Alternativas de uso das águas subterrâneas no Rio Grande do Sul

A estiagem que vem atingindo nosso Estado nos últimos meses nos faz refletir sobre os atuais usos das águas subterrâneas previstos na legislação estadual, principalmente no que se refere ao Decreto Estadual 23.430/74. Deve-se dar nova redação aos artigos que tratam do tema ou ao menos que novas interpretações venham a ser feitas por parte das instituições envolvidas na fiscalização, outorgas e regularizações desse importante recurso hídrico. O conceito de que água subterrânea é uma reserva estratégica vem ´caindo por água abaixo´ há algum tempo. Torna-se inadmissível que em determinados locais em que há recursos há racionamento devido à estiagem, usuários ou potenciais usuários não possam se utilizar deste recurso simplesmente por uma ´proibição ou restrição´ ao uso das águas subterrâneas captadas através de poços tubulares, sem ao menos que se façam avaliações quanto às características físico-químicas e bacteriológicas. As constantes notícias de a água subterrânea estariam contaminadas merecem melhores investigações, pesquisas e mais dados técnicos para tais afirmações. Chega de ´achômetros´ e ´alarmismos falsos´ tentando generalizar as situações locais que possam estar atingidas. Deve-se separar as águas subterrâneas captadas a pouca profundidade, através de poços tubulares, cujos projetos e execuções devem ser acompanhadas por profissional habilitado pelo CREA-RS e com base nas normas técnicas NBR 12244 e 12212.

As legislações que tratam especificamente das águas subterrâneas não são muitas, destacando-se os decretos estaduais 23.430/74 e 42.047/02. O Decreto Estadual 23.430/74, de saúde pública, trata da ´promoção, proteção e recuperação de saúde pública´ no Estado. Este decreto é o que gera mais polêmica em relação ao uso das águas no Estado. Publicado em 1974, visa a proteção de saúde pública contra possíveis danos causados por águas subterrâneas que fossem distribuídas pela rede pública de abastecimento e sim captadas por fontes alternativas e poços. Entretanto, este decreto não distingue os diferentes tipos de poços, como os tubulares e os escavados, assim como não prevê que a água de um poço tubular normalmente é potável, principalmente devido às profundidades em que são captadas. As referências que este decreto faz é notoriamente com relação aos poços escavados, também determinados em outras regiões como cacimbas e amazonas, como pode ser observado no Artigo 97, em que determina as condições para que os poços e fontes possam ser utilizados quando não houver rede pública de abastecimento. O item ´d´ do parágrafo 2º deste artigo observa que os poços devem possuir ´tampa de laja de concreto armado com caimento para as bordas, dotado de abertura de visita com proteção contra a entrada de águas pluviais. No item ´a´ do mesmo artigo, é ressaltado que os poços devam ser ´convenientemente distanciados de fossas, sumidouros de águas servidas ou de qualquer outra fonte de contaminação. Este artigo do decreto demonstra que na época em que foi publicado, a preocupação era com a contaminação das águas subterrâneas e do aqüífero freático, tendo em vista que as definidas no artigo dizem respeito a poços escavados, que captam água deste horizonte. Desta preocupação devemos fazer coro principalmente com o risco de contaminação que são atribuídos a estes tipos de captações, principalmente em regiões urbanas.

Os artigos 87 e 96 deste artigo são os que proíbem a utilização de outras fontes de abastecimento, incluindo os poços, para o suprimento de água onde há rede pública. Segundo o Artigo 87, ´somente pela rede pública de abastecimento de água potável, quando houver, far-se-á o suprimento de edificação´ e pelo Artigo 96, ´nas zonas servidas por rede de abastecimento de água potável, os poços serão tolerados exclusivamente para o suprimento com fins industriais ou para usa floricultura e agricultura. Parágrafo único: os poços não utilizados serão aterrados até o nível do terreno. Desta forma, o decreto não leva em conta a avaliação da qualidade da água dos poços, nem a forma como foram construídos e da responsabilidade técnica necessária para a boa execução da obra. Pior do que isto, o parágrafo único do Art 96 prevê o aterramento dos poços que não forem utilizados. Logo, se os poços não atendem às finalidades do decreto, não poderão ser utilizados, e, por conseqüência, devem ser fechados. Desta forma, o órgão gestor fica impossibilitado de autorizar a perfuração de novos poços ou fornecer a outorga e regularização de poços já existentes para aqueles que não se enquadram nas finalidades de indústria, floricultura ou agricultura, previstas no Decreto 23.430/74.

O Decreto Estadual 42.04702 regulamenta o gerenciamento e a conservação das águas subterrâneas e dos aqüíferos no Estado do Rio Grande do Sul. Este decreto visa basicamente regulamentar procedimentos que levam a estudos geológicos e hidrogeologicos objetivando a pesquisa, conservação e proteção dos aqüíferos, através de dispositivos que levam principalmente ao controle técnico tanto de projetos quanto da execução de poços tubulares, fazendo com que os poços sejam construídos de forma correta, dentro das normas técnicas (NBR 122244 e 12212) e que haja condições de monitoramento dessas obras, seja de volume de água explotada, quanto dos níveis estatístico e dinâmico dos poços, que fornecem informações preciosas para a gestão dos recursos hídricos, neste caso o subterrâneo.

Como pode ser visto, se por um lado possuímos uma legislação moderna que visa a proteção dos aqüíferos através de estudos hidrogeologicos, pesquisas e principalmente por ações que levem ao controle técnico da perfuração de poços, por outro lado, existe uma legislação arcaica, no que se refere as águas subterrâneas, que simplesmente proíbe a utilização desta água para outras finalidades se não aquelas prevista no Decreto 23.43074, onde há rede no local. Com isso, os usuários de poços tubulares ou não são obrigados a usar água de concessionária publica, mesmo que essa água seja utilizada para lavar calcadas, lavanderias, lavar automóveis, uso em privadas, banheiros, piscinas.

O que se defende não e o uso indiscriminado e sem controle das águas subterrâneas, mas sim a possibilidade de que sejam ampliadas as finalidades e uso previsto na legislação, ou uma interpretação real do Decreto 23.43074, distinguindo os diferentes tipos de captações. Isto regularizaria a situação dos usuários que já se utilizam deste recurso e possuem poços construídos dentro de normas técnicas, devidamente atestadas por profissionais habilitados. Ressalta-se que o nosso estado e o único com legislação similar. Os demais estados não restringem os usos das águas subterrâneas por usuários comuns, desde que captadas com controle técnico e que estejam de acordo com a portaria 51804 no Ministério da Saúde.

Marcelo Goffermann é geólogo, vice presidente da APSG - Associação Profissional Sul-brasileira de Geólogos e consultor suplente representante da APSG


O Consultor

Quanto mais tempo despendemos no planejamento de um projeto, tanto menor será o de execução.
Getting Things Done. Edwin C. Bliss

Todo o mundo tem problemas; desde a pessoa querendo saber que horas são, até a companhia aérea querendo saber como reduzir o tempo em terra ou o produtor querendo saber onde construir um poço para produzir água. Os problemas, reais ou imaginários, necessitam solução real. Assim, cria-se uma dupla: cliente-consultor. Aquele que quer resolver é o Cliente. A origem do problema pode ser ou uma necessidade palpável, ou um desejo, ou um medo; mas, claramente, o Cliente espera um resultado. Consultor é alguém que dá conselho ou consulta. No anedotário, é aquele que perguntado: - Que horas são? Resolve respondendo: - Mostre-me seu relógio. Ou, alternativamente: - Que horas achas que são? Especificamente, Consultor é a pessoa que presta serviços, emitindo um parecer especializado, sob contrato, para a resolução de um problema específico, com prazo e custo determinados. É alguém que tanto provê resultados – um técnico –, a um preço determinado pelo mercado e por suas competência e reputação e que lhe possibilita manter o negócio – um vendedor – como procura e detecta oportunidades no mercado, agindo individualmente – um empreendedor. Consultoria é o ato de atuar como Consultor. O trabalho como Consultor implica, claramente, em algo mais que apenas prestar consultoria.

O Cliente procura o Consultor por variados motivos: ou por não saber resolver ou por não querer resolver ou por ter urgência na solução ou para ter um parecer (externo; independente; técnico), sempre sem encargos de longo prazo. Ou seja, nem sempre o Cliente não sabe a solução; ele pode não querer resolver o problema, tanto por vontade como por saber-se pouco eficiente, ou por não ter os recursos para tal. De qualquer modo, o Cliente espera obter uma solução efetiva e eficaz, além de rápida, barata e eficiente. Ao fazer o contato, o Cliente quer saber: 1. quanto custará, em quanto tempo; 2. que irá ser feito; 3. como ficará. Por outro lado, o Cliente paga pelos resultados obtidos, a partir da recomendação do profissional, que propriamente pelo tempo gasto pelo profissional na obtenção da solução proposta. Assim, apesar de o custo ser um fator importante na procura de um consultor, e, provavelmente, o que desencadeie a procura, outros fatores podem , as vezes, ser até mais importantes: a reputação do consultor – técnica e ética –, os serviços diferenciados, a relação Cliente-Consultor, a capacidade de venda do Consultor, quanto o Cliente pensa que valem os serviços etc. Além destes, fatores tão imponderáveis como a aparência física do Consultor e de seu escritório também podem influir. O Consultor deve retornar ao Cliente uma proposta de solução que ou resolve ou diminui ou evita o problema, ou agrega valor ou eficiência. Mesmo assim, cabe ao Consultor detectar a real causa da procura do Cliente, ajudando-o a ver o que realmente precisa. Mas, muitas vezes, a solução técnica nem sempre é a desejada pelo Cliente. Daí, a importância de ouvir atentamente o Cliente, separando sintoma de desejo, para bem diagnosticar. De qualquer maneira, o Cliente define a “verdade” do caso. Cabe ao profissional entender e mostrar o que está sendo pensado e dito e o que tecnicamente está sendo preciso. Neste momento, há que se tomar uma decisão: aceitar, encaminhar, rejeitar. Se aceito, é estabelecido o contrato. Este é um acordo entre partes, em plenas capacidade e livre escolha, para fazer ou não algo específico e especificado, em retorno de um valor adequado num tempo determinado. Fechar um contrato é uma arte e requer capacidade de negociação. Senão, ou redireciona-se a um colega ou termina-se a consulta; em ambos os casos, tão elegantemente quanto possível – e, daí, segue-se tocando o negócio como de praxe, visando-se mais proveitosas atividades.

A consultoria é um modo de exercer a profissão, além de ser um negócio. No fundo, continua-se sendo Geólogo, Engenheiro, Arquiteto, Médico ... – ou seja, aquele que detém um conhecimento especializado e está habilitado a exercer uma atividade técnica especializada. Basicamente, o que o todo Consultor faz é: 1. Escutar; 2. Investigar; 3. Analisar; 4. Recomendar. Além do conhecimento e da experiência técnicos específicos, e do lidar com as frustrações e os erros, são ainda necessárias três habilidades básicas: 1. Administrar o negócio; 2. Vender os serviços; 3. Dar visibilidade e confiabilidade ao profissional e ao negócio (marketing). Há que ter claro tanto o fazer como a contrapartida (o cobrar) – o inverso para o Cliente. Para o Consultor a proposta é uma proposição de venda, implicando necessariamente em lucro. A atividade para manter-se requer lucro, sendo importantes o cálculo dos custos e o fluxo de caixa. Cobrar valores mal estruturados ou super/sub-dimensionados causarão queda de procura e a falência do negócio, com a conseqüente parada da atividade – há que pagar as dívidas, mesmo assim. É importante saber claramente todos os custos que precisam ser cobertos, desde honorários até material de escritório, incluindo-se aí o padrão de vida que se pretende levar. Assim, antes de tudo, há que se estabelecer claramente o mínimo aceitável para deslanchar um trabalho, mas, por outro lado, há que se cuidar para não cobrar excessivamente, e sair do mercado. Assim, o cobrado deve manter, atualizar e aumentar o patrimônio além de permitir o tanto o crescimento profissional e o lazer como o provimento para o futuro e as incertezas. Afora o preço, é também importante o que o Cliente pensa que se faz do que propriamente o que realmente se faz. Esta imagem é o motivo da escolha do profissional, que gerará o contato inicial. Por outro lado, uma boa técnica de desestimular um Cliente, tentando evitar um trabalho que não se tem interesse, é a de cobrar preços absurdamente altos – mesmo assim, corre-se o risco de o Cliente aceitar a proposta, e o trabalho passará a ter um incentivo poderoso.

O trabalho como consultor não é apenas visar o dinheiro; a razão de exercer a atividade deve ser fundamentalmente gostar-se do que se faz e do como se faz. É fundamental ter isto claro para que se tenha a energia e o entusiasmo para “tocar o negócio”, especialmente nos períodos de “vacas magras”. Outros motivadores concorrem subsidiariamente para o sucesso da atividade e do negócio, mas em conjunto são importantes, como: o aproveitamento dos talentos pessoais, a vontade de trabalhar no próprio empreendimento e com esquema flexível, a satisfação de resolver problemas e de proporcionar alívio a outrem, a visão de contribuir para o bem social, a possibilidade de ter uma fonte de renda, adicional ou flexível, a possibilidade de trabalhar sozinho. Em contrapartida, uma possível causa de profunda frustração é a de que o consultor não decide, nem implementa; apenas, recomenda. O Cliente só transfere o direito de fazer recomendação e, talvez, o Consultor nunca saberá o que aconteceu após a entrega do projeto. De qualquer maneira, o Consultor é sempre responsável pelas recomendações feitas. O estabelecimento do negócio, com alguma perspectiva de sucesso, demanda um Plano de Negócio1 , específico e datado, que deve ser revisto e atualizado periodicamente. Para tal, há que definir previamente: o tipo de consultoria a exercer; o tipo de cliente a atender e o respectivo mercado abrangido; o tipo de benefício que irá produzir; a motivação para iniciar e desenvolver o negócio; as oportunidades e as ameaças, os potenciais e as fraquezas; as habilidades e os conhecimentos necessários e existentes; as instalações e os equipamentos. Com isto, determina-se o investimento inicial, o montante necessário para montar o negócio e o financiamento do primeiro mês de atividade, e o tempo de retorno, aquele em que o negócio se tornará lucrativo. De qualquer maneira, é importante ter-se uma estratégia para sobreviver o primeiro ano.

Para o exercício da consultoria, algumas leis gerais são básicas, por óbvias. 1. Ter sempre uma alternativa (Corolário de Murphy). 2. Erros são possíveis, desde que pequenos (Lei de Gates). 3. Despesas: reduzir e adiar, sempre (Lei Mão-de-Vaca). 4. Trabalho: aceitar sempre que der lucro (Lei da Sobrevivência). 5. Descanso: só amanhã (Lei da Bodega). 6. Valor: vale-se quanto soluciona ou traz benefício (Lei do Mercado). 7. Ética (Lei Filosófica): valores e princípios profissionais e sociais, explicitados e respeitados, como: respeitar acordos; guardar segredos; prestar contas. Assim, como há que se ter um sistema de cálculo de custos, há que se ter, também, um código particular de ética, dando os limites até onde será possível aceitar algo proposto, e seguir com a consciência em paz. Quanto a questão das horas, é sempre possível e recomendável olhar no próprio relógio e responder o que se vê, ponderado pela experiência pessoal e as evidências externas do momento. Caso contrário, ou é burla ou o preço é outro – talvez com outro profissional. E, dando os trâmites por findos, resta apenas esperar e procurar por sorte e sucesso, além de trabalhar duro. À demain, que eu vou em frente.

Mário Wrege
Consultor em Recursos Hídricos e Hidrogeologia
(51) 3259-7642
wrege@ufrgs.br


 
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