Aqüífero
Guarani: a mentira do século?
Com relação à matéria
sensacionalista sobre o Aqüífero Guarani vinculada pelo
Globo Repórter e reproduzida na íntegra pelo Jornal ABAS
informa, é necessário se fazer uma constestação
ao caráter marqueteiro e ufanista que, em geral, norteiam suas
aparições na mídia. Desse modo, sem querer polemizar,
apresento a seguir alguns resultados obtidos nos meus estudos sobre
este reservatório no Rio Grande do Sul e outros estados. Devido
aos problemas que o Rio Grande do Sul enfrentou com a seca prolongada,
há tempos atrás me perguntaram: afinal de contas, onde
está este maravilhoso Aqüífero Guarani, tão
presente na mídia e que parece uma eterna promessa?
Realmente, o que sabemos dele é que é “o maior lençol
de água doce do mundo, compartilhado pelos países do Mercosul
e motivo de ciúmes e admiração dos demais países
do mundo”, frase repetida em mais de 500 sites da Internet, mais
parecendo uma lavagem cerebral, obtida através da repetição
de uma informação que queremos incutir na cabeça
de outras pessoas. É necessário desmistificar este conceito.
Não existe “um” Aqüífero Guarani, um
grande mar de água doce que, entre outros locais, abrange desde
o Rio Grande do Sul até o Mato Grosso. Ao contrário do
que se imagina, que o Guarani tenha sido “descoberto”, este
nome corresponde na realidade a uma sucessão de aqüíferos
com algumas semelhanças, que possuem denominações
variadas nos quatro países do Mercosul. Estes aqüíferos
apresentam diferentes potencialidades para a captação
de água, com as vazões dos poços variando de seco
a apenas algumas centenas de litros por hora, até mais de duzentos
mil litros por hora.
Entretanto, apesar de localmente ser importante, a potabilidade da água
captada em pelo menos 50% da área de ocorrência desse aqüífero
no Rio Grande do Sul demonstrou não ser própria para o
abastecimento público. Sua qualidade também nem sempre
é favorável para a irrigação, devido ao
conteúdo de sais minerais indesejáveis. Seu uso “in
natura” restringe-se, portanto, na viabilização
de estâncias turísticas termais. A pesquisa de informações
em outros estados e países também demonstra a presença
de águas muito salinizadas (mineralizados), seu caráter
não transfronteiriço quanto aos fluxos de água,
como ocorre em São Paulo, e grandes áreas em que ele não
é aqüífero, como na região sudeste de Santa
Catarina. Além disso, suas águas analisadas através
de isótopos apresentam idades muito antigas, que confirmam a
possibilidade de existirem águas de péssima qualidade
pelo longo tempo de residência a que estão sujeitas.
Várias afirmações errôneas têm sido
feitas por leigos e infelizmente avalizadas ou assumidas por técnicos
que não estão totalmente familiarizados com o assunto
águas subterrâneas. Entre algumas, podemos destacar a preocupação
de que a captação do sistema poderia provocar contaminação
em todo o aqüífero, quando na verdade não existe
relação direta entre uso e poluição de um
aqüífero.
É para mim muito preocupante quando se fala que o Sistema Aqüífero
Guarani é uma reserva estratégica para o futuro. A visão
equivocada de um aqüífero gigante, portador de enorme reserva
de água doce, fatalmente atrairá a cobiça de outros,
quando sabemos dos graves problemas que muitos países sofrerão
por falta de água.
Desse modo, sugiro que devido a grande importância que a água
subterrânea terá no abastecimento futuro, mais estudos
sejam realizados sobre o Sistema Aqüífero Guarani no Rio
Grande do Sul e no restante do país, para torná-lo não
simplesmente uma promessa vaga, mas sim um recurso que possa ser aproveitado
para a melhoria da qualidade de vida e minorar os efeitos de futuros
períodos de seca, como o que assolou o Rio Grande do Sul entre
2004 e 2005.
José Luiz Flores Machado
ABAS Núcleo Rio Grande do Sul
machado@pa.cprm.gov.br
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