Ano Mundial da Água (VIII)

O objetivo principal da primeira reunião internacional sobre água, realizada, em 1965, em Washington, era definir a cooperação técnica para utilização das tecnologias de desmineralização das águas, como alternativa para solução dos problemas de abastecimento da população mundial. Verificou-se, então, que muitas nações pouco sabiam sobre os seus problemas atuais e futuros de água. Assim, foi estabelecido o Decênio Hidrológico Internacional (UNESCO/DHI,1966-1975), cujos objetivos principais eram implantar redes meteorológicas e hidrológicas de informações básicas, sistematizar e divulgar as disponíveis, mediante a colaboração dos Comitês Nacionais que foram criados em cada um dos país membro das Nações Unidas.

Com base nos conhecimentos adquiridos pelo DHI, foi realizada em Mar Del Plata, Argentina, em 1977, a 1a Conferência das Nações Unidas sobre água. Na ocasião, foi lançado o Decênio da Água Potável (1980-90), sendo ressaltado o grande alcance econômico e social que teria a utilização das águas subterrâneas, como a alternativa mais barata para abastecimento público. Em função disso, certamente, tornou-se crescente o uso das águas subterrâneas, nos países desenvolvidos, sobretudo.

Lamentavelmente, a mesma tendência não foi observada nos países mais pobres, onde a única solução aos problemas hídricos continua sendo a aumento da sua oferta, segundo a lógica das grandes obras, das empreiteiras, das corporações técnicas, dos políticos e tomadores de decisão que sempre sobreviveram manipulando a escassez de águas nas cidades, ou industrializando o mito das secas.

A coordenação da UNESCO ainda continua na forma do Programa Hidrológico Internacional (PHI) e isto lhe proporciona as informações mais consistentes sobre o problema da água nos países membro das Nações Unidas. Os dados disponíveis referentes aos últimos 50 anos mostram, por exemplo, que o desperdício e a degradação da qualidade da gota d’água disponível em níveis nunca imaginados, são os principais problemas, em função dos quais, surgem rumores a respeito de guerras iminentes envolvendo nações. Entretanto, os dados do PHI disponíveis mostram que existem poucas evidências de que tais situações possam estourar ou se converter em guerras.

Na realidade, tem-se 261 bacias hidrográficas internacionais ou transfronteiriças, envolvendo 145 nações. Aproximadamente um terço dessas bacias é dividida por mais de dois países e 19 delas envolvem cinco ou mais países. Alguns dos países que se proclamam inimigos com mais veemência em todo o mundo, já negociaram ou estão negociando acordos em relação às bacias hidrográficas de rios internacionais ou transfronteiriços. Por exemplo, a Comissão do Rio Mekong continuou trocando informações durante a Guerra do Vietnã. A Comissão do Rio Indo sobreviveu a duas guerras entre Índia e Paquistão. As dez nações que dividem a bacia hidrográfica do Nilo estão envolvidas em negociações para desenvolvimento da área.

Por sua vez, muita atenção tem sido dada às águas que fluem pelos rios, ignorando-se amplamente os grandes volumes de água que transitam pelo subsolo ou pelos aqüíferos e desaguam nos rios, perenizando-os durante os períodos sem chuvas nas respectivas bacias hidrográficas. Vários dirigentes sequer sabem que dividem aqüíferos importantes com outros países, cujas águas são, em geral, de boa qualidade e os volumes estocados são muito grandes. Por exemplo, o aqüífero Guarani (Trias - Jura Inf e Méd.) é a denominação dada ao sistema aqüífero transfronteiriço da Bacia do Paraná, sistema confinado pelo maior derrame de rochas vulcânicas do mundo. São sedimentos fluviais, lacustres e arenitos eólicos que ocorrem sobre 839.800 km2 em território brasileiro (aqüífero Botucatu), 225.500 km2 na Argentina e 58.500km2 no Uruguai (Formação Taquarembó), 71.700km2 (Formação Misiones, no Paraguai). O sistema aqüífero Guarani estoca cerca de 50.000 km3 de água doce e a contribuição dos fluxos subterrâneos às descargas médias de longo período dos rios que drenam os terrenos da bacia geológica sedimentar do Paraná é da ordem de 40% da vazão total de cerca de 362 km3/ano do sistema hidrográfico do Paraná.

A UNESCO estima que os aqüíferos do mundo que participam mais ativamente do mecanismo de renovação das águas da Terra, estocam cerca de 10,3M km3 do volume total de água doce da Terra (34,6M km3) e a sua contribuição aos fluxos dos rios é de 13.000 km3/ano. Por sua vez, a demanda total de água – consumo humano, industrial e irrigação - da humanidade no ano 2000 era estimada em apenas 4.000 a 5.000 km3/ano. O PHI/UNESCO, 2003, estima que entre 600 e 700 km3/ano são extraídos pelos poços, para abastecimento de 50% do consumo de água potável do mundo, 40% das demandas das indústrias e 20% da agricultura irrigada. Estes percentuais variam muito de país para país e no Brasil, o grande número de poços mal construídos faz com que a sua vazão seja ainda como um prêmio de loteria. Regra geral, a falta de qualidade construtiva e operacional de grande parte dos poços favorece a idéia de que a sua utilização é pouco confiável como obra de produção de água.

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências, Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo, Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos

 
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