Lisboa era um apaixonado pela ‘água de beber’

Núcleo paranaense homenageia Álvaro Amoretti Lisboa, considerado o pai da
hidrogeologia no estado

“Pela sua visão social das coisas, não admitia que o abastecimento de água tivesse o ônus de ser mais custoso e com menor qualidade, pelo fato de se estar utilizando uma alternativa de manancial menos adequada”

Em fevereiro de 2003, a Hidrogeologia paranaense e brasileira perdia um de seus maiores expoentes. Nós, do Núcleo Paraná da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas nos sentimos honrados por ter convivido com a figura ética, amiga e técnica do saudoso “Lisboa” – Álvaro Amoretti Lisboa. Não existe hoje, na evolução do conhecimento da água subterrânea no Estado do Paraná, quem não tenha convivido pelo menos uma experiência de orientação por parte dele, e seu legado está contido em diversas publicações. Pouco antes da sua partida, preocupado em registrar ações desenvolvidas em diversos governos dos quais havia participado, produziu um breve relato do histórico da Hidrogeologia do seu estado, seu sim, pois apesar de ter nascido em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, era um paranaense convicto.

Foram várias mudanças de governo por ele vivenciado e o patrimônio dos conhecimentos gerados no decorrer da sua longa trajetória, era considerado por ele como a sua própria vida, e como tal, tinha o maior interesse em divulgar sempre para os dirigentes de plantão.

Os projetos Carste e Guarani eram seu grandes desafios. Considerava que o número de informações disponíveis deveria ser sempre ampliado, para que o confronto técnico da definição dos mananciais de abastecimento fosse mais justo. Não morreu sem ver comprovado que a melhor alternativa para o abastecimento de Londrina era o Aqüífero Guarani e teve a oportunidade de coordenar e concluir o Projeto Carste que trouxe uma preciosa contribuição para o futuro da região metropolitana de Curitiba, tanto no abastecimento de água quanto no uso e ocupação adequada do solo.

Era um apaixonado pela “água de beber”, como se referia à água subterrânea, e, pela sua visão social das coisas, não admitia que o abastecimento de água tivesse o ônus de ser mais custoso e com menor qualidade, pelo fato de se estar utilizando uma alternativa de manancial menos adequada. Vibrava com cada resultado de poço que vinha do pessoal de campo e já imaginava que, naquela “bendita” comunidade rural, os problemas de ingestão de água com coliformes e agrotóxicos estavam solucionados – “é uma a menos, são mais de 4.000 no Paraná.”, contabilizava.

Mantinha relação direta com técnicos de outras áreas, especialmente os da Secretaria de Agricultura e acreditava que a água subterrânea era um dos principais insumos para o êxito de projetos de produção agrícola e da agroindústria. Orgulhava-se do fato dos basaltos da Formação Serra Geral proporcionarem condições favoráveis para o progresso de grandes cidades e de empresas, tais como a Sadia, de Toledo, a Cocamar, de Maringá, a Cia Cacique de Café Solúvel, de Londrina, dentre outras.

Passado o baque da despedida e em respeito a sua memória, só nos resta levar adiante os propósitos defendidos pelo nosso grande amigo Lisboa.

Breve histórico da hidrogeologia do Estado do Paraná

A História do uso de água subterrânea do Paraná pode ser dividida em duas fases distintas, a saber: antes da Criação do órgão de recursos hídricos do estado – ARH em 1973; e depois da criação da ARH.

Até a criação do órgão encarregado da política de recursos hídricos do estado do Paraná, o uso de água subterrânea era incipiente . De fato embora o conhecimento da geologia fosse relativamente bom, as pesquisas hidrogeológicas eram poucas, e o uso do manancial subterrâneo restrito a algumas dezenas de poços perfurados de forma dispersa pelos diferentes aqüíferos, prevalecendo até então a idéia decorrente do desconhecimento científico, do pequeno potencial hidrogeológico do Estado compatível para o atendimento apenas de pequenas demandas. Com a criação da ARH em 1973, e através da contratação de um grupo de geólogos, os quais foram treinados em hidrogeologia pela consultoria prestada por técnicos pernambucanos (Aquaplan), constitui-se assim o Departamento de Águas Subterrâneas DASB. Deram-se então início os primeiros trabalhos de prospecção e explotação dos aqüíferos do estado, de forma centralizada e intensiva, para atendimento do PLANASA (Programa Nacional de Saneamento) através de convênio firmado com a também recém criada Companhia de Saneamento do Paraná – SANEPAR.

No que se refere ao suprimento das demandas rurais a partir de 1981 com verbas do tesouro do Estado e em 1984 com recursos de convênio com o governo federal através da Sudesul foram adquiridos equipamentos de perfuração, máquinas do tipo roto-pneumáticas, para atendimento de comunidades rurais. Tais máquinas permitiram atuar em todo o estado na atividade do abastecimento doméstico rural sendo também geradora do dado hidrogeológico básico, fornecido pela documentação dos poços perfurados, possibilitando assim de forma combinada o uso e a pesquisa da água subterrânea no Estado do Paraná.

Desde então o Estado do Paraná através da coordenação e execução por parte dos hidrogeólogos do DASB tem desenvolvido, uma série de programas que buscam atender às necessidades de abastecimento de água no meio rural. Foi assim com o PRÓ-RURAL e com o Programa de Micro-poços no início da década de 80, com o Programa Estadual de Saneamento Rural – PESR na década de 90, cuja abrangência atingiu cerca de 1.500 comunidades rurais e mais recentemente com o PRÓ-SANEAMENTO, com recursos oriundos de empréstimo do estado (75%) junto à Caixa Econômica Federal, com 25% de contrapartida dos municípios, e também junto ao programa de Vilas rurais.

No que se refere à pesquisa dos aqüíferos na década de 80, mais precisamente em 1981 foi perfurado um poço pioneiro pela SUREHMA, nova designação da autarquia de recursos hídricos, no aqüífero Botucatu (atual Guarani), em Londrina, próximo ao Ribeirão Cafezal, com mil metros de profundidade, sendo este pioneiro no que tange a pesquisa e fomento do uso do aquífero Guarani no Estado. Já na década de 90, a pesquisa do aqüífero continua com a perfuração através de verbas do tesouro do estado do poço 1 de Matelândia vindo solucionar o problema de abastecimento neste município. No período 2001/2002 foram, perfurados mais cinco poços profundos para as cidades de Cândido Rondon, Bandeirantes e Ibiporã, com especial destaque para este último município onde os poços foram surgentes e com vazões extraordinárias (350 e 780 mil litros por hora).

Existe uma proposta de trabalho entre os estados brasileiros da bacia do Rio Paraná em conjunto com o governo Federal para obtenção de recursos da ordem dezesseis milhões de dólares do GEF-Global Enviroment Fund, em fase de análise pelos organismos internacionais envolvidos, que visa melhor conhecer e proteger o chamado Aquífero Guarani, em nível regional (Paraguai, Uruguai, Argentina e Brasil).

Também na década de 90, mais precisamente em 1991 estando neste momento a equipe de Hidrogeólogos do DASB a disposição da SANEPAR, iniciaram-se as atividades de explotação e pesquisa do Aqüífero Karst, situado a Norte da Região Metropolitana de Curitiba.

A partir de 1996 a atividade de pesquisa neste aqüífero continuou sendo desenvolvida em parceria entre a Suderhsa (atual denominação da autarquia de recursos hídricos do estado) a Sanepar (Cia. de Saneamento do estado) e a Universidade Federal do Paraná. A tecnologia foi contratada junto ao Johaneum Research, instituto de pesquisa da Universidade de Graz na Áustria.

Tal pesquisa foi concluída no ano de 2001, através da emissão do relatório conclusivo final em 2002, onde se define a metodologia adequada para explotação do aqüífero de modo sustentado bem como as vazões possíveis de serem obtidas para região do município de Colombo. No que se refere ao licenciamento do uso e gerenciamento dos recursos hídricos subterrâneos o governo do estado do Paraná através de um aparato legal, recentemente implantado, tem como atribuição de gerenciamento do uso das águas baseado na Lei Federal nº 9433, sancionada em 8 de janeiro de 1997, que consagra os princípios da moderna gestão dos recursos hídricos. Tal legislação determina que, especificamente para os mananciais subterrâneos, a atribuição quanto ao licenciamento do uso é exclusiva do Estado, por tratar-se este recurso de um bem de domínio do estado. Até o presente momento a SUDERHSA já outorgou mais de 5.000 poços correspondendo a uma vazão de 5000 l/s (cinco mil litros por segundo), aproximadamente 10% da demanda total de água para os múltiplos usos.

Os dados cadastrados provenientes das atividades de pesquisa e da outorga dos poços possibilitaram a implantação do Banco de Dados Hidrogeológicos da Suderhsa o qual possui mais de 5.500 poços perfurados no Paraná, para consulta e pesquisa, constituindo a base científica de conhecimento dos vários aqüíferos existentes no estado.

O reconhecimento detalhado dos recursos hídricos, tanto superficiais quanto subterrâneos, vão permitir que as tomadas de decisões que envolvam o gerenciamento e uso das disponibilidades hídricas sejam feitas de forma adequadas.

Geólogo Álvaro Amoretti Lisboa
SEMA – Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos
SUDERHSA – Superintendência de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e
Saneamento Ambiental

 

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