‘As
águas subterrâneas necessitam de um tratamento especial...’
O Secretário Nacional de Recursos
Hídricos, João Bosco Senra, em entrevista exclusiva ao
ABAS informa, falou da importância da água subterrânea
e dos principais projetos da SRH
O engenheiro civil e sanitarista, João Bosco
Senra é o novo Secretário de Recursos Hídricos
do Ministério do Meio Ambiente. Nascido em Minas Gerais, Senra
foi presidente da Fundação Zôo-botânica de
Belo Horizonte e diretor geral do IGAM - Instituto Mineiro de Gestão
de Águas (99/00). Atuou ainda como secretário nacional
de meio ambiente do Partido dos Trabalhadores (PT), secretário
Municipal do Meio Ambiente (93/96), em Belo Horizonte e vereador da
Câmara Municipal da capital mineira (89/96).
A Secretaria de Recursos Hídricos é
responsável pela Política Nacional de Recursos Hídricos,
que institui a gestão participativa dos múltiplos usos
das águas superficiais e subterrâneas, adotando para isso
as bacias hidrográficas como unidades de planejamento. Os instrumentos
para essa gestão participativa são os comitês de
bacia, que têm caráter regional, e o Conselho Nacional
de Recursos Hídricos, que atua em âmbito nacional e é
composto por representantes de diversos ministérios e secretarias
do Governo Federal, dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos,
de usuários e de organizações civis de recursos
hídricos.
Numa bem humorada entrevista, articulada pelo nosso
colunista e associado da ABAS-MG, Antônio Carlos Bertachini, João
Bosco Senra, respondeu a uma bateria de perguntas encaminhada pela redação
e pelo presidente da Câmara Técnica de Águas Subterrâneas,
João Carlos Simanke de Souza. O novo secretário falou
do ‘Sede Zero’, dos estudos das águas subterrâneas,
das parcerias com as associações e a importância
do Aqüífero Guarani.
A hidrogeologia no Brasil começou pela SUDENE
do Dr. Celso Furtado, foi a nossa primeira grande escola, seguida pelo
DAEE de São Paulo, o CETEC aqui em Minas entre muitas outras.
Uma das principais características dessas escolas foram os estudos
hidrogeológicos regionais, excelente ferramenta para o planejamento
do uso sustentável das águas subterrâneas. Existe
alguma chance desses estudos serem retomados, na Sudene e outros órgãos
públicos devidamente estruturados? Ou vamos continuar com ações
isoladas tipo um projetinho em uma universidade ou centro de pesquisa
ou licitados no mercado e sem continuidade?
Sem dúvida, o planejamento deve prevalecer
sobre as ações isoladas, por isso, estamos priorizando
o Plano Nacional de Recursos Hídricos, com um amplo processo
de participação da sociedade na sua elaboração.
Os estudos hidrogeológicos, aliados aos planos diretores das
bacias hidrográficas, são ferramentas fundamentais para
uma gestão integrada dos recursos hídricos.
Como avalia a questão da água
no Brasil?
O Brasil avançou muito sob o ponto de vista legal e institucional
com relação à gestão de recursos hídricos.
Porém, apesar do avanço, está praticamente no início
o processo da implementação da Política e do Sistema
Nacional de Recursos Hídricos. Em decorrência de fatores
culturais da sociedade brasileira em relação à
água (considerando inesgotáveis os recursos hídricos,
assim como utilizando os corpos d’água como se tivessem
infinita capacidade de depuração), o passivo existente
relacionado com o gerenciamento racional dos recursos hídricos,
ainda é enorme. Portanto, existe um desafio muito grande que
só poderá ser vencido com a união de todos os interessados,
desde governantes até o consumidor final, como prevê a
Lei 9.433/97, cuja gestão proposta é descentralizada e
participativa.
E quanto à água subterrânea?
As águas subterrâneas necessitam de uma tratamento especial
devido as suas características físicas. Este recurso tem
sido explorado, de uma maneira geral, de forma não organizada,
chegando a comprometer, em alguns casos, a qualidade das águas
disponibilizadas nos aqüíferos. É necessário
que haja um amplo entendimento nacional sobre esse tema, em particular
envolvendo os respectivos órgãos estaduais relacionados
com o aproveitamento das águas subterrâneas. A recuperação
de um aqüífero é muito mais complexa do que de um
curso d’água.
A SRH possui algum tipo de programa institucional
sobre águas subterrâneas?
A Secretaria está desenvolvendo o “Programa de Águas
Subterrâneas”. No campo da elaboração da Política
de Recursos Hídricos é necessário que haja integração
entre a gestão de águas superficiais e subterrâneas.
Visando isso, o MMA está elaborando o Programa supracitado objetivando
interagir com os estados da Federação, entidades e órgãos
relacionados com os recursos hídricos, para o aperfeiçoamento
do conhecimento técnico do problema e avanço da legislação
pertinente.
Dentro do programa Fome Zero há algum
tipo de ação por parte da SRH sobre a água mínima
para garantir o alimento e higiene básica do cidadão?
Estamos elaborando o programa “Sede Zero” que propõe
assegurar um mínimo de 40 litros por habitante ao dia de água
de qualidade, a todos os brasileiros, conforme prevê a Agenda
21.
Qual a possibilidade da ABAS atuar em parceria
com a SRH para participar do Fome Zero?
Toda, sobretudo no que se refere ao programa “Sede Zero”
que será formatado para acessar água que matará
a sede e produzirá alimentos.
Como o Sr. vê a simultaneidade e compatibilidade
das funções de Secretário de Recursos Hídricos
(engajado nas ações do MMA) e a função de
Secretário Executivo do CNRH (atendendo demandas nem sempre simpáticas
ao governo)?
A Secretaria Executiva do Conselho é subordinada ao plenário
do Conselho e, portanto, tem que pautar sua atuação de
maneira imparcial no trato das matérias em tramitação
neste órgão. Esta é a atitude não só
correta como necessária ao reforço da credibilidade da
Política e do Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Considerando
que uma das diretrizes fundamentais que estamos trabalhando é
o controle social, a compatibilidade das funções, neste
caso, tende a ser tranqüila.
A SRH pode participar da análise de
algum projeto referente à água subterrânea?
A SRH, em geral, não analisa projetos relacionados com águas
subterrâneas, por ser a gestão dessas águas de domínio
dos Estados, sendo, portanto, de responsabilidade desses as análises
de pleitos para utilização das águas subterrâneas.
Entretanto, a SRH vem participando de forma efetiva junto a outros órgãos
estatais e privados, no Projeto Aqüífero Guarani, que é
o maior projeto relacionado com águas subterrâneas no Brasil.
E qual a importância do Aqüífero
Guarani nesse processo?
O Aqüífero Guarani é a principal reserva subterrânea
de água doce da América do Sul e um dos maiores sistemas
aquïferos do mundo, ocupando uma área total de 1,2 milhões
de Km² na Bacia do Paraná e parte da Bacia do Chaco-Paraná.
A área deste corpo de água situada no Brasil é
de aproximadamente 840.000 Km². Sua maior ocorrência se dá
em território brasileiro (2/3 da área total) abrangendo
os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São
Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O Projeto
de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável
do Sistema Aqüífero Guarani, objetiva a formulação
de um marco legal para a gestão coordenada dos recursos do aqüífero
pelos quatro países envolvidos. Este projeto é financiado
pelo Global Environmental Fund – GEF, implementado pelo Banco
Mundial e executado pela Organização dos Estados Americanos.
O projeto possui um grande valor estratégico, não só
para o Brasil, como também para todos os outros países
sob os quais está localizado. Pelo volume armazenado, cerca de
45 a 50 trilhões de metros cúbicos e pela sua localização
geográfica, é de extrema importância que sua gestão
se dê de forma racional evitando sua depleção e,
pior, sua contaminação.
O que espera das Associações
diante da nova política de Meio Ambiente?
As associações técnicas, pelo excelente quadro
de associados que possuem, composto por profissionais altamente qualificados,
possibilitam oferecer sugestões sobre novos temas, ou novas tecnologias,
à sociedade e aos tomadores de decisão, como o MMA. Ressalta-se
que, também, é muito importante a participação
das Associações nas discussões existentes para
a implementação de políticas ambientais, em geral,
e a de recursos hídricos, em particular. Espero, portanto, efetivar
cada vez mais o compartilhamento da gestão com a valiosa contribuição
das associações.
Olho: A Secretaria está desenvolvendo
o “Programa de Águas Subterrâneas”. No campo
da elaboração da Política de Recursos Hídricos
é necessário que haja integração entre a
gestão de águas superficiais e subterrâneas. |