Aqüífero Guarani é destaque no Globo Repórter

Um programa, no início de março, dedicado inteiramente às águas subterrâneas e a principal riqueza sob a terra: o Aqüífero Guarani. O programa contou com depoimentos de associados da ABAS, levando informação valiosa aos consumidores e população. O ABAS informa publica alguns tópicos do que foi discutido em rede nacional....

Durante séculos, o mundo olhou para as riquezas enterradas debaixo das matas brasileiras. Ouro, esmeraldas, pedras e metais ditaram o rumo da nossa História. No século 21, guardamos sob os nossos pés um tesouro ainda maior: água. O mais precioso bem da Humanidade encontrou nos subterrâneos do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai o seu maior reservatório. Nas três fronteiras, o planeta água se mostra mais do que generoso, as águas de superfície e as águas subterrâneas formam um patrimônio de valor incalculável. Reservas naturais que os países do Mercosul sabem que têm de cuidar porque delas depende também o futuro da Humanidade.

O Brasil é hoje o país mais rico do mundo em água. Só de rios são quase 56 mil quilômetros quadrados. Temos 12% de toda a água doce do planeta e 53% da América do Sul. Mas é subterrânea a reserva mais valiosa: o Aqüífero Guarani. O reservatório tem proporções gigantescas: 1,2 milhão de quilômetros quadrados. Oito estados brasileiros e outros três países latino-americanos são os guardiões dessa imensa caixa d’água enterrada.

O comerciante Leose Furunchi descobriu o poder desse aqüífero. A água que jorra do poço lavou a alma do comerciante. Também pudera: ele descobriu uma mina de ouro. Água mineral. A água que ele encontrou em um sítio de Paissandu, nos arredores de Maringá, norte do Paraná, é diferente: contém vanádio, um mineral com propriedades medicinais. Ele atua contra o colesterol e influencia no funcionamento do pâncreas e do fígado, combate a diabetes e favorece o equilíbrio da saúde.

No mundo todo só existem outros três poços. Um deles fica na França; outro, em Ibirá, no interior de São Paulo; e mais um em São Lourenço, Minas Gerais. “Além de ser diferenciada, ela traz benefício para o ser humano. É saúde, o rejuvenescimento da vida”, comenta o comerciante.

Mas como se formou essa gigantesca bacia de água subterrânea? No Paraná, pesquisadores viajam quilômetros em busca de uma resposta. “A idade da água no interior, onde está mais confinada, chega a 30 mil anos. Então, aí está o grande ponto de interrogação: de onde vem essa água? quando ela chegou lá embaixo? de que forma? Existem hipóteses que estão sendo discutidas e que vão ser comprovadas no decorrer da pesquisa”, diz o pesquisador Ernani da Rosa Filho.

Há mais ou menos 180 milhões de anos, ainda no tempo dos dinossauros, a região era um imenso deserto. Em um período entre 200 e 132 milhões de anos, o deserto – com área equivalente aos territórios da Inglaterra, França e Espanha juntos – sofreu uma grande transformação. O mar de areia virou um dos maiores reservatórios de água doce do mundo: o Aqüífero Guarani. Mas não pense que existe um imenso lago debaixo da terra. O geólogo Eduardo Hindi explica que lá embaixo, encontraríamos pedras. A água ocupa o espaço entre os grãos de areia. O aqüífero é uma rocha porosa com capacidade de absorver a água.

Um dos muitos poços perfurados pela empresa de saneamento do Paraná, na Zona Rural de Londrina, ainda está em fase de teste, mas já mostrou a que veio. Um jorro poderoso avança em direção ao céu. São 880 mil litros de água por hora, expelidos pela pressão natural. Depois, a água que vem de mais de 500 metros de profundidade mantém uma vazão um pouco menor, de 550 mil litros por hora. O que se vê é uma chuva de água morna – com 36 graus Centígrados – e cristalina.

Quanto mais profunda mais quente a água. A cada 30 metros, a temperatura aumenta um grau. O biólogo José Roberto Borgheti explica que a composição e temperatura das águas do aqüífero variam muito. “A grande riqueza do Aqüífero Guarani é essa diversidade de utilização – tanto para o abastecimento público quanto para o turismo hidrotermal”, ressalta o biólogo.

Água em tamanha quantidade, e de sobra, não serve apenas para garantir aos moradores o uso nos afazeres domésticos, na higiene pessoal e outras utilidades. Na hora do lazer, também se mergulha em água pura. A vocação turística do aqüífero, às vezes, é descoberta por acaso. O casal de agricultores Carlos e Alaíde Benati trocou um sítio de arroz, de cinco alqueires, por uma chácara bem menor, de apenas um alqueire. No terreno, havia um tesouro que brotava da terra: uma mina d’água. Água do Guarani. A prainha era um velho sonho e dela o casal tira o sustento. Um financiamento para fazer a terraplanagem foi o grande passo. “A gente foi investindo, fazendo quiosques, colocando pias, construindo churrasqueira”, conta seu Carlos.

O aqüífero se estende pelo interior do Paraná, distribuindo água e saúde o ano todo. Piscinas de água quente, banhos de lama, jatos frios – são as águas que curam. Elas têm sulfato de cálcio, de magnésio, carbonatos de sódio e potássio – minerais poderosos contra reumatismos e dores musculares.

Alerta: água não é infinita

O estado do Paraná tem 399 municípios, dos quais 275 já descobriram as vantagens das águas subterrâneas: mais saudáveis, mais puras e mais baratas. Cinco aqüíferos diferentes abastecem o estado. Historicamente, as águas minerais da região eram consumidas pelos índios guaranis há séculos. Depois, chegaram os desbravadores, com o desmatamento indiscriminado, pondo em risco as fontes naturais. Hoje, a grande preocupação é recuperar e preservar as matas para proteger não só os rios, mas principalmente a água que vem do fundo da terra. Em áreas de muita vegetação, brotam as minas que alimentam a indústria. Pontos borbulhantes na areia muito clara indicam que não há apenas uma, mas várias fontes de água mineral. E elas contêm cálcio e magnésio, fundamentais para crianças e idosos.

A indústria do café também usa o aqüífero. Além de pura, a água já vem quente. Economia no consumo de energia. A indústria tira água a uma profundidade de quase mil metros. E tanto a utiliza na extração do café como nas caldeiras. Mas a quem pertence, afinal, a água do aqüífero?

Diante da escassez que ameaça o mundo, a Organização das Nações Unidas (ONU) propôs que o Aqüífero Guarani fosse transformado em Patrimônio da Humanidade e que suas águas fossem consideradas reserva estratégica, intocada, para que no futuro fosse usada por toda a população do planeta. Por enquanto, é apenas uma proposta.

Hoje, os quatro países do Mercosul que estão sobre o gigantesco reservatório formam uma grande potência. “Esses países têm que se unir para defender esse patrimônio, porque o futuro está na água. Os países que têm abundância em água vão dominar o mercado porque vão produzir alimentos e poderão vender a água envasada. Isso depende da determinação do governo destes quatro países na defesa do Aqüífero Guarani”, comenta a bióloga Nádia Boscardin.

A bióloga e os pesquisadores José Roberto Borghetti e Ernani da Rosa filho são os autores do mais completo estudo já feito sobre o aqüífero, que concluiu: o Guarani é instrumento precioso para o crescimento do Brasil. “O mais importante é saber quais os critérios vão ser utilizados para que possamos utilizar o aqüífero de forma racional, visando tanto o desenvolvimento que o país precisa como a preservação ambiental, para que as futuras gerações possam usufruir constantemente deste benefício”, diz José Roberto.

Água subterrânea é uma riqueza que pode gerar outras riquezas. Mas os cientistas alertam: este bem renovável, vital para o ser humano, não é infinito. Só o uso racional, cercado de cuidados ao meio ambiente, pode garantir vida longa às nossas reservas de água.

Sem medo do racionamento

Imagine uma cidade que não tem medo de racionamento, onde os poços jorram água limpa e fresca, onde as piscinas e as torneiras têm água mineral. Esta cidade existe. Com 545 mil habitantes, Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, é a maior cidade brasileira abastecida 100% por águas subterrâneas do Aqüífero Guarani. O Rio Pardo, um dos principais do estado, passa a um quilômetro da cidade, mas nem é tocado. A captação para a rede pública é feita por 97 poços, que, juntos, fornecem 13 milhões de litros de água por hora.

O custo de produção é 50 vezes mais baixo do que se a água fosse retirada do rio. A mistura de cloro é baixíssima, só o que a lei estipula. Mas os responsáveis dizem que nem isso seria necessário. “Como ela sai da terra, já poderia ser bebida. Da forma como os poços são perfurados atualmente, é perfeitamente possível. A água é de excelente qualidade e pode até ser enquadrada como água mineral”, afirma o engenheiro Adalton Santini, do Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (Dearp).

Uma riqueza natural, que já produziu delícias que fizeram a cidade famosa no país inteiro. Uma sorte geográfica. Ribeirão Preto está em uma das pontas onde o aqüífero chega mais perto da superfície. Em uma planície, ele aflora e a água forma uma lagoa. Uma facilidade que os moradores aproveitam. Em um bairro vizinho, é só cavar para achar água. “Com 1,5 metro de profundidade já é possível encontrar água”, conta o chacareiro Francisco Bertagna.

A cidade começa a acordar para a importância de se conservar este privilégio. E o sinal de alerta vem da própria terra. Há 50 anos, para se conseguir água em um dos poços mais antigos de Ribeirão Preto, no centro da cidade, era preciso cavar 35 metros. Hoje, a água não aparece antes dos 75 metros – mais que o dobro de profundidade. Para os especialistas, o recado é claro: o nível do aqüífero está baixando. O diretor do Departamento de Águia e Energia (Daee), Celso Antonio Perticarrari, diz que o problema é o excesso de poços perfurados: mais de 400 na cidade inteira – autorizados ou não. “Ainda não temos uma ferramenta legal para evitar isso. Desde que haja um responsável técnico e um projeto detalhado, temos que outorgar a perfuração”, diz ele.

O geólogo Osmar Sinelli, que estuda o Aqüífero Guarani há 49 anos, diz que, sozinha, a natureza demora quase 30 anos para recompor as camadas do lençol d’água. É preciso evitar a qualquer custo a superexploração do aqüífero. “Ele significa a sobrevivência da população. Somos realmente abençoados em possuir uma reserva tão rica. Por isso, precisamos saber protege-la”, diz o geólogo.

 
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