“País explora pouco o seu potencial hídrico”

Será necessário que as empresas da região busquem fontes alternativas e renováveis para gerenciar o uso da água na bacia do São Francisco

Apesar da necessidade de explorar novas fontes para diversificar a matriz energética, o Brasil tem no potencial hidráulico uma via direta para suprir sua carência energética. Hoje, o país explora apenas um quarto do potencial hídrico disponível, segundo estimativa do presidente da ANA (Agência Nacional de Águas), Jerson Kelman. “Estamos longe de esgotar o nosso potencial energético e devemos usar isso a nosso favor”, comentou Kelman, em entrevista ao Portal CanalEnergia.com.br. Além do projeto que regulamenta a atuação das agências reguladores e do potencial hídrico, o executivo fala sobre o plano decenal de recursos hídricos para a bacia do São Francisco, a principal da região Nordeste. O plano propõe prioridades e critérios para alocação da água, critérios para cobrança pelo uso da água, planejamento de gestão participativa e descentralizada, além de um plano de investimentos para a revitalização do manancial. A estimativa é que sejam investidos, inicialmente, R$ 5,2 bilhões no plano. O documento foi entregue, recentemente, ao comitê da bacia do São Francisco e deve ser votado no início de julho, segundo prevê Kelman.

Potencial energético - O Brasil está muito longe de esgotar o seu potencial energético hídrico. Acredito que essa exploração está em torno de 20% a 25%, no máximo. Ou seja, muito pouco se comparado ao potencial explorado da Europa e Estados Unidos, por exemplo, de cerca de 80%. Por isso, acredito ser fundamental que o país explore mais o potencial disponível e não se deixe levar por interesses de outros países. Veja bem, que isso não significa que o país deva abandonar outras tecnologias, mas dar prioridade à base hidráulica, pois é uma fonte renovável e mais barata atualmente no mercado. E tecnologia mais barata é muito importante para um país que carece de energia elétrica disponível. Por outro lado, essa exploração deve ser feita com cautela. Estamos vivendo um período de grande preocupação com o meio ambiente e os impactos sociais, percebendo que algumas usinas podem ser descartadas. Portanto, é preciso enxergar que alguns projetos, apesar de serem atraentes do ponto de vista energético, trazem impactos ambientais e sociais, dificultando o processo de licenciamento ambiental e a expansão do sistema elétrico brasileiro.

Plano Decenal da bacia do São Francisco - A idéia do plano é transmitir aos setores que utilizam recursos hídricos em sua produção que a água não é infinita, que existe um limite de uso para cada um. E o plano traz essa limitação para cada setor. Hoje, por exemplo, não existe um limite de uso para irrigação, mas o setor pode, daqui a alguns anos utilizar a água firme para a hidrelétrica de Sobradinho. No plano, estabelecemos um limite de 300 metros cúbicos por segundo para a área de irrigação. O seu consumo atual é de 100 metros cúbicos por segundo, é três vezes menos que o limite proposto. Por outro lado, estabelecemos limites também para as usinas instaladas na bacia. Esse limite determina que as usinas diminuam sua exposição ao uso da água. Será necessário que as empresas da região busquem fontes alternativas e renováveis para gerenciar o uso da água na bacia do São Francisco. Isso permitirá que todos os setores possam repartir a água, sem prejudicar o meio ambiente e a sociedade.

Agências Reguladoras - As agências foram criadas para atender três tipos de interesse: consumidores, empresas que prestam serviços e poder concedente. O papel dos órgãos reguladores visa a buscar o equilíbrio entre esses três interesses, sem beneficiar um ou outro integrante do processo. No caso da agência de bacias, ela não pode ser vista como um braço do governo ou como defensora do consumidor ou de empresas. Ela precisa ter autonomia para fazer os setores de sua atuação funcionarem bem, cumprindo as regras de mercado. De uma forma resumida, o projeto de lei deveria impedir que as agências fossem capturadas pelo governo, pelas empresas ou pelos consumidores. Os contratos de gestão, por exemplo. É claro que as atividades das agências reguladoras precisam ser transparentes e não vejo problema algum os órgãos reguladores prestarem contas à sociedade. No entanto, esse contrato deve ser negociado entre as partes envolvidas, explicitando as políticas que devem ser implementadas de um lado e, de outro, a origem dos recursos para que as metas sejam cumpridas pelas agências. Sem essas medidas, fica complicado firmar contratos de gestão. Outro ponto que poderia ser revisto é a figura do ouvidor. Inicialmente, a presença do ouvidor parece ser boa, mas, da forma como foi proposta, pode criar um duplo comando, já que o ouvidor poderá interferir nas decisões das agências. É importante ter cuidado na hora de redigir o texto para que não haja enfraquecimento dos órgãos reguladores.

Cobrança pelo uso da água - Até hoje, somente a bacia do Paraíba do Sul tem essa cobrança. A nossa expectativa é que haja um boom em outras bacias a partir da nova medida provisória, que permite que a cobrança e os recursos sejam geridos pelos comitês de bacias. A previsão é que essa cobrança deva ser instituída pelo comitê do Piracicaba a partir de 2005. A bacia do São Francisco também deve instituir a cobrança, mas a partir de 2006. No ano passado, o comitê arrecadou muito pouco, cerca de R$ 6 milhões. Para este ano, a expectativa é que sejam arrecadados R$ 10 milhões. Os recursos obtidos serão aplicados em melhorias na gestão dos recursos hídricos das bacias.

Fonte: Agência Canal Energia

 
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