Petróleo em aqüífero requer mais atenção
A descoberta de petróleo, ocorrida no início
deste mês, em uma área do Aqüífero Guarani
torna indispensável que o Brasil redobre a vigilância para
não perder o controle internacional sobre esta imensa reserva
subterrânea, voltou a alertar o geólogo Aldo Rebouças,
no Núcleo de Estudos Estratégicos da USP (Universidade
de São Paulo), um dos maiores especialistas mundiais no estudo
de águas subterrâneas. O Aqüífero Guarani é
um verdadeiro oceano de água doce que se encontra no subsolo
do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, e é apontado como uma
das soluções definitivas para o abastecimento de água
em quase todo o interior paulista, incluindo municípios da Região.
O petróleo, abaixo das águas do aqüífero,
foi descoberto por acaso durante uma perfuração da Sanepar
(Companhia de Saneamento do Paraná), no município de Joaquim
Távora, vizinho da cidade paulista de Ourinhos. A descoberta
aconteceu quando técnicos da empresa perfuravam um poço,
de cerca de 300 metros de profundidade, para regularizar a captação
superficial na região, no início deste mês. Dois
dias depois, a ANP (Agência Nacional do Petróleo) confirmou
a ocorrência. Rebouças denunciou a existência de
uma articulação internacional que, segundo ele, já
está em curso com o objetivo de tirar a hegemonia brasileira
do controle sobre o Aqüífero Guarani. “A descoberta
de uma nova ocorrência de petróleo abaixo do aqüífero
com certeza vai ampliar esta articulação e torna mais
urgente a necessidade de que o governo federal tome decisões
para mudar este quadro”, afirmou o geólogo ontem.
Mais Petróleo – Aldo Rebouças lembra
que já foram confirmadas, na região do aqüífero,
ocorrências de petróleo no município paulista de
Bofete, próximo a Botucatu, e também no Uruguai e na Argentina.
“Nestes países e também no norte do Paraná,
em Londrina, foram descobertas jazidas de gás natural. O Uruguai
tenta aumentar o poderio do aqüífero, investindo na utilização
da energia geotermal”, afirma o geólogo. “O Brasil
não pode perder o controle, como está acontecendo hoje,
sobre esta reserva fabulosa”.
O geólogo Marco Antônio Gomes, da Unidade de Meio Ambiente
da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), principal
pesquisador brasileiro sobre os riscos de contaminação
do aqüífero por pesticidas agrícolas, afirma que
a descoberta de petróleo em Joaquim Távora é uma
surpresa. “A Paulipetro fez várias prospecções
e não encontrou nada. Até agora, só se acreditava
na ocorrência, em maior escala, de xisto betuminoso. A descoberta
do petróleo exige que o Brasil passe a estudar melhor o aqüífero”,
avalia Gomes. De acordo com ele, por causa do tipo de formação
geológica do aqüífero, a expectativa é que
as eventuais ocorrências de petróleo sejam encontradas
de forma isolada. “É como procurar agulha no palheiro.
Exatamente por isso, quem detiver o conhecimento sobre a área,
deterá também estas informações preciosas”,
afirma Gomes.
Rebouças afirma que a estratégia de internacionalização
do Guarani (leia texto abaixo) poderá permitir que especialistas
estrangeiros venham ao Brasil estudar o aqüífero sem pedir
autorização ao governo brasileiro, como é obrigatório
hoje. “É iminente o risco de, logo, termos que buscar informações
sobre o aqüífero junto aos organismos internacionais de
pesquisa. E, claro, eles vão nos fornecer se quiserem”,
sentencia o geólogo.
Geólogo alerta para interesses
O geólogo Aldo Rebouças alerta para as
gestões que têm sido conduzidas no âmbito da ONU
(Organização das Nações Unidas) com o objetivo
de transformar em “recursos internacionais” todos os aqüíferos
transfronteiriços do mundo. “Para nós, que acompanhamos
há 20 anos o que acontece no Aqüífero Guarani, o
objetivo da proposta é tirar esta reserva da nossa hegemonia”,
acusa Rebouças.
De acordo com Rebouças, a distribuição de recursos
internacionais para pesquisas sobre o Guarani também mostra claramente
a tentativa de tirar a hegemonia do Brasil sobre ele. “O controle
estratégico sobre o Aqüífero Guarani será
feito por aqueles que detiverem o conhecimento”, afirma. Mais
de 75% do aqüífero, cerca de 840 mil quilômetros quadrados,
estão em território brasileiro, mas os organismos internacionais
liberaram no ano passado apenas US$ 1 milhão de verbas para pesquisa
no País. Enquanto isso, o Uruguai, que tem apenas 58 mil quilômetros
quadrados de terras sobre o aqüífero, já recebeu
mais de US$ 6 bilhões do Banco Mundial e de outras fontes financiadoras
internacionais.
O Aqüífero - Além do Brasil e do
Uruguai, os 1,2 milhão de quilômetros quadrados do aqüífero
se estendem também pelos territórios do Paraguai (58,5
mil km) e Argentina (255 mil km). Esta formação é
a maior reserva de água doce subterrânea conhecida no mundo,
suficiente para abastecer, indefinidamente, toda a necessidade de água
de mais de 160 milhões de pessoas. Em São Paulo, o aqüífero
é demarcado por uma linha geológica que corta o Estado
de Norte a Sul, descendo das proximidades de Ribeirão Preto para
São Carlos, Piracicaba, Tietê, até a divisa com
o Estado do Paraná. Nos limites da RMC (Região Metropolitana
de Campinas), o aqüífero se encontra nas proximidades de
São Pedro e Águas de São Pedro, região de
Piracicaba.
O aqüífero é apontado como a solução
imediata de abastecimento para centenas de cidades do interior paulista.
As águas subterrâneas não precisam de tratamento,
o custo de transporte e irrisório e, por isso, o seu custo final
pode ser até 70% mais baixo que o das águas de superfície.
Em Ribeirão Preto, no norte do Estado, quase 100% da água
consumida na cidade vem do aqüífero. A Sabesp (Sociedade
de Abastecimento do Estado de São Paulo) desenvolve um projeto
para captar água do Guarani, no interior do Estado, e levá-la
até a Capital, através de aquedutos. Rebouças questiona
a viabilidade deste projeto. “Mas, de qualquer forma, quando o
aqüífero estiver suficientemente explorado, abastecendo
centenas de cidades do interior paulista, aquelas que não estão
sobre ele poderão utilizar com mais intensidade as águas
superficiais”, afirma ele.
Paulo San Martin
Jornalista
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