Ano Mundial da Água (V)

Na esperança de romper a “INÉRCIA POLÍTICA” nos países membros, 2003 foi definido pelas Nações Unidas como “Ano Mundial da Água”. Por sua vez, Water for People, Water for Life (Água para as Pessoas, Água para a Vida), relatório coordenado pela UNESCO e pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, constitui a última avaliação da “crise da água”, sobretudo, em relação aos recursos hídricos que fluem visíveis pelos rios ou “Blue Water Flow”, os quais poderão ser utilizados mediante a realização de grandes investimentos ou empréstimos obtidos de agentes financeiros nacionais ou internacionais com taxas privilegiadas de juros.

Entretanto, um crescente número de exemplos positivos mostra que, nas últimas décadas, pelo menos, é mais importante usar de forma cada vez mais eficiente a gota d’água disponível do que ostentar escassez ou abundância – tanto nos países muito pobres de água nos seus rios (menos de 500 m3/ano per capita), como Israel, por exemplo, quanto nos paises ricos (entre 10.000 e 100.000 m3/ano per capita) no Brasil, ou em regiões muito ricas (mais de 100.000 m3/ano per capita) nos estados da Região Norte do Brasil.

Assim, a baixa eficiência da oferta, os desperdícios e a degradação da sua qualidade em níveis nunca imaginados, fazem com que, apesar da grande abundância de água no Amazonas, os problemas de abastecimento de cidades do porte de Manaus, Santarém ou Belém, sejam pouco diferentes daqueles encontrados nas grandes cidades do semi-árido do Brasil, na Zona Úmida da Mata Atlântica ou na Grande São Paulo. Além disso, a utilização das águas subterrâneas nestas áreas continua sendo feita por meio de poços perfurados, operados ou abandonados sem o devido controle federal, estadual ou municipal. Como corolário, estes poços se transformam em verdadeiros focos de contaminação do manancial subterrâneo, situação que só contribui para justificar os grandes investimentos realizados para captar transportar e tratar águas superficiais.

Além disso, o intenso noticiário (gerado pelos grandes interesses econômicos, principalmente) cria no público grandes expectativas sobre a privatização dos serviços de água. A experiência no Brasil, pelo menos, mostra que os principais atrativos desta são: (i) uma oferta mais eficiente da gota d’água disponível, cujos índices atuais de perdas totais variam entre 40% e 70%, contra valores de 5% e 15% nos países desenvolvidos; (ii) menores desperdícios nos seus usos, cujos equipamentos e métodos perdem entre 60 e 70% da água ofertada - tanto nas cidades, quanto na agricultura; e (iii) menor degradação da sua qualidade, à medida que os esgotos então lançados no ambiente ou nos rios, serão previamente tratados.

Numa iniciativa conjunta do Global Water Partnership, do World Water Council das Nações Unidas e do 3o Fórum Mundial da Água - Kioto, Japão, foi formado, em 2001, um grupo de alto nível sobre “Financing Global Water Infraestructure”, o qual teve como Chairman Michel Camdessus (ex-diretor geral do FMI e agora Governador Honorário do Banco da França) e mais 20 personalidades, tais como políticos, ministros de finanças, agências internacionais de desenvolvimento, bancos, Sociedade Civil Organizada, empresas privadas, dentre outros. Este grupo realizou sete reuniões – Manila, Washington, Johannesburg, Hague, Paris (duas vezes) e Londres. Além disso, o Chairman e outros membros realizaram conferencias chave em diferentes eventos e receberam informações importantes de diversas partes do mundo. O resultado geral é que se identificou uma necessidade de investimento de recursos financeiros no setor da ordem de USD 80 bilhões anuais até 2015 e cerca de USD 180 bilhões anuais até 2025.

A experiência mostra, todavia, que a utilização da água subterrânea para abastecimento humano, é a alternativa mais barata contra a escassez local e ocasional de água nos países desenvolvidos. Por sua vez, na gestão sistêmica de uma bacia hidrográfica as diferentes funções do subsolo para depuração de águas injetadas ou de reúso, são as alternativas mais baratas de tratamento. Contudo, nos países em desenvolvimento ou emergentes como o Brasil, estas alternativas não são, sequer, consideradas no arcabouço legal vigente. Assim, no Brasil, em geral, e no meio urbano, em particular, onde não se tem rede coletora de esgotos, distinguir um poço bem construído - de produção, monitoramento ou injeção – de um buraco de onde se extrai água é tão importante quanto diferenciar uma incisão cirúrgica de uma facada.

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências, Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo, Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos

 
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