Bentonitas da Paraíba O barro chega a Universidade

Em cada coisa que a mão livre do negro tocar,
novas coisas vão nascer e se a mão livre do negro tocar na argila,
o que vai nascer? Vai nascer pote pra gente beber!
Nasce panela pra gente comer!
Nasce vasilha, nasce parede e nasce estatuinha bonita de se ver!
(Trecho de “Arena Canta Zumbi”, de Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal e Vinícius de Morais, 1965).

Na pré-história a mão livre do homem percebeu como trabalhar o barro e isto acabou representando um divisor de águas dentro da evolução. Hoje, se pararmos para observar a que ponto chegou tal descoberta veremos que o uso das argilas foi muito além dos potes pra gente beber e das panelas pra gente comer.

As argilas podem ser encontradas nos mais diversos produtos ou mesmo utilizadas durante o seu processo de produção. São vários os fatores que fazem das argilas um dos produtos naturais mais utilizados na atualidade; seu baixo custo, os diferentes tipos e a forma que são encontradas na natureza (naturalmente moídas), sua abundância, entre outros.

Podem receber várias definições, das mais simples às mais complicadas; as argilas são barros, são rochas e são materiais naturais, terrosos, de granulação fina, que geralmente adquirem plasticidade quando umedecidas com água. São formadas essencialmente por silicatos hidratados de alumínio, ferro e magnésio. Dentre os diversos tipos de argila, encontram-se as bentonitas, de grande valor econômico e grande interesse industrial.

As argilas bentoníticas são conhecidas há centenas de anos e receberam esta denominação graças a localização do primeiro depósito comercial em Fort Benton, Estado de Wyoming, Estados Unidos.

Segundo os geólogos, a bentonita é formada pela desvitrificação e alteração química de cinzas vulcânicas. Por muito tempo, estudiosos utilizaram a origem dessas argilas como parte da sua definição, mas, como em alguns países seus depósitos não foram originados pela ação vulcânica, outra definição passou a ser utilizada; bentonita é qualquer argila composta predominantemente pelo argilomineral montmorilonita, do grupo da esmectita, e cujas propriedades físicas são estabelecidas por este argilomineral.

A montmorilonita é constituída por camadas compostas de duas folhas de silicato tetraédricas, com uma folha central octaédrica de alumina (figura 1). No espaço entre as camadas encontram-se moléculas de água adsorvidas e os denominados cátions trocáveis, que podem ser Ca2+, Mg2+ e/ou Na+. Se o cátion predominante é o Ca2+, a argila é denominada de bentonita cálcica e se o cátion é o Na+, recebe a denominação de bentonita sódica. Não são comuns as argilas magnesianas, mas há ainda um terceiro tipo denominado de bentonitas policatiônicas, nas quais estão presentes os três cátions supracitados. Argilas desse tipo são as encontradas no Brasil.

As argilas que possuem o Na+ como cátion predominante, apresentam a propriedade de inchar (figura 2) na presença de água, aumentando várias vezes o seu volume inicial, isto porque o Na+ permite que várias moléculas de água sejam adsorvidas a ele, aumentando a distância entre as camadas e, consequentemente, separando as partículas de argila umas das outras. No caso das argilas cálcicas ou policatiônicas, a quantidade de água adsorvida é limitada e as partículas continuam unidas umas às outras por interações elétricas e de massa. Esta diferença é facilmente observada quando as argilas, sódica, cálcica e policatiônica, estão em meio aquoso. Após agitação e repouso, as sódicas apresentam-se em um sistema homogêneo, com todas as partículas dispersas no meio líquido (defloculado), enquanto que as cálcicas apresentam-se floculadas, com uma camada de água límpida sobre a camada de argila depositada no fundo do recipiente (veja foto).

Tanto as bentonitas sódicas quanto as cálcicas e policatiônicas possuem ampla aplicação industrial. São utilizadas na confecção de materiais de alto valor agregado, como cosméticos e fármacos, em tintas, vernizes, fertilizantes de solos, descoramento de óleos e graxas, como agente catalítico de craqueamento, entre outros. Contudo, as bentoníticas sódicas destacam-se pela sua importância na indústria de exploração do petróleo e de poços tubulares para produção de água como constituinte dos fluidos de perfuração, também chamados de lamas.

A bentonita no Brasil

Segundo os últimos dados divulgados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM (2001), a Paraíba é hoje o maior berço de argilas bentoníticas, estando seus jazimentos localizados principalmente no Município de Boa Vista, distante 60 km da cidade de Campina Grande e 180 km da capital João Pessoa.

As reservas de Boa Vista totalizam cerca de 16 milhões de toneladas de argila e a quantidade de bentonita bruta e beneficiada (bentonita sódica) produzida na Paraíba representa 96 % da produção nacional. Os 4 % restantes são produzidos no Estado de São Paulo.

Esse bem mineral é fonte de renda para o Estado da Paraíba, onde hoje estão instaladas nove empresas, entre mineradoras e beneficiadoras, sendo as argilas utilizadas para os mais diversos fins industriais, como areias de fundição, pelotização de minério de ferro, rejeito de dejetos animais, na indústria química e farmacêutica, clarificantes, captação de água e como agente viscosificante e tixotrópico para fluidos de perfuração de poços de águas e de petróleo.

Os tipos de argilas encontradas na Paraíba

Atualmente, encontram-se em maior quantidade as argilas Verde-lodo, Bofe e Chocolate, sendo esta última começando a rarear. Estas argilas possuem composição mineralógica semelhante, sendo compostas por argilominerais do grupo de esmectita e impurezas de quartzo. A argila Verde-lodo, por sua vez, apresenta ainda caulinita e ilita, o que muito provavelmente influencia nas suas propriedades reológicas. Mas, a grande diferença entre elas é o comportamento reológico apresentado quando são tratadas com carbonato de sódio (Na2CO3). Todas as argilas da Paraíba necessitam serem ativadas por Na2CO3 (barrilha leve) para que se tornem sódicas já que são naturalmente policatiônicas. A troca catiônica do Ca pelo Na requer várias concentrações de barrilha em cada tipo de argila e o fato de serem diversificadas mineralogicamente faz com que tenham propriedades específicas que condicionam sua aplicação. As bentonitas que são utilizadas em perfuração, por exemplo, possuem vários tipos de argilas em concentrações diversas para que proporcionem o máximo nas propriedades relativas aos fluidos, isto é, viscosidade, gel e controle de filtrado e reboco. Mas a qualidade das argilas encontradas vem caindo progressivamente ao longo do tempo.

As pesquisas da UFCG sobre bentonitas

A Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, vem desde o início da década de 80 desenvolvendo pesquisas com as argilas bentoníticas de Boa Vista, PB. O mais recente trabalho, já em fase de conclusão, visa conhecer, através da eletrodiálise (técnica amplamente utilizada na dessalinização de águas salobras para obtenção de água potável) as causas que levam essas argilas a apresentarem comportamento reológico pouco satisfatório, mesmo após tratamento com Na2CO3 (veja figura).

Diante dos freqüentes problemas causados pela contaminação dos fluidos durante as operações de perfuração, este trabalho objetiva também avaliar a ação protetora e de recuperação de alguns aditivos poliméricos, como o CMC e o PAC, em fluidos de perfuração à base de água e argilas bentoníticas de Boa Vista, PB contaminados por agentes floculantes (cloretos de cálcio e magnésio). Os aditivos poliméricos são adicionados aos fluidos antes e após sua contaminação. Os resultados obtidos mostram que o CMC de baixa viscosidade e o PAC, protegem os fluidos da ação floculante do cálcio e do magnésio, quando adicionado antes da sua contaminação, e anulam os danos causados pelo aditivo deletério, quando adicionado posteriormente ao agente degradante. Além disso, proporcionam ganho de viscosidade e menores perdas por filtração.

A contaminação dos fluidos de perfuração pode provir da água utilizada em seu preparo ou mesmo das formações geológicas que estão sendo perfuradas. Muitas destas águas possuem elevadas concentrações de sais e de outros íons metálicos como o cálcio e o magnésio, que exercem considerável influência sobre as propriedades reológicas e de filtrado dos fluidos. Por outro lado, a perfuração de formações de calcário e de dolomita pode provocar a contaminação do fluido pela presença dos cátions Ca2+ e Mg2+, que promovem a floculação das partículas de argila e modificação da reologia do fluido de perfuração.

O futuro da bentonita para perfuração

Um vez observada a queda na qualidade do minério de Boa Vista e o esgotamento das espécies de argilas de melhor qualidade, a equipe de pesquisadores da UFCG, composta pelos Professores Heber Carlos Ferreira, Hélio de Lucena Lira e Kepler Borges França e a Engenheira Luciana Viana Amorim, está desenvolvendo um novo projeto de pesquisa que deverá ter início no mês de outubro de 2003. Estão também envolvidos alunos de graduação e pós-graduação.

Este novo projeto tem como objetivo obter um produto (argila bentonítica) de melhor qualidade, que atenda as especificações da Petrobras para uso em fluidos de perfuração, através de misturas binárias e ternárias, buscando composições que resultem na minimização das argilas de melhor qualidade e maximização das de qualidade inferior.

Figuras:


(legenda: Bentonita na forma seca e em meio aquoso)

 
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