A Dominialidade das Águas Subterrâneas no Brasil (I)

Na virada do 1o milênio para o 2o, quando o Brasil foi descoberto em 1500 por Portugal, a Europa se reconstruía sobre as ruínas do Império Romano. Seja como for, iniciou-se a busca de um novo caminho que levasse aos mercados do Oriente, sem enfrentar os árabes de Constantinopla. As especiarias trazidas, então, possibilitariam ao Europeu, dentre outras coisas, consumir os animais abatidos no começo de cada inverno, até o fim.
Como bem frisou Orlando Soares na seu livro – Comentários á Constituição da República Federativa do Brasil (2003), a Idade Média corresponde, como período histórico, a queda do Império Romano, ocorrida em 476, abrangendo vários séculos de denominação da Igreja Católica como sendo o verdadeiro Império Romano. Concomitantemente, a Igreja Católica elaborou o Direito Canônico, que influenciou de maneira profunda as instituições jurídicas dos diferentes reinos europeus, inclusive Portugal e por extensão o Brasil.. Em outras palavras, o papado se constituiu na autoridade supra-nacional da Europa, lançando mão de um tríplice freio para conter os desafetos: a excomunhão; o interdito, o “desligamento de fidelidade” dos feudatários ante o soberano.
Efetivamente, o europeu da época do descobrimento representava a fase final das transformações que ocorriam no continente eurasiano e no seu “Crescente Fértil”- do leste para oeste. Portanto, num ambiente de barreiras orográficas muito grandes e nenhuma climática ou ambiental, deu-se, durante milhares de anos, a passagem do catador e coletor de alimentos para o agricultor sedentário, ávido por lucros. Neste ambiente, o humanidade passou da fase de caçadores e coletores de alimentos para atingir na Europa do Descobrimento a fase dos agricultores sedentários preocupados com os excedentes agrícolas, base da riqueza do nobre que tinha escravos, artistas, advogados, engenheiros e pintores famosos, sem cultivar a terra mas vivendo dela. Quando o descobridor aqui aportou, os povos nativos ainda eram caçadores e coletores de alimentos e praticavam a poligamia e a antropofagia, dentre outras cerimônias, há tempos banidas pelos Europeus.
Durante o Período Colonial no Brasil, a exemplo do que ocorria na Europa, a águas subterrâneas eram consideradas um recurso natural místico e mítico, servindo para identificar ou santificar cavernas. Nestes locais, elas surgiam na forma de fontes ou nascentes de águas quentes ou gasosas. Depois, com o desenvolvimento da produção de energia elétrica nos rios, surgiu o Código Brasileiro de Águas, 1934, cuja vigência se prolongou até1988.
Quando a Constituição de 1988, ainda vigente do Brasil, pela primeira vez, estabeleceu que a dominialidade das águas subterrâneas deixava de ser privada e passava ao domínio publico das Unidades da Federação, pensou-se que o problema estaria assim resolvido. Ledo engano, uma vez que as Unidades da Federação estavam e estão habituadas a tudo esperar do Poder Central. Por sua vez, o Código de Águas de 1934, ao estabelecer que o manancial de águas subterrâneas tinha, no Brasil, uma dominialidade privada, isto é, pertencia ao dono do prédio, fez com que, até agora, permaneça a idéia de que o manancial de águas subterrâneas só pode figurar no serviço público como de abastecimento complementar ou provisório. Hoje, como as águas subterrâneas pertencem ao domínio público, e ocorrem, relativamente, melhor protegidas dos agentes poluidores que atingem, facilmente, os mananciais de superfície (rios e lagos, por exemplo), são a alternativa mais barata nos paises mais ricos do mundo, principalmente, para abastecimento humano. Em Los Angeles, CA, USA, o projeto Water Factory 21, por exemplo, tem logrado mostrar a economia de até 70% nos custos do tratamento convencional de esgotos, para injeção nos aqüíferos costeiros e fazer o controle da intrusão salina do mar.Assim, na virada do 2o milênio para este 3o, devido aos baixos custos das alternativas de uso, as águas subterrâneas constituem fator competitivo cada dia mais importante no mercado global.

Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de Geociências, Pesquisador Inst. Estudos Avançados-Universidade de São Paulo, Consultor Secretaria Nacional de Recursos Hídricos

 
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