Diferenciar um buraco de um poço é essencial

Apenas nas indústrias e no agronegócio, por terem a cultura da planilha de custos, verifica-se que a água subterrânea constitui a alternativa mais barata de abastecimento dos empreendimentos. No Brasil, em geral, o fato de o sol brilhar todos os dias do ano sobre um ponto qualquer do seu território, faz com que o problema da água não decorra do fato de que chove pouco, mas que a chuva é muito irregular e evapora muito. Sobre mais de 90% do território nacional cai uma abundante pluviometria - 1.000 e 3.000 mm/ano - e tem-se uma rede de rios que nunca seca. Neste quadro, a água sempre foi vista no Brasil como um recurso natural muito abundante, dádiva dos deuses e direito dos cidadãos. A ONU classifica o Brasil como rico de água nos seus rios, uma vez que as descargas médias de longo período - sendo da ordem de 183.000 m3/s - poderá proporcionar entre 10.000 e 100.000 m3/ano/hab. (Rebouças et al, 2002). Muito embora cerca de 80% da oferta de água (34.000m3/ano/hab) ocorram na região Amazônica, nenhuma unidade da nossa Federação tem menos de 1.000 m3/ano/hab nos seus rios.

A extração de apenas 25% das descargas de base dos rios, isto é, os fluxos subterrâneos que deságuam nos rios durante os períodos sem chuvas nas respectivas bacias hidrográficas, representa uma oferta de água para consumo da ordem de 4.000 m3/ano/hab.

Segundo os dados do Serviço Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2000) a idéia tradicional sempre foi de que cabe aos governos (Federal, Estudais ou Municipais) fazer os investimentos necessários - com dinheiro público ou obtido de agentes financeiros nacionais ou internacionais com taxas de juros privilegiadas – e garantir atividades industriais, agrícolas e o abastecimento da população das cidades, por exemplo. Como corolário, o fornecimento de água sempre foi o conforto mais barato da vida moderna paga pela população das cidades, estimulando a baixa eficiência das Cias na oferta de água nas cidades, principalmente. A partir da Rio-92, sobretudo, ficou claro que o mercado e a sociedade, em geral, têm parte importante na crise da água. Além disso, verifica-se uma evolução do quadro político no Brasil entre os dois eventos internacionais da ONU – Estocolmo -72 e Rio-92, de um regime político forte e fechado para uma democracia, que já teve origem em 1988 com a Constituição Federal...

A ONU, destaca que a crise da água que deverá atingir as Nações, ainda neste século XXI, decorre, fundamentalmente, dos grandes desperdícios e degradação da qualidade da gota de água disponível em níveis nunca imaginados. Neste particular, basta lembrar que 64% das Cias do Brasil, não coletam sequer os esgotos que geram e apresentam índices de perdas totais que variam entre 30 e mais de 70% (IBGE, 2000). A participação privada na prestação destes serviços é complexa e demanda ajustes na legislação vigente.

Também na agricultura (70%) no plano mundial, o Brasil também apresenta o maior consumo de água (68%). Entretanto, grandes são os desperdícios já que sobre cerca de 93% da área irrigada, continua-se utilizando os métodos menos eficientes do mundo e/ou que os espaçamentos das culturas são os mesmos dos tempos dos escravos (IBGE, 2000).

Por ocasião do último censo demográfico (IBGE, 2000) tinha 5.507 municípios, sendo que o menor (União da Serra/RS) tinha apenas 18 habitantes e o maior cerca de 10 milhões (São Paulo/SP). Na época tinha 90 cidades com menos de 500 habitantes, 1.176 com menos de 2.000, 3.887 com população inferior a 10 mil e 4.642 cidades com menos de 20 mil, todas com estatuto legal de cidade, idêntico ao que é atribuído as 39 sedes municipais que compõem a RMSP.

Considerando que os potenciais de água subterrânea são variados no Brasil (<1m3/h.m-1 até >10 m3/h.m-1), tem-se a oportunidade de abastecer de forma barata as cidades do Brasil, a exemplo do que já ocorre nos paises mais desenvolvidos da ONU, por exemplo. Vale destacar que, a utilização da água subterrânea para abastecimento público, representa a alternativa mais barata nos pais mais desenvolvidos, pelo fato de poderem ser captadas nos lotes das industrias, perímetros de irrigações e cidades, dispensando os onerosos projetos de captação de rios ou a construção de estações de tratamento das suas águas. Vale destacar que, no Brasil, pelo fato da chuva infiltrar em tão grande abundância e enfrentar neste percurso os poderosos processos de autodepuração – bioquímicos e geoquímicos – tornam as perspectivas de utilização das águas subterrâneas como manancial alternativo, muito mais promissores. Além disso, a tectônica dominante no país favorece a infiltração das chuvas intensas, resultando que as águas das nascentes ou fontes, são geralmente minerais, quentes e gasosas, sendo alimentadas pelos fluxos ascendentes engendrados pela diferença de densidade destas águas.

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências, Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo, Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos

 
Voltar Imprimir

Copyright © - Associação Brasileira de Águas Subterrâneas
Todos os direitos reservados