Quem tem medo do El Niño?

Infelizmente, a enraizada confiança, quase uma questão inconsciente coletiva, que a chuva pode tardar mas não falta, aliada a falta de uma política consistente de convivência com a seca, leva o povo nordestino às condições de flagelados cíclicos, como uma sina maldita.

O nome El Niño (do espanhol, menino) é devido ao fato do fenômeno ocorrer com maior intensidade nas proximidades do natal. Ao contrário do Menino Jesus, a chegada do El Niño é acompanhada por mudanças climáticas em nada salvadoras: enchentes, secas e tufões. No Brasil os efeitos são mais evidentes no sul, com as enchentes e no Nordeste com as secas. Nas outras regiões do país os contrastes são menos intensos, sendo os menores efeitos observados no centro-oeste. Provocado pelo aquecimento anormal da temperatura da água do mar na costa oeste da América do Sul, o El Niño começou a ser estudado a partir dos anos 80, embora seus vestígios estejam impregnados em fósseis de até 5000 anos. É um fenômeno cíclico, com periodicidade de dez a onze anos com efeitos mais fortes e de cinco e seis anos com conseqüências amenas.

Com o estudo do fenômeno El Niño veio o melhor entendimento do processo da seca no nordeste. Como já provado com medidas pluviométricas históricas, além da memória dos nossos avós, a seca é uma visita cíclica indesejável e inevitável. Resta aprender a conviver com o fato, tornando menor os danos conseqüentes da sua presença. Infelizmente, a enraizada confiança, quase uma questão inconsciente coletiva, que a chuva pode tardar mas não falta, aliada a falta de uma política consistente de convivência com a seca, leva o povo nordestino às condições de flagelados cíclicos, como uma sina maldita.

O semi-árido do centro-oeste americano e Israel estão entre as áreas de maior produção agrícola do mundo, apesar de índices pluviométricos menores que as regiões mais secas do nordeste. O que eles tem que nós não temos? A capacidade de planejamento e investimento. Preservam mananciais existentes, buscam água no subsolo, reservam das poucas chuvas que caem e aduzem de longínquas fontes. No nosso Brasil, o sertanejo, entregue à própria sorte, apela aos santos e executa elaborada programação de novenas; enquanto o governo, com honrosas exceções, marcha para o mais inglorioso dos combates: quebrar a seca ao meio, com batalhões de obras emergenciais e carros-pipas. Temos até um velho quartel general, o DNOCS. O “C” de combate, poderia ter sido “C” de convivência, com maior chance de sucesso. Como matar o imortal?!

Ao governo e agências de financiamentos, cabe uma política preventiva e contínua de convivência com a seca, baseada no princípio que a formação desta convivência está na divulgação da cultura técnica entre os povos. À semelhança do Agente de Saúde, deverá ser criado o Agente das Águas: de comunidade em comunidade, ensinando a preservar mananciais e como captar, armazenar e tratar a água. Por parte da população é necessária a conscientização de que a solução de abastecimento está em suas mãos e que o trabalho comunitário, através de associações e cooperativas, é o melhor meio de viabilizar ações neste sentido.

As opções de ações preventivas são várias e não são, obrigatoriamente, de grandes portes e dispendiosas. Poços tubulares, poços manuais, barragens subterrâneas, pequenas barragens superficiais, cisternas e aproveitamento de fontes, aliados a uma política de preservação de mananciais existentes, são soluções que deveriam estar ao alcance de grande parte da nossa população do meio- rural. Programas de adaptação dos plantios à seca e a estocagem de alimentos (silagem, entre outros) também são essenciais à necessária convivência.

A maioria das opções citadas acima pode ser construída, com apoio financeiro e sob orientação de profissionais especializados, pela própria família do pequeno agricultor. A barragem subterrânea, menos conhecida do público, apesar do nome lembrar obra de grande porte, na realidade é uma obra pequena, com custo raramente superior a R$ 3.000,00. A restrição é que são apropriadas para áreas com características específicas, com predominância de aluviões. As cisternas (captações de telhados), cada dia mais usadas pela população rural para abastecimento domiciliar, é uma outra opção ao alcance de todos. Parafraseando um velho sertanejo da região de Conceição do Coité, como morrer de sede se um telhado cobre a sua casa?

Quanto às preces e novenas, nada contra. A fé não faz chover, mas ajuda aliviar a sede. O essencial é não percebermos a importância da água apenas quando os campos estiverem arrasados e os potes secos, assim como não devemos lembrar de Deus apenas quando estamos desesperados.

João Batista Matos
de Andrade
Geólogo da Companhia de Engenharia Rural da Bahia –CERB e Ex-Presidente do Núcleo ABAS-Bahia e Sergipe
hidroexplorer@uol.com.br

 
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