Ano Mundial da água (X)

A Constituição do Brasil de 1988 estabelece que todos os corpos de água do Brasil são de domínio público: (1) da União, os rios que servem de fronteira entre Países, Unidades da Federação ou que têm obras construídas pelo governo federal; (2) das Unidades da Federação – Distrito Federal e Estados – as águas superficiais fluentes, emergentes e em depósitos nos respectivos territórios, com exceção dos açudes construídos pela União, (as-sudd palavra de origem árabe significa represa d’água), e as águas subterrâneas.

Assim, ao se ter água do domínio público, significa que já não se pode usá-la livremente, como se fora do domínio privado. Por sua vez, segundo a UNESCO/PHI, 2003, o mundo tem cerca de 261 bacias hidrográficas compartilhadas por 145 nações. Entretanto, embora se fale de gestão integrada das águas, considera-se, basicamente, apenas aquelas que fluem visíveis pelos rios ou o blue water flow. Regra geral omite-se que existam aqüíferos transfronteiriços, cujos fluxos contribuem à descarga dos rios durante o período que não chove na respectiva bacia hidrográfica. Por sua vez, os construtores de poços costumam apresentar os resultados positivos como prêmios de loteria, o que tem dificultado à sua inserção no sistema nacional de gerenciamento integrado da gota d’água disponível. Entretanto, nos países desenvolvidos, os aqüíferos têm desempenhado variadas funções de uso e conservação da gota d’água disponível, além da tradicional função de produção. Desta forma, os poços são construídos com a dupla função de produção e conservação da água, controle da interface marinha, descarga de base dos rios, manutenção de santuários ecológicos, segundo métodos tais como Aquifer Storage Recovery - ASR, os quais representam uma economia de 70%-80% dos custos tradicionais de captação e tratamento de mananciais que se transformam em depósitos de lixo depois de um período de uso.

Além disso, deve-se considerar que as águas que fluem pelos rios não dividem territórios – fronteiras entre países e Unidades da Federação - mas são elos que os unem. Entretanto, desde a 2a Conferência das Nações Unidas - Rio-92, verifica-se nos países desenvolvidos, sobretudo, uma mudança da idéia de que a única solução aos problemas de escassez atual ou futura de água é aumentar sua oferta, mediante a construção de obras. Ao contrário, verifica-se um crescimento das tarefas do planejamento e gestão da gota d’água disponível, conforme mostra o número crescente de exemplos positivos nos paises desenvolvidos.

Por sua vez, atualmente, a maior parcela da água consumida no Brasil, por exemplo, destina-se à agricultura (63% do total). Porém, nem se questiona o fato de sobre 93% da área irrigada os métodos utilizados de irrigação serem os menos eficientes, tais como espalhamento superficial (56%), aspersão convencional (19%) e pivô central (18%). Vale destacar que os dois últimos métodos são, além de pouco eficientes em termos de uso de água, de consumo intensivo de energia elétrica, cuja matriz principal no Brasil são os rios. Também nas cidades do Brasil, a cultura da abundância de água engendra grande desperdício e degradação da qualidade em níveis nunca imaginados. Não obstante o consumo humano ser o menor percentual (10% a 20% do total), as perdas totais no fornecimento variam entre mais de 30% e perto de 70%, cerca de 64% das empresas não coletam, sequer, os esgotos que geram e perto de 80% destes são lançados nos rios sem tratamento prévio. Além disso, têm-se vexatórias operações de racionamento ou rodízio do fornecimento da água que é captada cada vez mais distante das cidades, transportada, tratada e injetada em redes de distribuição que nem sempre têm água. Vale destacar que os racionamentos de água nas cidades tem sido muito usados como estratégias da escassez para obtenção de verbas públicas ou de empréstimos com taxas privilegiadas de juros de agências de financiamento, internacionais ou nacionais.

O anúncio do racionamento de água nas cidades no Brasil, tem engendrado uma grande utilização das águas subterrâneas. Entretanto, estas continuam sendo captadas por meio de poços não controlados para abastecimento de indústrias, hotéis de luxo, hospitais e condomínios privados, principalmente. Esta forma de utilização das águas subterrâneas tem proporcionado dois alcances econômicos principais: (1) livra o usuário do manancial subterrâneo dos problemas de saúde; (2) livra os usuários dos poços não controlados do pagamento das taxas do esgoto gerado. Assim, os investimentos feitos são amortizados, regra geral, em apenas 1/3 da vida útil dos poços, por exemplo.

Todavia, parece não preocupar os governos ou o primeiro setor, as empresas ou o segundo setor e a sociedade civil organizada ou o terceiro setor, a falta de uma engenharia de planejamento que possibilite se antecipar aos problemas de escassez local e ocasional, nem de avaliar os vergonhosos desperdícios dos usos - doméstico, industrial e agrícola - e a degradação da qualidade em níveis nunca imaginados.

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências, Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo, Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos

 
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