Vamos esperar um novo acidente?

Na edição de março/abril de 2003 da Revista Saneamento Ambiental, meu amigo e editor Francisco Alves apresentou um editorial alarmante e oportuno sobre o problema dos passivos ambientais, algo que toca diretamente no futuro do nosso mercado de hidrogeologia de contaminação. Por isso, aproveitando a gentileza de sua permissão, reproduzo neste espaço o seu texto. Obrigado Chico pelo brilhantismo e coragem.

“No início de abril, uma parte da população dos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro foi surpreendida com a notícia de mais um grave acidente ambiental, desta vez, causado pelo rompimento de uma barragem de armazenamento de produtos químicos utilizados na fabricação de papel pela Cataguazes. O acidente lançou nos rios Pomba e Paraíba do Sul — que em seu caminho para o Atlântico abastecem a população de diversas cidades dos dois estados – nada menos que 1,5 bilhão de litros de um licor contendo soda cáustica e lignina, substâncias utilizadas no branqueamento da celulose. Com o problema da contaminação, o abastecimento de água foi suspenso em vários municípios e ainda não se conseguiu mensurar exatamente o tamanho do estrago. O que se sabe é que, por sua dimensão, trata-se de um dos mais graves acidentes ambientais já ocorridos no País. Por ironia do destino, a Cataguazes, responsável pelo acidente, pode ser considerada uma empresa ambiental, já que, atualmente, tem na reciclagem de papel sua principal atividade. Na verdade, a barragem que se rompeu representa um passivo ambiental que foi sendo acumulado ao longo dos anos e que chegou a um ponto em que não pode mais ser contido.

O episódio chamou a atenção de ambientalistas e autoridades governamentais para um problema seríssimo, ao qual não tem sido dada a devida atenção, qual seja, a existência de passivos ambientais que se constituem em verdadeiras bombas-relógio as quais, de um dia para o outro, podem explodir, gerando danos irreparáveis ao meio ambiente e à população. É sabido, por aqueles que acompanham o dia-a-dia do meio ambiente no Brasil, que há diversos passivos importantes espalhados pelas regiões industrializadas do País. São passivos que, da mesma maneira que aquela da Cataguazes, foram sendo gerados ao longo de décadas de atividade industrial, mesmo porque devemos sempre lembrar que o controle ambiental no País ainda é uma atividade recente. A primeira Resolução Conama, que efetivamente criou normas de controle ambiental no Brasil, data de 1986, portanto tem menos de 20 anos. Porém, a consciência da importância da questão ambiental nas empresas é muito mais recente: a partir da Rio 92 é que a indústria começou a se preocupar com o meio ambiente, seja por necessidade interna, seja por pressão da sociedade. Mas a industrialização no País é muito mais antiga. E o que foi feito com os resíduos gerados ao longo de décadas de atividade industrial? Lembramos que, antes, os processos industriais, inclusive por limitações tecnológicas, geravam muito mais resíduos do que hoje. Boa parte foi sendo enterrada por aí, ou deixada em barragens que um dia transbordam, se rompem ou desmoronam.

O acidente da Cataguazes, assim como a descoberta de sítios contaminados em Paulínia, Cubatão e outros locais do estado de São Paulo, por exemplo, são um alerta no sentido de que urge adotar medidas que conduzam a um começo de solução do problema. E o primeiro passo, a ser dado pelo governo, em colaboração com as entidades empresariais e organizações sociais, é realizar um amplo levantamento de todos os passivos ambientais existentes, e seus respectivos responsáveis para, a partir daí, estabelecer um plano para desativação dessas bombas-relógio.

Enquanto isto, podem ser adotadas medidas emergenciais, para evitar que o problema continue se agravando, como por exemplo impedir que os aterros para lixo domiciliar recebam resíduos provenientes da atividade empresarial e que se obrigue as empresas a apresentar, num determinado prazo, uma declaração informando quanto elas geram de resíduo, quais os tipos de resíduos, qual o tratamento dado aos mesmos, quanto há de resíduo estocado à espera de tratamento e de que forma eles estão acondicionados. Isto permitiria, pelo menos, de imediato, conhecer a realidade atual da geração e estoque de resíduos nas empresas.

O que não dá é para ficar esperando um próximo acidente e achar que a simples punição dos responsáveis será suficiente para resolver o problema. Se multa e prisão por si resolvessem, o Brasil não teria tanta criminalidade.”
(Francisco Alves)

Dr. Everton de Oliveira
Professor-colaborador do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo e sócio-diretor da HIDROPLAN - Hidrogeologia e Planejamento Ambiental S/C Ltda. (everton@hidroplan.com.br)

 
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