fórum Mundial da Água, em Kioto, Japão. Entretanto, a primeira avaliação sistêmica das Nações Unidas sobre os recursos hídricos mundiais, ressalta que a inércia política verificada na maioria dos seus países membro agrava a crise da água. Todavia, de todas as crises sociais e naturais que se enfrenta, esta é, certamente, a que mais afeta a sobrevivência da humanidade no Planeta Terra.

Assim, com a consagração de todo o ano de 2003 ao problema da água no mundo, espera-se que o tema consiga vencer a inércia política que tem agravado tanto a crise.

No Brasil, em particular, os dados do último censo demográfico (IBGE, 2000) revelam que dos 130 milhões de brasileiros que moram nas cidades, 110 milhões não têm esgoto tratado e mais de 40 milhões não recebem regularmente água, vivendo o penoso regime de racionamento ou rodízio de abastecimento. Os mais pobres desse grupo, em torno de 11 milhões, não têm sequer acesso à água limpa de beber. Entretanto, por mais que esse quadro sanitário seja um dos nossos maiores dramas, não tem merecido a devida atenção das autoridades – Executivo, Legislativo ou Judiciário – ou dos partidos políticos. Não é exagero dizer que os problemas de abastecimento d’água em Manaus, Santarém ou Belém - cidades situadas na Região Hidrográfica do Amazonas, muito rica de água doce ou >100.00m3/ano per capita, 73% das descargas de água doce dos rios do Brasil, as maiores do mundo – são muito parecidos com os que ocorrem no semi-árido do Nordeste (Fortaleza), na sua zona úmida costeira (Recife), na região Sudeste (Grande São Paulo) ou na região Sul (Porto Alegre), por exemplo.

No Brasil, a inércia política referente ao problema da água é tradicional, certamente, resultante da falsa idéia de abundância que a visão de rios que nunca secam sobre mais de 90% do território nacional transmitem e do país ostentar as maiores descargas de água doce do mundo (182.633m3/s). Haja vista que a primeira Lei de Águas do Brasil, O Código de Águas, só foi promulgada em 10 julho de 1934. Embora avançado para a época em que surgiu, terceira década do século passado, o Código de Águas nunca foi complementado pelas leis e pelos regulamentos nele previstos, necessários à completa aplicação de várias de suas disposições. Apenas o seu Livro III, referente aos aproveitamentos hidrelétricos, foi regulamentado, até hoje. Dentre as modificações realizadas pela Constituição de 1988, vigente, destaca-se a extinção do domínio privado da água, previsto em alguns casos naquele diploma legal. A partir de 1988, todos os corpos d’água, no Brasil, passaram a ser do domínio público. Uma outra modificação que a Constituição de 1988 introduziu, foi o estabelecimento de apenas dois domínios para os corpos d’água no Brasil: (i) o domínio da União, para os rios ou lagos que banhem mais de uma unidade federada, ou que sirvam de fronteira entre essas unidades, ou entre o território do Brasil e o de país vizinho ou deste provenham ou para o mesmo se estendam; e (ii) o domínio das unidades federadas, para as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, as decorrentes de obras da União. Vale ressaltar que essa definição não desobriga o processo como um todo. Deve-se considerar a real indissociabilidade das águas integrantes do ciclo hidrológico.

Quanto às águas subterrâneas, a Constituição de 1988 lhes definiu, pela primeira vez, um domínio. Trata-se de relevante disposição constitucional uma vez que sugere às unidades federadas a necessidade de se articularem, uma vez que todas a unidades aqüíferas mais importantes do Brasil ocorrem subjacentes a mais de uma. Por sua vez, as águas subterrâneas no Brasil, cuja utilização de apenas 25% das contribuições às descargas de base dos nossos rios, já representaria uma oferta de água, hoje, da ordem de 4.000m3/ano per capita, constituem a alternativa mais barata de abastecimento público nos países desenvolvidos. Para tanto, os poços precisam se tornar obras seguras e confiáveis de abastecimento e que se pratique, efetivamente, uma gestão integrada de básica hidrográfica – captação de rios ou Blue Water Flow, água de suporte da biomassa natural ou cultivada ou Green Water Flow, águas subterrâneas e águas de reuso, por exemplo.

Entretanto, o grande desafio à sociedade brasileira e até ao seu meio técnico é evoluir da idéia tradicional de que a única solução aos problemas de oferta local e ocasional de água é aumentar sua oferta mediante a construção de obras extraordinárias. Hoje, é crescente o número de exemplos positivos nos países desenvolvidos, indicando ser mais importante o uso eficiente da gota d’água disponível do que ostentar sua abundância ou escassez. Uma série de Conferências internacionais e nacionais foi realizada durante as últimas décadas, ressaltando a necessidade imperiosa e urgente de se usar de forma cada vez mais eficiente a gota d’água disponível numa bacia hidrográfica - tanto nos países muito pobres de água doce nos seus rios (<500m3/ano per capita) quanto nos muito ricos (>100.000 m3/ano per capita) – vários objetivos foram estabelecidos no mundo, em geral, e no Brasil, em particular, porém, quase nenhum foi ainda plenamente atingido.

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências, Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo, Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos

 
Voltar Imprimir

Copyright © - Associação Brasileira de Águas Subterrâneas
Todos os direitos reservados