Superficialistas e subterranistas

No planejamento das captações para abastecimento, os órgãos governamentais orientadores e normalizadores, evidentemente, sempre comparam as soluções por águas superficiais e por águas subterrâneas.

O notável é que esses estudos, tornados conhecidos dos munícipes de uma comuna, criavam radicalismos ferrenhos, dando origem a partidarismos até políticos. Surgiam os defensores intransigentes das águas superficiais, os superficialistas e os das águas subterrâneas, também intransigentes, os subterranistas.

O maior argumento dos superficialistas era: a água superficial está ali, a gente vê, pode molhar as mãos nela. As subterrâneas são invisíveis, não se sabe se existem. O poço é uma loteria, fura-se, gasta-se uma nota e ele não dá nada.

Em oposição, os subterranistas afirmavam que as águas subterrâneas não necessitam de tratamento, evitam longas adutoras e possuem uma tecnologia de exploração bastante desenvolvida, que elimina o azar na perfuração de um poço.

Daí, xingamentos de parte a parte, enfáticas matérias nos jornais, inimizades, o diabo.

Um dos casos mais importantes no estado de São Paulo, do qual o DAEE participou, foi o de São José do Rio Preto, que, em fins do terceiro quartel do século passado, necessitava ampliar o abastecimento de água da sede do município.

Não sei se os partidaristas chegaram a atingir as vias de fato que caricaturei acima (mas com tintas verdadeiras). Porém apareceram os defensores e os detratores de duas possíveis soluções. Que eram as seguintes:

1 – A superficial: captar águas do rio Turvo, o que exigiria a construção de uma adutora de setenta quilômetros, de uma elevatória de cem metros e a ampliação da estação de tratamento.

2 – A subterrânea: executar um poço tubular, de, provavelmente, mil e trezentos metros de profundidade, que atingisse o então arenito Botucatu, atual aqüífero Guarani, em local próximo à existente estação de tratamento

A segunda solução havia sido estudada, projetada e proposta pelo grupo de águas subterrâneas do DAEE, que executara o levantamento hidrogeológico do estado.

Telefonava-nos freqüentemente o engenheiro Romeu Patriani, de São José do Rio Preto, não sei se superficialista ou subterranista, mas que queria realmente comparar as duas soluções.

Por sua solicitação, fui à cidade apresentar ao prefeito, Adail Vetorazzo, o projeto do poço. Ouviu-me atentamente e, sem nenhuma objeção, aceitou a solução proposta pelo DAEE.

- Vou levar ao Médici e obter empréstimo federal para as obras.

Foi, obteve e executou o poço. Quinhentos metros cúbicos por hora, jorrante.

Estranhei que o prefeito não tivesse me esperado na Prefeitura, mas ido ao hotel encontrar-se comigo. A recepcionista me explicou:

- Hoje é 8 de dezembro, dia de Nossa Senhora, padroeira do município. É feriado local e a prefeitura está fechada.

Outro caso de acerbas disputas sobre a captação foi o de Bananal, ainda no tempo do DOS, quer dizer, no começo do terceiro quartel do século passado.

Mas aí foi mais solene. A Câmara Municipal convidou-nos para explicar, em reunião oficial, as duas soluções possíveis. Esse “nos” éramos o engenheiro Reynaldo Fanganiello e este digitador.

Fanganiello, o Fanga, era uma figura. Chefe da seção de projetos, suspendia o expediente quando lhe dava na cabeça e levava os engenheiros para comprar vinho em São Roque. Promovia churrascos de gato, preparados no forno da oficina mecânica de propriedade da família. Convidava muitos amigos que sabiam qual era a origem da carne e, parece, se deliciavam.

À reunião da Câmara, devidamente convidados, compareceram a professora primária, o farmacêutico, o promotor, o juiz de direito e outras pessoas proeminentes da cidade.

A solução proposta pelo DOS era subfluvial, com a colocação de tubos drenantes, transversalmente ao fluxo do rio Bananal, sob o seu leito. A outra era captar uma mina na serra, alguns quilômetros mais longe. Nesses contactos com as Prefeituras era muito interessante observar as explicações técnicas dos prefeitos e, até, de alguns engenheiros municipais.

A unidade de vazão era polegada.

- A água dos Morais dá, brincando, dez polegadas.

E com os dedos indicador e polegar de cada mão, curvados em forma de circunferência, simbolizavam um tudo de dez polegadas de diâmetro.

Mas houve um que usou outra unidade:

- A mina está dando uma teia d’água.

Com as mãos juntas, curvadas, formando um semicilindro, representou a calha da telha.

Numa das cidades o prefeito defendia uma de duas soluções, explicando:

- A gente capta as águas dos Ferreira, lá no morro do outro lado do rio. Põe um tubo de lá até o morro do reservatório, do lado de cá. A água entra no tubo, que desce, vai acelerando, acelerando, ganhando força para subir pelo tubo até o morro de cá. Aí vai parando, vai parando e entra no reservatório.

Geól. Euclydes Cavallari
(11) 3031-6473
alicecv@uol.com.br

 
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