Atividade agrícola: há risco?

Na contaminação de águas subterrâneas por compostos orgânicos, os combustíveis e os defensivos agrícolas apresentam comportamentos que podem ser considerados praticamente antípodas. Os principais contaminantes presentes na gasolina são compostos com grande mobilidade e baixa persistência. Os principais compostos formadores dos defensivos agrícolas são pouquíssimo móveis e muito persistentes. Os primeiros tendem a se dissolver na água subterrânea. Os últimos tendem a se adsover no solo. Essa dicotomia se estende também na área legal, ainda que por razões diversas. E finalmente temos as diferenças de mercado na hidrogeologia de contaminação no nosso país.

Depósitos de combustível, em todas suas formas, quer sejam tanques enterrados de postos de gasolina, quer sejam tanques aéreos de bases de distribuição e refinarias, quer sejam, tubulações enterradas e aéreas, tubovias etc., representam fontes potenciais de contaminação extremamente corriqueiras, presentes no nosso dia a dia, afinal, os automóveis são responsáveis pelo consumo de quase metade de todo o petróleo produzido no mundo. Por esse mesmo motivo estes contaminantes foram muito estudados e, em geral, encontra-se na dianteira das ações corretivas.

Defensivos agrícolas, quer sejam, pesticidas ou herbicidas, representam fontes potenciais extensas, pois sua aplicação acontece em grandes áreas agriculturáveis. Também estes são relativamente bem estudados e são alvo de ambientalistas. Devido à sua natureza mais complexa e mais variada na composição, as ações corretivas demoram mais para serem disparadas. Além dos defensivos, na agricultura ainda somam-se problemas potenciais através da utilização de adubos e fertilizantes.

Os combustíveis fósseis apresentam como principais contaminantes os monoaromáticos denominados coletivamente por BTEX, acrônimo para benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos. Estes compostos encontram-se presentes na gasolina e, em menor proporção, no diesel e óleos mais pesados. Alguns poliaromáticos como o benzo(a) pireno, presentes no diesel, também são alvos ambientais. Estes compostos são carcinogênicos, sendo o benzeno e o benzo(a)pireno reconhecidamente cancerígenos. Os monoaromáticos, que são os contaminantes mais comuns nos depósitos de combustíveis, apresentam solubilidade relativamente elevada, da ordem de poucos miligramas por litro, ainda assim pelo menos três ordens de grandeza acima dos limites de potabilidade. Esta característica os torna muito móveis, pois a água subterrânea é o elemento mais móvel em subsuperfície. Por serem facilmente degradados, tendem a formar plumas de contaminação de pequena extensão.

Os defensivos agrícolas são compostos de cadeias carbônicas maiores e mais complexas. Em geral, por serem altamente hidrofóbicos, apresentam solubilidade baixa e tendem a ficar adsorvidos no solo, apresentando baixíssima mobilidade. Porisso são contaminantes de solo e não de água subterrânea.

A atuação dos órgãos oficiais de meio ambiente é decisiva na existência de ações preventivas e corretivas. Meio ambiente ainda é visto como gasto para a maioria das empresas, cultura que é responsável pela limitação das atividades preventivas. De uma forma clara, quanto mais atuante o poder público melhores os efeitos no meio ambiente. Assim, o mercado de trabalho para os hidrogeólogos de contaminação é determinado diretamente por esses níveis de atuação. Os depósitos de combustíveis têm recebido, em grande parte do país, a atenção merecida, embora ainda exista a maior parte dos trabalhos de avaliação e remediação esperando para ser feita. Já a atividade agrícola não está subordinada ao mesmo procedimento, uma vez que a aplicação de defensivos não requer licenciamento, o que impossibilita os órgãos de meio ambiente de atuarem nesta área. A aplicação de defensivos está subordinada ao Ministério da Agricultura. O reflexo disso é a ausência de controles mais eficazes com relação a solos potencialmente contaminados.

Embora exista uma grande massa de literatura a respeito do comportamento de defensivos no solo, esse conhecimento não tem aplicação no mercado de trabalho, pois os instrumentos geradores de demanda não estão afinados.

Dr. Everton de Oliveira é professor-colaborador do Instituto de Geociências da Univ. de São Paulo
everton@hidroplan.com.br

 
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