A história
da cidade do rio da arara grande...
ARAÇUAÍ. O rio Araçuaí.
O rio da arara grande: Ara-Açu-Í. A cidade Araçuaí.
A cidade do amor. A cidade banhada pelo rio, a poucos quilômetros
a montante da confluência com o Jequitinhonha.
O vale do Jequitinhonha é conhecido como o “vale da miséria”.
Em Minas Gerais, estado de gente muito boa: Valéria, Las Casas,
Alaor, Ennes, Guimarães Rosa. São pessoas extremamente.
Estado onde se diz: “uai”, “trem bão”
e se compra “ati di mi”. Qual a razão de Araçuaí
ser “a cidade do amor”? Foi assim:
Uma das atividades mais importantes da região era a dos barqueiros.
Transportavam o que se exportava da produção da região
e o que se importava de fora. Era uma profissão rendosa. No fim
da “labuta diária” divertiam-se e repousavam numa
das cidades do vale, onde havia a “casa das moças”.
Contrariado com a situação, o bispo expulsou-as da cidade.
Elas então foram acampar as margens do Araçuaí,
para onde, evidentemente os barqueiros começaram a se dirigir
para a diversão e o descanso, levando seu razoável poder
econômico. O acampamento cresceu, tornou-se aldeia, vila, cidade,
distrito e, finalmente, município. Com o nome de Araçuaí.
Por outro lado, a cidade de origem das moças declinou, empobreceu
e acho que sumiu do mapa.
Pois foi em Araçuaí que o Projeto Rondon implantou o “Campus
Avançado do Vale do Jequitinhonha”, entregando-o à
responsabilidade das faculdades do ABC paulista e da PUC de Belo Horizonte.
Coordenei no Campus a Escola em que eu era professor, no ABC paulista,
intimado para o cargo, sem direito a recusa, pelo meu grande mestre
e amigo, Carlos Pereira de Castro. Instalou-se a sede em Araçuaí
num prédio de propriedade da Cúria Metropolitana de Belo
Horizonte, inicialmente destinado a um seminário que, por algum
motivo, não o ocupou.
O objetivo do projeto Rondon, em seus campis avançados, era duplo,
como os da minha faixa etária devem-se recordar: oferecer treinamento
aos alunos, dentro de suas especialidades e fazê-los conhecer
as realidades brasileiras – e não, como se costuma dizer,
“a realidade brasileira”. Gosto da expressão “os
da minha faixa etária”. Prefiro-a a “os velhos como
eu”. Muitos casos, para mim interessantes, ocorreram durante as
atividades de professores e alunos. Espero ter a oportunidade de aborrecê-los
contando vários, nesta e em futuras “Águas Passadas”.
Nossa primeira atividade foi montar a equipe coordenadora. Pequena,
no começo: o Campanelli, o Maga Patalógica e o PX. Este,
muito importante, pois era rádio-amador.
Naquele tempo não existia celular e as comunicações
telefônicas com Araçuaí eram precárias e
não havia chegado ainda a energia elétrica de Paulo Afonso.
A cidade dispunha de um gerador que funcionava poucas horas por dia.
Era indispensável um equipamento de rádio alimentado por
bateria.
Conseguimos o equipamento de rádio, dois, na verdade, um para
ficar no ABC e outro em Araçuaí, por intermédio
do meu colega de turma, Kokei Uehara, o “domador de rios”,
hidropersonalidade fluvial, vindo menino para o Brasil. Durante as férias
da Poli ia a Olímpia carpir café no sítio do pai,
ele, não o pai, foi o único japonês que conheci
que torcia pela Portuguesa de Desportes. Kokei conseguiu por meio do
cônsul japonês de São Paulo que um empresário
seu patrício doasse os equipamentos. Esse empresário,
de cujo nome não me lembro, vinha freqüentemente ao Brasil,
pois possuía uma indústria pesqueira em Cananéia,
processadora de enguias que exportava para o Japão a 200 dólares
a lata de meio quilo. Quando vinha, pegava a Varig na terça ou
na sexta-feira, para poder comer feijoada na quarta ou no sábado
ao chegar ao Brasil.
Era uma figura! Trouxe os equipamentos como bagagem de mão no
avião. Evidentemente teve problemas com a Alfândega no
aeroporto. Os rádios só foram liberados pelas autoridades
com a intervenção do cônsul japonês e do Kokei,
que atestaram tratar-se de doação, não comercial,
a uma faculdade que participava do Projeto Rondon.
Fomos a Araçuaí participar da inauguração
do Campus levando o equipamento de rádio a ser instalado lá.
Esse “fomos” eram a equipe acima mais os professores José
Senise e Bartolomeo Albanese. De linha aérea comercial até
Belo Horizonte, onde compramos a necessária bateria de caminhão,
pesada, de 12 volts. Pernoitamos e tomamos o avião do Projeto
Rondon no dia seguinte. O velho DC3 que havia sentado praça na
FAB com o nome de C47.
Conforme ordenado pela Aeronáutica chegamos ao aeroporto de Pampulha
às seis horas da manhã, que militar tem mania de acordar
cedo. Esperamos, esperamos, esperamos...
Às nove e meia chegou a tripulação, com o comandante,
capitão aviador, à frente. Reclamamos da demora. O capitão
perguntou, em tom jocoso: - Mandaram vocês chegar às seis
horas?
E riu, riu, riu... Embarcamos. Ligados os motores, dirigindo-se o avião
para a pista, o Maga Patalógica berrou:
- Mestre, a bateria ficou no hotel!
Avisamos o capitão, que riu mais ainda, voltou ao ponto inicial
e se comunicou com a torre, que ligou para o hotel. Depois de uma razoável
demora, vimos pela janela do hotel o pobre “capitão de
botões” chegar correndo, suando, esbaforido, com a pesada
bateria ao ombro.
Finalmente partimos. Depois eu contarei mais.
Engenheiro Euclydes Cavallari
(11) 3031-6473
alicecv@uol.com.br
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