Ano Mundial da Água (VI)

A inércia dos governos membro das Nações Unidas, levou a sua Assembléia Geral, em 20 de dezembro de 2000, a proclamar 2003 como o “Ano Mundial da Água”, mantendo-se 22 de março como o Dia Mundial da Água, conforme fora instituído em 1992. Esta situação é vexatória para o Brasil, principalmente, à medida que a extração de água por poços bem construídos de apenas 25% das descargas de base dos rios, já representaria uma oferta de água limpa de beber, principalmente, de mais de 4.000m3/ano per capita.

O Ano Mundial da Água representa um convite aos diferentes governos membro das Nações Unidas a pensar sobre a importância de se ter um uso cada vez mais eficiente da gota d’água disponível, tanto nas cidades quanto na agricultura. Entretanto, a pobreza endêmica da população em países como o Brasil, os torna altamente vulneráveis a “crise da água” e outra qualquer, não obstante possam ostentar grande abundância de água doce nos seus territórios.

A preocupação com a degradação da qualidade e desperdício da água disponível em níveis nunca imaginados – tanto nas cidades quanto na agricultura, principalmente - os líderes reunidos em Kioto, Japão, no 3o Fórum Mundial da Água, realizado no período de 16 a 23 de março do corrente ano, lançaram um alerta sobre a grave situação das águas subterrâneas. Esta situação é mais inquietante no Brasil, em particular, à medida que poços mal construídos e não controlados são os tipos aqui dominantes. Além disso, a experiência mostra que estes podem se transformar em verdadeiros focos de contaminação das águas subterrâneas nas cidades, principalmente, onde já vivem mais de 80% da população nacional. Todavia, o número crescente de casos positivos nos países desenvolvidos, mostra que qualquer que seja o custo do uso cada vez mais eficiente da gota d’água disponível ou da extração das águas subterrâneas para abastecimento humano, sobretudo, estas alternativas ainda são as mais baratas.

Este problema não vem sendo amplamente reconhecido pelos governos – federal e estadual - sendo minimizado pelas empresas e pela sociedade civil organizada, certamente, porque afeta a qualidade das águas subterrâneas, manancial que ocorre debaixo da terra, onde ninguém pode ver. Além disso, a utilização da alternativa mais barata para abastecimento humano, não faz parte da lógica tradicional das grandes obras, das empreiteiras, das corporações técnicas ou dos burocratas que sempre sobreviveram manipulando a estratégia da escassez ou o mito das secas.

A adesão de menos de 10% das empresas de perfuração de poços existentes no Brasil ao Selo de Qualidade da ABAS, constitui uma grande preocupação, à medida que sinaliza que o setor mais especializado parece preferir a pirataria tradicional que favorece a confusão entre um buraco de onde se extrai água e um poço construído segundo especificações técnicas disponíveis, de engenharia geológica, engenharia hidráulica e engenharia sanitária, por exemplo. Vale ressaltar que, salvo melhor juízo, a maioria dos poços no Brasil são verdadeiros buracos de onde se extrai água e cujas vazões soam como verdadeiros prêmios de loteria. Caracteristicamente, os buracos d’água apresentam filtros nas camadas aqüíferas mais rasas ou freáticas, cujas as águas subterrâneas nas áreas urbanas, estão geralmente contaminadas pelo sistema de saneamento básico, vazamento de tanques de combustíveis, lixiviação do lixo doméstico que se produz nas cidades, principalmente, outros resíduos sólidos não coletados ou dispostos de forma inadequada no ambiente, pelo uso e ocupação desordenada dos terrenos, tanto nas cidades, quanto no meio rural.

Neste quadro, o fato de órgãos públicos responsáveis pelo gerenciamento das águas no Brasil se declaram propensos a exigir o Selo de Qualidade da ABAS nas próximas licitações para perfuração de poços, nos obriga a continuar sendo otimistas.

Somos da opinião que, regra geral, em todas as cidades do Brasil com população superior a 100.000 habitantes, deveria ser considerada uma temeridade a captação de água subterrânea rasa ou freática para consumo humano. Por sua vez, os poços tubulares construídos com tal objetivo nestas áreas deveriam ser sempre outorgados, não receberem cascalho ou pré-filtro até a boca, terem selo sanitário capaz de evitar a infiltração de água no contato revestimento/parede do furo e cimentação do espaço anular até a profundidade de 30-50 metros.

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências, Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo, Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos

 
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